Ao fim de doze meses, o rugby português tem finalmente o seu campeão de 2017/2018, com os azuis do CF “Os Belenenses” a levantar o seu 7º título de campeão — o terceiro Campeonato Nacional no século XXI (só atrás do GD Direito e em igualdade com o CDUL).

Com a final jogada a 22 de Setembro, todos olham para o início da nova época. Se numa semana se apurou o último dos Campeões Nacionais, agora estamos a duas do início de uma nova temporada de rugby, algo que parece estranho para o leitor menos familiarizado com a oval portuguesa.

A final do CN1 (passou agora para a sua antiga designação, Divisão de Honra, em mais uma troca de nomenclaturas em poucos anos) aconteceu só em Setembro, devido aos processos, avaliações, recursos e decisão final dos incidentes da meia-final entre AEIS Agronomia e GD Direito.

Com o último dos recursos a sair só em Junho, 90% dos atletas portugueses já estavam de férias e os clubes sem actividade minimamente relevante para se dar lugar à realização do encontro mais esperado por todos. Posto isto, a final recebeu a data (com transmissão televisiva da TVI24) em Setembro e pôs fim ao que foi uma época de 17/18 delicada para o rugby português. Que problemas e situações foram/são esses? Nomeamos só alguns para não perdermos o fio à meada:

  • Os problemas originados pelos desacatos entre jogadores na tal meia-final (situação rara no rugby Mundial, mas que infelizmente acontece e que tem de ser avaliada) foi só um dos exemplos claros do que se passou no último ano em termos de violência

Neste caso, as penas de suspensão dos atletas totalizaram 39 semanas de suspensão (José Rodrigues e Robert Delai viram as suas suspensões removidas, apesar desta só se ter dado após o cumprimento da pena total), uma multa aos clubes no valor de 10 mil euros e interdição aos campos de 30 jogos (números somados com os dois clubes). 

créditos: Luís Cabelo

Contudo, ficou a faltar uma avaliação pelos próprios emblemas no que tocou aos problemas na bancada, em que se assistiram a agressões mútuas entre espetadores, alguns dos quais técnicos de formação. Faltou, igualmente, um pedido de desculpas tanto por parte dos dois clubes envolvidos como da Federação Portuguesa de Rugby, sem que nenhum dos protagonistas tenha conseguido dar o melhor exemplo no final das contas;

  • A recessão financeira do rugby português continuou de pedra e cal, com a Federação Portuguesa de Rugby a não conseguir chegar a um entendimento com os vários emblemas nacionais para um reformular de orçamento e investimento nas ações da modalidade em Portugal. Os árbitros continuam a ser colocados como o parente pobre da oval, sem os necessários apoios para um desenvolvimento superior e que traga qualidade para o perímetro de jogo; escasseiam os apoios às selecções jovens, que têm obtido excelentes resultados mas ficam sem uma preparação ao nível da qualidade que possuem; os 7’s continuam a ser alvo de uma fraca e má exploração, tanto ao nível da selecção nacional como de campeonatos nacionais; fracasso no desenvolvimento da modalidade a nível regional, em termos de expansão do jogo e na conquista de número de atletas
  •  Tanto a selecção sénior de XV (quinze jogadores) como a de 7’s (sete jogadores) falharam nos objectivos

 Os Lobos não conseguiram o apuramento para o Mundial, sendo eliminados pela Alemanha no playoff de acesso a um outro playoff e aguardam pelo jogo de promoção frente à Roménia, um adversário muito duro para os desígnios nacionais. E os 7’s não garantiram o apuramento para o Hong Kong 7’s, prova que possibilita a luta pela subida às World Series, o Campeonato do Mundo de 7’s, que é dividido em várias etapas. Por outro lado, continua o problema em conseguir trazer os melhores atletas portugueses à selecção nacional, nomeadamente os que actuam na 1ª e ª2 divisão inglesa ou francesa, por exemplo, com os clubes destes a “forçar” que seja a Federação a pagar os dias de salário em que não estarão a servir o clube.

