Lembrar o AC Milan é recordar números — 7 Ligas dos Campeões/Taças dos Campeões Europeus, 2 Taças das Taças, 4 Campeonatos do Mundo de Clubes/Taças Intercontinentais, 5 Supertaças Europeias, 18 Campeonatos da Serie A, 5 Taças de Itália e 7 Supertaças de Itália — e lendas — Franco Baresi, van Basten, Rijkaard, Gullit,Paolo Maldini, Seedorf, Rivaldo, Costacurta, Nesta, Rui Costa, Gattuso, Shevchenko, Cafu, Inzaghi ou Kaká. Mas falar dos últimos anos da Associazione Calcio Milan, é tudo menos relatar uma história de sucesso.

É preciso recuar uma década, até à temporada 2006/07, para recordar a última conquista europeia, a Liga dos Campeões, e até 2010/11 para o último grande título nacional, a Serie A.

Foi precisamente em 2011 que a Fininvest, principal empresa de Silvio Berlusconi, homem que dirigia o AC Milan, começou a apresentar grandes prejuízos, acabando por ter uma enorme influência no dinheiro que entrava — e que deixou de entrar — no clube italiano. Se pensarmos que o também antigo primeiro-ministro italiano investiu mais de 840 milhões de euros nas mais de três décadas em que esteve à frente dos rossoneri, é possível imaginar que quando a "torneira financeira" se fechou, o impacto foi grande.

créditos: GIUSEPPE CACACE / AFP

Foi só uma questão de tempo até que as estrelas da equipa começassem a sair — Pirlo, Thiago Silva, Ibrahimovic, Seedorf —, num período que coincidiu com a reforma de algumas das maiores referências do clube na altura — Nesta, Gattuso e Inzaghi. Sem as estrelas de outrora, o Milan perdeu também a qualidade outrora. E começou a cair em Itália e a deixar de aparecer nos palcos europeus.

Em sete anos, AC Milan ergueu uma "modesta" Supertaça italiana.

Depois de 2011, 2016/17 terá sido, provavelmente, um dos anos mais importantes da década dos rossoneri, com a qualificação para a Liga Europa. Finalmente, o AC Milan está de regresso aos palcos europeus, e os seus investidores não quiseram perder a oportunidade de fazer ressurgir um clube gigante. Ainda a cerca de um mês do início das competições, a revolução vai decorrendo em San Siro.

A arte de saber agarrar uma oportunidade

A história do AC Milan escreve-se de oportunidades. Primeiro, no final da década de 80, quando os clubes ingleses foram afastados das competições europeias durante cinco anos, depois da “tragédia de Heysel”, os rossoneri foram um dos clubes que mais aproveitou a saída de cena de alguns dos maiores clubes do mundo para se projetar a nível internacional e por lá ficar, nos maiores palcos europeus, até à primeira década do novo milénio.

Ficaria na memória de todos, num dos períodos de maior sucesso europeu, a final de Atenas, em que os rossoneri derrotaram a dream team do Barcelona, de Johan Cruijff, por 4-0.

A equipa do AC Milan festeja a conquista da Liga dos Campeões após derrota do FC Barcelona por 4-0. créditos: AFP

O mesmo aconteceu em Itália, com a queda da Juventus. Primeiro, desportivamente, na década de 90, altura em que o AC Milan conseguiu impor-se perante aquele que era, e é, o clube com mais campeonatos italianos. Mais tarde, com a Juve envolvida num escândalo de corrupção, seriam não os rossoneri, mas antes um dos seus principais rivais, o Inter de Milão, a tirar o melhor proveito do declínio do clube de Turim, ao conquistar cinco ligas seguidas, uma conquista que ficaria cravada no currículo de José Mourinho.

A queda de Milão

Sendo este um novo AC Milan, por dentro e por fora, com uma nova estrutura, e de plantel e ambições renovadas, não é demais lembrar o caso do outro gigante da cidade de Milão que, ano após ano, investimento após investimento, tem tentado reerguer-se, sem sucesso.

