Quando pensávamos já ter regressado a (alguma) normalidade num mundo que ficará doravante conhecido como pós-covid, um outro acontecimento mundial voltou a fazer mexer os ponteiros desse relógio que dá pelo nome de mercado de transferências: o Campeonato do Mundo de Futebol, pois claro, passe a redundância. A lógica e a história indicam que a janela de inverno não tem por hábito ser tão mexida quanto a de verão, mas o que ocorreu no Qatar levou os clubes a pensar duas vezes.

As temperaturas amenas do Oriente Médio deram a conhecer novas estrelas e descongelaram quaisquer dúvidas que os gigantes do desporto-rei pudessem vir a ter. A campeã Argentina levou o Chelsea a atirar-se a Enzo Fernández. A sensacional equipa de Marrocos, carrasca dos portugueses, fez com que o Olympique de Marselha se enchesse de amores por Azzedine Ounahi. O bom desempenho da Croácia deu a Josko Gvardiol um contrato ainda melhor do que o que já tinha no RB Leipzig...

A época será atípica, pela inclusão dessa pausa forçada durante o outono, e o mercado de inverno arriscou sê-lo mais. A partir daqui, todos os dados voltarão a ser relançados. Quem estava a ganhar pode começar de súbito a perder – sobretudo aqueles que ficaram sem alguma ou algumas peças-chave –, quem estava na mó de baixo teve a oportunidade de entrar numa montanha russa até ao topo. No abecedário do negócio do futebol cabem muitas palavras, e a mais importante é lucro, como os números tão bem nos mostram. Um lucro que segue uma vontade de vitória. Mas adiante: eis aquilo que, de A a Z, se destacou no mercado internacional.

A de Arsenal: A equipa que encantou os fãs de futebol no início deste milénio está de volta. Após uma travessia demasiado longa no deserto, para um clube que se assume como o maior de Londres – pelo menos em termos de adeptos –, o Arsenal ocupa à data o primeiro lugar da Premier League, surpreendendo quem não via nos Gunners sérios candidatos ao título. Com excepção de José Mourinho, cuja opinião passada sobre o treinador Mikel Arteta viralizou. A capital inglesa é hoje mais vermelha que nunca, e o clube quer mantê-la assim. Depois de um verão repleto de contratações cirúrgicas, o Arsenal viu o rival Chelsea "roubar-lhe" Mykhaylo Mudryk, mas compensou-o com as entradas de Leandro Trossard (comprado ao Brighton por 24 milhões de euros), de Jakub Kiwior (comprado ao Spezia por 25 milhões) e de Jorginho (vindo do Chelsea por 13 milhões). Campeonato à vista?

B de Balanço: Num desporto onde o dinheiro chega por vezes a reinar mais do que a própria bola, todos querem manter contas certas. Poucos, no entanto, acabam por consegui-lo. Os clubes mais pequenos sofrem da falta de apoios; os maiores, da pressão constante dos adeptos, para os quais um saldo negativo no banco não é mais dramático do que perder semana sim, semana não. Neste mercado de inverno, houve um clube que se destacou pela positiva, e tudo por culpa de um jogador: o já citado Mykhaylo Mudryk, vendido pelo Shakhtar Donetsk ao Chelsea por 70 milhões de euros. O clube ucraniano já prometeu que 20 desses milhões se destinarão aos soldados que há quase um ano combatem as tropas russas. O Hoffenheim, da Alemanha, é outro bom exemplo, vendendo Georginio Rutter ao Leeds por 28 milhões de euros e gastando “meros” 300 mil na compra de John Brooks, que mal calçou no Benfica tendo chegado a Portugal no verão passado. O Olympique de Lyon pode ter gasto 11 milhões de euros na contratação de Amin Sarr ao Heerenveen, mas lucrou 30 milhões com a ida de Malo Gusto para o Chelsea. Os blues estão, aliás, no extremo oposto, e a larga distância: numa época em que tudo parece correr mal (estão em 10.º lugar no campeonato, foram eliminados da Taça da Liga e da FA Cup pelos rivais do Manchester City, e só a Liga dos Campeões poderá servir de consolo), o Chelsea gastou uns assombrosos 329 milhões de euros em novos jogadores só nesta janela de mercado. Culpa do empresário norte-americano Todd Boehly, que adquiriu esta época o clube e que quererá ver os seus esforços financeiros devidamente recompensados.