Estes são só alguns dos problemas que motivaram um aumentar de distâncias entre os vários agentes do rugby português, levantando vários problemas em seu redor. Escasseiam fundos, falta um desenvolvimento interessante e decente que faça a modalidade crescer, não existe vislumbre de estabilidade directiva e continua-se a perpetuar a divisão entre clubes. Na Soma de Todos os Males, veio também a decisão da direção de Luís Cassiano Neves apresentar a demissão e entregarem a Federação Portuguesa de Rugby a uma Comissão de Gestão, que ficará em funções até Março de 2019.

Como se diz nas artes, a trama adensa-se e o rugby português continua à procura daquilo que o fez de único entre os anos de 2002-2008: união. A imagem dos Lobos de 2007 já não vende o suficiente para cativar novos jogadores na prática, sendo necessário um reformular total da imagem que se tem da modalidade. 

Mas e então o presente e futuro é de tal forma negro que não há nada a saudar ou louvar? Felizmente, para quem gosta de desporto em Portugal há vários pontos positivos a ver e a seguir. Vejamos, também, alguns:

  • As selecções sub-18 e sub-20 de Portugal estão num processo de afirmação contínua já não só à escala europeia mas também mundial, com o sucesso dos pupilos de Luís Pissarra (com ajuda de António Aguilar) no World Rugby Trophy 2018

A conquista do bronze, veio na sequência do bicampeonato europeu somado em Coimbra perante a congénere da Espanha, numa final de quase sentido único. Os sub-18 de Rui Carvoeira e Francisco Branco terminaram em 5º no último Europeu, mas continuam a apresentar uma qualidade de jogo interessante e que dá “matéria-prima” ao escalão seguinte.

Isto significa, que tanto Federação Portuguesa de Rugby como os clubes a nível de desenvolvimento e trabalho na formação dirigem-se para o caminho certo, com a afirmação de diversos atletas de 19/20/21 anos na selecção A de Portugal: Vasco Ribeiro, Jorge Abecassis, Manuel Cardoso Pinto, Nuno Mascarenhas, Manuel Picão Eusébio, António Vidinha, entre outros. 

Uma prova clara que há sangue novo a fluir na Alcateia que viu Gonçalo Uva e Vasco Uva, dois dos últimos Lobos de 2007, a dizerem adeus aos campos de rugby (subsiste Pedro Leal, o último desse “clã”);

  • Aparecimento e manutenção de novos clubes em diferentes pontos do país, como em Braga, Guimarães, Leiria, para além de que há um sucesso de captação de novos activos pelos clubes do Alentejo (RC Montemor e CR Évora são os dos principais protagonistas), Ribatejo (RC Santarém), faltando só que o Rugby Clube de Loulé tenha mais parceiros na região do Algarve (para já, só existe o Clube de Rugby da Universidade do Algarve)

Em jeito de curiosidade, a segunda divisão do rugby português é das mais especiais do desporto nacional, uma vez que existe um padrão quase geral de clubes que estão situados em cidades/vilas em que a oval é o desporto-rei (caso da Lousã ou Arcos de Valdevez), necessitando só de um ponto de apoio mais bem conduzido para se afirmar na região com outra clarividência.

  •  Desenvolvimento do Touch Rugby como uma variante funcional e de elevado interesse para curiosos que queiram experimentar jogar rugby sem o contacto físico. O desenvolvimento bem focado e trabalhado por parte da Associação de Touch Rugby Portugal e os clubes/secções da variante, têm dado frutos claros na captação não só de antigos jogadores (que já não conseguem “sobreviver” às placagens ou às formações-ordenadas) como de novos praticantes que nunca tiveram qualquer contacto com a modalidade. 
créditos: Luís Cabelo

Há uma clara demonstração de atingir outras metas e de trazer outros envolvidos para o jogo que nunca antes se tinha conseguido trazer. O Touch Rugby neste momento tem mais de 14 equipas oficiais a jogar, munido de um Campeonato Nacional e uma série de torneios regionais afectos à variante, aceitando atletas de todos os géneros, idades e nacionalidades (homens e mulheres jogam juntos, não há diferenciação nas equipas).