Após o triplete de 2010, — o Inter venceu a Liga dos Campeões, Serie A e Coppa Italia — com José Mourinho à frente, os nerazzurri caíram, praticamente lado a lado, com os seus rivais da cidade, à medida que a Juventus se reerguia, seguida de um Nápoles e uma Roma cada vez mais fortes.

Esses anos de queda, que já resumimos, foram grandes, com as duas formações de Milão a tornarem-se irreconhecíveis. E se esta é a primeira vez que o AC Milan tenta reerguer-se com um avultado investimento num só mercado de transferências, o mesmo não se pode dizer do Internazionale, que tem gasto várias somas de dinheiro sem resultados dentro das quatro linhas.

É isso que agora se pede, e que o defeso tem parecido mostrar, contratações certas com efeito a curto e médio prazo.

Make AC Milan Great Again, ou, melhor dizendo, 使AC米蘭再次成功

Agora, o regresso às competições europeias aliado ao processo de compra do clube por parte de um grupo de investimento chinês, o Rossoneri Sport Investment Lux, pode ser a alavanca necessária para o AC Milan voltar a integrar a elite europeia e a disputar títulos, tanto a nível nacional como internacional.

Os zeros da China parecem não ter fim e as contratações sonantes vão-se somando: Musacchio (Villarreal), Kessié (Atalanta), Ricardo Rodríguez (Wolfsburgo), André Silva (FC Porto), Borini (Sunderland), Calhanoglu (Lerverkrusen), Conti (Atalanta), Lucas Biglia (Lazio) e Bonucci (Juventus). E nem mesmo a renovação milionária do jovem guarda-redes Donnarumma deixou o mundo indiferente. Afinal de contas não é todos os dias que se vê um guarda-redes de 18 anos a passar a auferir um salário anual de seis milhões de euros.

Neste momento, os responsáveis da equipa comandada pelo antigo avançado internacional italiano Vicenzo Montella mexem-se com o objetivo de garantir um conjunto de jogadores forte em todos os setores, e que conjugue experiência com juventude e promessa de talento. Por isso, não são antagónicas a contratação de Bonnuci, 30 anos, o melhor e mais caro golpe do mercado; a renovação de Donnaruma, 18 anos; a contratação de André Silva, 21 anos, Calhanoglu, 23 anos; e Biglia, 31 anos.

Até ao momento já foram gastos nada mais, nada menos, do que 181 milhões de euros em reforços, e a direção do clube de Milão já veio dizer que não vai ficar por aqui.

À procura de um herdeiro dos outros tempos

O ataque do AC Milan das últimas décadas foi quase sempre brindado com craques de renome que davam brilho ao último terço do campo. Kaká, Inzaghi, Zlatan, Ronaldo, Alexandre Pato, Shevchenko, Gullit, Rui Costa, são alguns dos nomes que trouxeram magia e reputação ao ataque do gigante italiano e, agora, a nova direção do AC Milan quer recuperar essa magia com um “artilheiro de renome”.

Filippo Inzaghi festeja com Kaka um golo, num encontro da Liga dos Campeões. créditos: DANIEL DAL ZENNARO/EPA

Se há coisa que os rossoneri mostraram é que neste mercado todos os jogadores estão disponíveis, e que é tudo uma questão de números. Por isso, quando os dirigentes do clube de Milão assumem que ainda estão no mercado à procura de um avançado, os plantéis estremecem. Há vários nomes na calha: fala-se em Pierre-Emerick Aubameyang (Borussia Dortmund), Belotti (Torino) ou Morata (Real Madrid) como possíveis futuros companheiros de ataque do jovem português André Silva.

Os onzes possíveis - e os imaginários - começam, certamente, a surgir na cabeça dos adeptos, que conjugam as estrelas que chegaram com as que ficaram, que começam a discutir quem deve capitanear o Milan nesta nova era e que continuam, ainda, a discutir os jogadores que ainda podem chegar para fechar as últimas brechas de um plantel que está a acabar de ser limado.

É o Milan a tentar ser grande. Outra vez.