EPA/STR

C de Cristiano Ronaldo: Seria impossível não falar de Cristiano Ronaldo neste inverno. Depois de ter forçado a sua saída do Manchester United e de ter jogado no Campeonato do Mundo enquanto jogador sem clube, o português escolheu os sauditas do Al-Nassr para prosseguir com a sua carreira. Uma escolha que pode pesar no coração de quem se lembra dele como o melhor jogador do mundo, mas que não lhe pesará numa carteira que já estava recheada: contrato de duas épocas, 200 milhões de salário por cada uma (e poder para, por exemplo, despedir o treinador). Em dois jogos oficiais, Cristiano Ronaldo foi capitão, mas ainda não somou qualquer golo – perdeu, inclusive, o seu primeiro troféu, a Supertaça –, e os adeptos do clube árabe entraram recentemente em desespero com os rumores de uma possível lesão. Rudi Garcia acredita que CR7 ainda voltará à Europa. Bem, George Best marcou três golos pelo Hibernian depois de ter andado a passear pelos Estados Unidos. Nunca se sabe.

D de Dani Alves: O futebolista brasileiro é protagonista de uma história extra-futebol, mas que acaba por também marcar o mercado de inverno. Depois de ter participado no Mundial pelo escrete – foi titular contra os Camarões, tornando-se no jogador mais velho de sempre a alinhar pela seleção brasileira num Campeonato do Mundo, aos 39 anos e 210 dias –, Dani Alves passou alguns dias de férias em Barcelona, onde acabou acusado de violar uma mulher numa discoteca. O defesa nega as acusações, dizendo que a relação foi consensual, mas foi detido pelas autoridades catalãs e encontra-se neste momento preso e à espera de julgamento. O Pumas, clube mexicano onde alinhava, terminou imediatamente o seu contrato. O futebolista já disse que o caso "não o assusta", a família defende-o de forma acérrima, e a vítima, a parte mais importante desta história, já disse que não quer uma indemnização mas sim justiça. Que seja feita.

E de Enzo: Em apenas seis meses, Enzo Fernández tocou o céu. Contratado ao River Plate por 10 milhões de euros, o médio argentino entrou de estaca no "onze" do Benfica, ajudando o clube da Luz a chegar rapidamente ao primeiro lugar da tabela classificativa e a apurar-se para os oitavos de final da Liga dos Campeões, num grupo que também contava com Paris Saint-Germain e Juventus. Sagrou-se campeão mundial e juntou a esse troféu o de melhor jogador jovem desse campeonato. E, em dezembro, ajudou a criar a maior novela deste mercado de transferências de inverno, quando despertou a atenção do Chelsea. O Benfica não o queria deixar sair, Enzo fez birra, pediu desculpa, bateu no símbolo, e os dias foram-se arrastando até que uma outra luz brilhou: o clube londrino pagou um milhão a mais que a cláusula (120 milhões de euros) e Enzo tornou-se não só na maior venda do inverno, como na maior contratação de sempre da Premier League e no argentino mais caro da história, suplantando Gonzalo Higuaín. Golpe duro nas aspirações do Benfica a voos europeus maiores, enorme declaração de poder por parte dos bleus de Londres.