Estes três factores positivos devem amenizar e dar abertura para um espaço de discussão e debate para a modalidade, que urge não só uma reflexão profunda mas uma resposta concreta e incisiva aos problemas e contínuas fracturações no que toca à ligação e convívio entre todos os actores do rugby português.

Há outros factores de elevado interesse, como o facto de termos cada vez mais atletas portugueses a ingressar em equipas de alto nível europeu. 

Casos de Pedro Bettencourt (a alinhar pelo Newcastle Falcons da English Premiership), José Lima (Carcassone da PROD2, depois de dois anos no Oyonnax da principal divisão francesa, o Top14), Francisco G. Vieira (actuou pelo Rotherham Titans da Championship, a 2ª divisão inglesa, na época passada), Mike Tadjer (o luso-descendente joga como talonador no Grenoble do TOP14), Samuel Marques (é o médio-de-formação do Brive do PROD2), Diogo Hasse Ferreira (actualmente está a cumprir suspensão, mas chegou a jogar pelo Sale Sharks na Premiership), são só alguns de portugueses a conquistar o seu espaço além-Portugal. Sejam nascidos no território nacional, em França ou noutro país, são atletas considerados portugueses que já jogaram pela Selecção Nacional “A”.

A somar a isto, os projectos sociais da oval portuguesa continuam a dar “cartas”. O 24Sapo já falou este ano sobre o Rugby Com Partilha, projecto que visa levar a modalidade aos centros prisionais tentando alimentar e ajudar os reclusos a encontrar outros caminhos; o trabalho da Escola de Rugby da Galiza é um claro exemplo do conseguir trazer bairros problemáticos para dentro da modalidade, desenvolvendo alicerces para os jovens encetarem a sua vida de uma forma positiva (soma-se aqui o Ubuntu Rugby e Belas Rugby também); o apoio dos atletas do CDUL no Banco Alimentar de forma constante, algo que já foi também encetado por outros emblemas nacionais; entre outras propostas de relevância social e de apoio a jovens ou adultos carenciados e em situação precária.

créditos: Luís Cabelo

Para 2019, segue-se um ano em que:

  • A selecção sub-18 e sub-20 voltam a ter que lutar pelo seu lugar no contexto europeu;
  • Os 7’s têm de conseguir o “bilhete” para os Hong Kong 7’s de 2020, algo que escapa aos mesmos desde 2016; 
  • A selecção portuguesa tem de não só regressar à divisão principal europeia mas deve criar sinergias fundamentais para que os atletas a jogar fora-de-portas consigam vir alinhar pelos Lobos (falta de investimento dos últimos anos foi o problema, mas há que procurar soluções) de uma forma mais consistente;
  • De promoção dos Campeonatos Nacionais, que têm uma validade geográfica, social e desportiva de relevo, procurando dar mostras que as divisões portuguesas não só existem como têm qualidade para serem filmadas e transmitidas de forma regular ao público.

Mas mais importante que os pontos anteriores, é a necessidade de conseguir organizar e criar listas minimamente preparadas para as eleições federativas no ano que se segue. 

Os últimos anos revelaram-se problemáticos para o crescimento da modalidade, com responsabilidades tanto para os clubes (que não conseguiram coordenar-se com os anteriores corpos directivos da Federação Portuguesa de Rugby) como da própria instituição que não soube aplacar os momentos mais críticos, nunca encontrando rumo para o novo projeto da oval nacional.

A nova época começa, assim, de forma quase insólita com uma Supertaça portuguesa em que o campeão só foi encontrado mesmo em cima do acontecimento… mas há campeão, que ganhou o título justamente onde merecia ter ganho: no relvado.

Fica para a História do Desporto Português os seguintes vencedores da época que agora findou:

SENIORES

CN1: CF “Os Belenenses”

CN2: CRAV

CN3: Jaguares Rugby

Taça de Portugal: Associação Académica de Coimbra

Challenge: CDUL

FORMAÇÃO

Sub-18: AEIS Técnico (vencedor também da Taça de Portugal)

Sub-16: CF “Os Belenenses” / GD Direito vencedor da Taça de Portugal

FEMININOS

Femininos: Sporting CP em 7’s / SL Benfica em Ten’s