Há 13 anos, a 26 de maio de 2004, o Mónaco pisava o relvado de Gelsenkirchen para o encontro mais importante da sua história, a final da Liga dos Campeões. O adversário era o FC Porto de José Mourinho, vencedor da Taça UEFA no ano anterior.

Perante um FC Porto europeu, surgia um Mónaco que se vinha tornando gigante em França e na Europa, muito impulsionado pela era Wenger e movido pelos jovens talentos que mostravam as suas capacidades no Principado.

Mas na Alemanha o momento era outro. Nomes como Evra, Giuly, Rothen, Morientes ou Adebayor faziam jus à herança deixada por talentos como Barthez, Trezeguet ou Henry. Comandado por Didier Deschamps, o Mónaco caiu aos pés de Carlos Alberto, do mágico Deco e de Alenitchev.

Olhando para trás, esse foi o marco que definiu o fim e o início de uma era. Era o fim prematuro e injusto de um Mónaco que começava a ombrear com os grandes, e era o início de uma das carreiras de treinador mais entusiasmantes do mundo: o apelido Mourinho passou a ecoar por todo o mundo do desporto.

A partir daí, o clube do Principado viria a cair. Na temporada seguinte à final de Gelsenkirchen, os monegascos não passariam dos oitavos-de-final da liga milionária. Em 2005/06, os dezasseis-avos-de-final da Taça UEFA foram o melhor que conseguiram além fronteiras. A isso, somar-se-iam classificações cada vez mais modestas na Ligue 1. Até que, em 2010/11, acabariam mesmo por descer de divisão.

Os milhões russos de Dmitry Rybolovlev reergueram o clube. Com Claudio Ranieri no banco, regressaram à primeira divisão francesa na temporada 2013/2014 e olhando para o exemplo do Paris Saint-Germain, mudou-se a política do clube: não se contratariam jovens promessas, mas sim estrelas do futebol mundial. James Rodriguez, Falcao, João Moutinho, Berbatov e Ricardo Carvalho foram os principais rostos da mudança de um projeto que prometia.

Mas num ano tudo mudou. Ranieri saiu, Leonardo Jardim foi contratado ao Sporting CP e, após a chegada do técnico português, o ADN dos monegascos regressou: apostar em jovens talentos. Falcao saiu, James, saiu. Moutinho e Carvalho foram das poucas figuras de relevo que se mantiveram.

Com um novo projeto em mão, Jardim viu-se obrigado a lançar as bases para uma equipa antes de poder ombrear, sequer, pela luta do campeonato francês. Ao fim de três anos, o resultado está à vista de tudo e todos. Em março de 2016, a dois meses de terminar a temporada desportiva, o Mónaco está "na luta" nas quatro competições em que iniciou a época, tem o ataque mais avassalador da Europa e alguns dos jovens mais promissores do futebol mundial.

Mónaco 6 - 6 Manchester City: O fim da ‘era’ Guardiola

Após ter ultrapassado a fase de grupos da Liga dos Campeões no primeiro lugar do seu grupo, o Mónaco enfrentou o Manchester City de Pep Guardiola nos oitavos-de-final da competição. Após a derrota por 5-3 em Inglaterra, os pupilos de Jardim tinham a possibilidade de dar a volta, em casa, à eliminatória. Com 126 golos marcados esta temporada, em todas as competições, a reviravolta parecia não ser uma missão impossível.

E assim foi. Com uma defesa unida e sofrida e com um Bernardo Silva irrequieto e a deambular entre as alas e o centro do terreno, os monegascos colocaram-se na frente do marcador aos 8 minutos, com um tento apontado pelo jovem Mbappé. 21 minutos depois, Fabinho, ex-Rio Ave, fez abanar as redes, colocando o Mónaco da frente da eliminatória.

Numa segunda parte em que mostrou saber sofrer, o golo de Sané, do City, aos 71 minutos, pareceu apenas um ‘agoirar’ para a imensa festa que se viria a fazer ao minuto 77 com o golo de Bakayoko, o golo da reviravolta, o golo da vitória, o golo que colocou fim à sequência histórica de Guardiola, ele que como treinador chegou sempre às meias-finais da Liga dos Campeões,

Era também a primeira vez que uma equipa era eliminada tendo marcado 6 golos.

É só escolher a competição: o Mónaco está em todas

É verdade que Leonardo Jardim é o único técnico português em prova e que conseguiu guiar o Mónaco até aos quartos-de-final da liga milionária. Mas esta é apenas uma das quatro competições que o clube do principado pode vencer. Será, certamente, o mais apelativo, mas neste momento o necessário é vencer, seja que competição for.

Desde 2002/03, quando os monegascos venceram a Taça da Liga, que o clube do principado não ergue qualquer troféu. Restaurar um ADN vencedor passará por vencer. Leonardo Jardim quer, e está bem encaminhado, para vencer todas elas, sobretudo as nacionais. Está em primeiro lugar na Ligue1, com três pontos de vantagem sobre o PSG, segundo classificado, está na final da Taça de Liga, onde defrontará a equipa de Unai Emery, campeã em título, e está também nos quartos-de-final da Taça de França.

Na liga milionária são, ao lado dos ingleses do Leicester, os outsiders ainda presentes em competição. Rodeados por emblemas como Real Madrid, Barcelona, Atlético de Madrid, Borussia Dortmund, Bayern Munich e Juventus, os pupilos de Jardim entrarão sem nada a perder, em qualquer jogo que seja. Sobretudo pelo facto de já terem chegado mais longe do que alguém poderia prever no início da época.

Êxodo do Principado à vista?

O impacto deste Mónaco pode medir-se pelas capas de jornais. Bernardo Silva tem sido apontado a vários gigantes europeus, Falcao é visto como um ponta de lança recuperado e de regresso aos "velhos tempos" e Mbappé como uma das maiores promessas do futebol a nível mundial. Quanto ao timoneiro do barco monegasco, também não escapa às redes dos grandes. Jardim tem sido apontado às mais competitivas ligas europeias, com emblemas como Arsenal ou Juventus à cabeça.

É esta a marca deste Mónaco, uma equipa ofensiva e coordenada. As bases foram lançadas ao longo de três anos e isso reflete-se pela capacidade dos jogadores jogarem de costas uns para os outros. Cada um conhece o movimento do outro, há sintonia entre os jogadores e a equipa técnica. Todos querem vencer, tal como há 13 anos.

Como se diz vendetta em francês?

Parece tudo preparado para uma vendetta como não há memória. Não é estapafúrdio dizer que este Mónaco pode vencer todas as competições, embora seja mais sóbrio afirmar que o mais provável é que o domínio do emblema do principado se estenda somente às competições nacionais, algo que não deixará de ser um feito histórico neste milénio, dado o jejum de títulos da equipa monegasca: desde o ano 2000 conquistou apenas um campeonato e uma Taça da Liga.

Mas a pergunta que fica é: depois da época fantástica, até que ponto conseguirá o Mónaco encontrar os jogadores necessários para colmatar um plantel que as manchetes dos jornais dizem que vai ser ‘varrido’ pelos grandes da Europa? E no pior cenário, com a saída de Jardim, até que ponto conseguirá Rybolovlev encontrar um líder com a mesma capacidade de reinvenção do técnico português e capaz de manter o ADN vitorioso de um projeto que se deverá manter apoiado em jovens talentos ao invés de jogadores que dêem garantias no imediato?

Os dados estão lançados. Resta saber até que ponto uma época histórica poderá impedir uma debandada de talentos como aconteceu após a final de 2004, quando em poucos anos a sombra do Mónaco que tinha chegado a Gelsenkirchen já tinha desaparecido.