F de Flamengo: Que existe um Flamengo antes e depois de Jorge Jesus, isso é inegável. O treinador português conseguiu voltar a colocar o maior clube do Brasil nas bocas do mundo, após quase três décadas em que a Europa, e sobretudo a Liga dos Campeões, eclipsaram o futebol sul-americano de clubes. O mengão conta, agora, com um novo treinador português, e um que no passado até conseguiu colocar Jorge Jesus de joelhos: Vítor Pereira. Para já, o clube lidera o Campeonato Carioca, mas perdeu a Supertaça do Brasil para o Palmeiras de Abel Ferreira. Neste mercado, que no Brasil é de verão, destaque para o regresso de Gerson; o médio regressará ao clube que, há época e meia, o vendeu ao Olympique de Marselha. Ayrton Lucas, contratado ao Spartak de Moscovo, é outra das novidades numa equipa que quer vencer tudo, e não só no Brasil. O Mundial de Clubes, onde se tudo correr segundo o esperado irá defrontar o Real Madrid na final, é uma das grandes apostas do rubro-negro.

G de Guerra: A guerra na Ucrânia atirou o futebol ali jogado para segundo plano. O campeonato ucraniano tenta recuperar sobre os escombros provocados pelas bombas russas e não só: luta também contra a FIFA, que adotou uma medida excecional, válida até final da época, que permite aos futebolistas a atuar no país rescindir os seus contratos e transferirem-se para campeonatos estrangeiros, sem a obrigação de ressarcir os emblemas onde jogam. O Shakhtar Donetsk ainda apresentou uma queixa contra a organização, que foi rejeitada pelo Tribunal Arbitral do Desporto. A regra, e a guerra, fez com que, em 2022, mais de 5900 atletas amadores tenham deixado os seus clubes na Ucrânia, segundo dados do Relatório Global de Transferências da FIFA. Já na Rússia, cuja seleção nacional e clubes estão impedidos pela FIFA e pela UEFA de disputar provas internacionais, o futebol tornou-se num desporto sobretudo interno, assim como as contratações. Tomás Tavares, que deixou o Benfica rumo ao Spartak de Moscovo, é uma das exceções, assim como o seu novo colega Alexis Duarte, que deixou os paraguaios do Cerro Porteño.

H de História: As janelas de mercado são tipicamente feitas de muitas histórias, mas nem sempre temos a oportunidade de presenciar, enquanto fãs de futebol, algo de histórico. Aconteceu esta semana, e o seu protagonista é o jovem Raphael Le'ai, de apenas 19 anos. O nome é, naturalmente, desconhecido entre a esmagadora maioria dos adeptos, mas o avançado conseguiu fazer História com H grande: tornou-se no primeiro futebolista das Ilhas Salomão a assinar um contrato profissional com uma equipa europeia, no caso o Velez Mostar, da Bósnia-Herzegovina. Para os leigos isso não significa nada. Para um país sem tradição futebolística, que nos últimos anos tem tentado, sem sucesso, quebrar a hegemonia da Nova Zelândia na Oceânia, é um enorme passo em frente. E os números que obteve no Henderson Eels, clube das Ilhas Salomão onde jogou de 2019 até hoje, não são, apesar de tudo, de se menosprezar: 91 golos em 44 jogos.

créditos: Andreas SOLARO / AFP

I de Itália: Depois de o ter tentado mais seriamente ao longo da última década, o Nápoles parece bem encaminhado para a conquista do scudetto, algo que não acontece desde 1990, quando a estrela da companhia era um tal de Maradona. À 20.ª jornada, o Nápoles soma 13 pontos de distância entre si e o segundo classificado, o Inter de Milão, e até Mourinho já parabenizou os azuis e brancos pelo título conquistado. Num mercado onde lucro e despesa foram zero, destaque para o regresso do guarda-redes Pierluigi Gollini, que estava emprestado à Atalanta. A Juventus, penalizada em 15 pontos após ser acusada de várias irregularidades financeiras (e a condenação poderá não ficar por aí), disse praticamente adeus ao acesso à Liga dos Campeões via Serie A (ainda poderá consegui-lo através da Liga Europa) e um até já a Weston McKennie, emprestado ao Leeds. O inverno não foi quente em Itália, e o prémio para o maior gastador vai para o Spezia, à procura de se afastar ainda mais dos lugares de despromoção: o clube gastou pouco mais de 7 milhões de euros nesta janela, em jogadores como Wisniewski (vindo do Veneza), Raimonds Krollis (do Valmiera, da Letónia) e Tio Cipot (dos eslovenos do Mura), além de terem ido buscar, a custo zero, o lateral esquerdo português João Moutinho (ex-Orlando City).

J de Joões: Não um, mas dois. O primeiro foi João Félix, que após meia época a penar no Atlético Madrid procura refazer em Londres, no Chelsea, uma carreira que terá sempre a ela acoplada o número 120 milhões – o valor pelo qual o Benfica o vendeu aos madrilenos. O seu primeiro jogo pelos blues não ficou, no entanto, para a história. Acabou expulso aos 57 minutos, o que lhe valeu uma suspensão de três jogos. O segundo, João Cancelo, fez as malas rumo à Alemanha, mais concretamente ao Bayern de Munique. O clube bávaro solicitou ao Manchester City um empréstimo do jogador até final da época, que contempla uma opção de compra. O internacional português tinha deixado de ser opção para Guardiola e chegou a ser noticiado um tremendo mal-estar entre ambos, mas o lateral garante que decidiu apenas "partir para uma nova aventura".

K de Klopp: Não tem sido uma época fácil para o treinador do Liverpool e o último fim de semana agravou ainda mais a crise dos reds: acabaram eliminados da FA Cup pelo Brighton. Poder-se-ia então esperar que, à semelhança do Chelsea, o Liverpool se reforçasse fortemente nesta janela de transferências, e o neerlandês Cody Gakpo – uma das revelações do Mundial – ajudou essa narrativa, tendo sido comprado ao PSV por 42 milhões de euros. Porém, foi o único. Logo após a eliminação da Taça, Klopp garantiu que o clube não iria comprar mais nenhum jogador, pelo que o Liverpool terá de ir à luta com os que tem. Restando-lhe apenas a Liga dos Campeões, já que no campeonato a distância de 21 pontos para o Arsenal não permite sequer sonhar, só resta ao clube começar já a preparar a próxima época.

L de La Liga: Com o Barcelona na liderança e o Real Madrid logo atrás, o mercado em Espanha não teve tantas movimentações quantas as que seria de esperar. Os catalães despediram-se de Memphis Depay, vendido ao Atlético de Madrid, e ainda tentaram um forcing final por Bernardo Silva, jogador que há muito namoram, sem sucesso. O Bétis, a fazer uma boa época sob a batuta de Manuel Pellegrini, viu partir Álex Moreno para o Aston Villa e já tem substituto: Abner, contratado ao Athletico Paranaense. O Celta de Vigo tentou Fran Navarro, jogador do Gil Vicente já mais que apto para outros voos, mas acabou, ao que tudo indica, suplantado pelo FC Porto; conseguiu, ainda assim, dar a Carlos Carvalhal um jogador essencial para o ataque ao restante da temporada, o benfiquista Seferovic. O Espanyol foi quem mais gastou: 8 milhões de euros pelo central mexicano César Montes, contratado ao Monterrey.

créditos: Andreas SOLARO / AFP

M de Mourinho: Muito se falou de José Mourinho no pós-Mundial, com o treinador a ser o principal candidato a substituir Fernando Santos no comando da seleção. Acabou ele próprio substituído por outro M, de Martínez, que deixou a Bélgica para se focar agora em Portugal. O Special One preferiu ficar em Roma, onde é um ídolo aos olhos dos adeptos. Não lhes deu o cobiçado campeonato, mas acrescentou a um dos maiores currículos da história a primeira Liga Conferência, a qual tatuou no braço juntamente com conquistas europeias anteriores. Os fãs da Roma idolatram-no, mas há pelo menos uma pessoa que já não o deve poder ver à frente: Nicolò Zaniolo, que fez força para sair e acabou a rejeitar uma proposta do Bournemouth, levando o clube a castigá-lo, o treinador a criticá-lo e os ultras a insultá-lo. É o segundo jogador a entrar em rota de colisão com Mourinho, depois de Rick Karsdorp ter sido apelidado pelo português de "traidor". E já se sabe o que Roma faz com traidores.

N de Neuer: Outrora o melhor guarda-redes do mundo, Manuel Neuer não conseguiu ter reflexos suficientes para evitar um acidente de esqui, no início de dezembro. O alemão partiu uma perna e terá de ficar de fora durante o resto da época, não se sabendo, inclusive, se poderá voltar a jogar. O Bayern de Munique viu-se forçado a comprar um substituto, optando por Yann Sommer, que trocou o Borussia de Mönchengladbach pelos atuais campeões. E que já foi também ele substituído, por Jonas Omlin, contratado pelo Borussia aos franceses do Montpellier.

O de Onze: É o número de jogadores que pode alinhar de início numa qualquer partida de futebol, mas houve certos clubes que, ao longo desta janela de transferências, parecem ter-se esquecido disso. O caso mais paradigmático é o do Grémio, com (novamente) a ressalva de que na América do Sul este é um mercado de verão: o clube deu as boas-vindas ao plantel, entre aquisições e (regressos de) empréstimos, a nada mais, nada menos, que 28 (!) novos jogadores, entre eles o uruguaio Luis Suárez, que chegou a custo zero numa fase decrescente da sua carreira. Entre os clubes europeus, o maior comprador foi o Spezia, que trouxe ao plantel precisamente 11 novos jogadores neste mercado, à semelhança do Slavia de Praga, do Bodø/Glimt e do Lillestrøm. Com menos um está o Wolverhampton, agora com Julen Lopetegui como treinador. O clube inglês foi buscar, entre outros, João Gomes ao Flamengo (18,70 milhões de euros), Mario Lemina ao Nice (11 milhões) e Pablo Sarabia ao Paris Saint-Germain (5 milhões).

P de Premier League: O Brexit não passou por aquela que é considerada por muitos como a melhor liga do mundo. O poder de atração dos clubes ingleses continua altíssimo, bem como o seu poder financeiro, ainda para mais agora que há um novo elemento na área: a Arábia Saudita, que trouxe a geopolítica para o Newcastle. Mesmo descontando o Chelsea, "campeão" deste inverno, os clubes da Premier League gastaram mais de 780 milhões de euros (!!) neste mercado, estando a uma distância considerável dos titãs espanhóis, italianos, franceses ou alemães. Números que tornam o futebol menos futebol e mais negócio.

Cody Gakpo
créditos: Oli SCARFF / AFP

Q de Qatar: O Mundial foi uma janela de oportunidade para todos os jogadores que ali marcaram presença. No entanto, do top 10 de maiores transferências realizadas neste mercado, apenas Enzo Fernández, Cody Gakpo, Jakub Kiwior e Leandro Trossard fizeram parte dos plantéis das suas respetivas seleções no Campeonato. O que não significa que os demais não o possam fazer no futuro: excluindo Trossard, que já conta 28 anos, todos os restantes são jogadores sub-23, sendo o mais novo Malo Gusto, que só se despedirá do Olympique de Lyon no final da época. O último dia de mercado também se fez de Qatar, com a notícia de que Carlos Queiroz irá assinar pela seleção local por quatro anos, após uma estreia desastrosa do país na maior competição da FIFA: zero pontos em três jogos.

R de Renovações: Não é só de compras e vendas que os mercados se fazem. Os clubes procuram, também, manter as suas principais peças, antes que chegue um "tubarão" que tudo leve. Neste campo, destaque para as renovações do supracitado Gvardiol, de Ismaël Bennacer, que assinou com o AC Milan até 2027, de Youssoufa Moukoko, nova estrela do Borussia de Dortmund, que ficará no clube até 2026, e de Pedro, do Flamengo, que se manterá no Brasil até 2027. Na outra face desta moeda estão os jogadores que saíram a custo zero, casos de Lisandro Magallán (do Ajax para o Elche), de Gustavo Scarpa (do Palmeiras para o Nottingham Forest), de Daley Blind (do Ajax para o Bayern de Munique), de Ola Solbakken (do Bodø/Glimt para a Roma) e de Guillermo Ochoa (do América para a Salernitana).

S de Segunda: Não é só nas principais ligas que o mercado mexe; os clubes de divisões inferiores também aproveitam esta janela de transferências para reforçarem os seus plantéis ou as suas contas bancárias. Analisando por alto a segunda divisão das cinco principais potências europeias de clubes (Inglaterra, Espanha, Itália, Alemanha e França), há que destacar a ida de Antoine Semenyo do Bristol City para o primodivisionário Bournemouth, a troco de 10,25 milhões de euros. Já o Burnley, que lidera o Championship e procura o regresso ao escalão principal do futebol inglês, contratou Lyle Foster aos belgas do Westerlo por 11 milhões de euros. E é também nas divisões inferiores que encontramos uma das mais bonitas histórias de amor deste mercado: Lucas Pérez pagou do próprio bolso para trocar o Cádiz, da La Liga, pelo Deportivo, o clube do seu coração, atualmente na terceira divisão espanhola.

T de Treinadores: Os bancos também tremem durante o mercado. O Campeonato do Mundo levou vários seleccionadores a perderem o seu posto (como Fernando Santos, que já assinou pela Polónia), mas nenhum deles teve a mesma sorte que Davide Nicola: o italiano foi despedido da Salernitana após perder com a Atalanta por 8-2, mas voltou ao clube... apenas dois dias depois. Também em Itália, mas na Série B, o Brescia percebeu que Pep Clotet era de facto o homem ideal para si, depois de o ter despedido antes do Natal. O Ajax, de Francisco Conceição, despediu Alfred Schreuder após uma série de resultados sofríveis. Em comunicado, o clube neerlandês afirmou que a sua decisão tem por base "os muitos pontos perdidos e a falta de desenvolvimento da equipa". E a Premier League volta a contar com uma das suas maiores personagens, Sean Dyche, que foi apresentado como o novo treinador do Everton. O homem que cresceu punk e que viu as raves dos anos 90 mudarem a sua vida terá pela frente a tarefa de impedir que o Everton desça de divisão – algo que não acontece desde 1951!

créditos: Ronny Hartmann / AFP

U de Union Berlim: Durante algumas semanas, o Union de Berlim foi a sensação da Bundesliga, ocupando o primeiro lugar da tabela classificativa, até ter sido ultrapassado pelo omnipresente Bayern de Munique. A equipa continua, no entanto, a ocupar os lugares cimeiros, e está à procura de fazer o seu melhor resultado desde 1923, quando foi vice-campeã. O inverno fez-se com a chegada de Josip Juranovic, contratado ao Celtic, e de Aïssa Laïdouni, contratado ao Ferencváros. Podia ter-se feito também de Isco, mas o último dia de mercado trouxe um volte-face. O jogador espanhol esteve na Alemanha a fazer exames médicos, mas acabou por não assinar contrato. O presidente do clube, Oliver Ruhnert, explicou que o clube "tem os seus limites" e que os mesmos "foram ultrapassados". Por seu turno, a Gestifute, que representa o jogador, acusou o Union de "não estar disposto a cumprir o que foi inicialmente discutido". Uma novela a fechar fica sempre bem. Pior para Isco, que rescindiu com o Sevilha e ficará assim sem clube.

V de Vai tudo bem, obrigado: Também há quem não queira saber do mercado, seja comprando ou vendendo. Como o Real Madrid, que manteve o mesmo plantel apesar de distar cinco pontos do rival Barcelona, atual líder da La Liga. Mas há mais: a Real Sociedad também não viu entrar ninguém, assim como o Athletic Bilbao e o Valência. Na Bundesliga, o Werder Bremen – a ter um 2023 horrível depois de ter sido goleado pelo Colónia por 7-1 – também não anunciou qualquer contratação e, na série A, nem Inter de Milão nem Juventus reforçaram os seus plantéis. Em França, o Lens, que persegue atualmente o líder Paris Saint-Germain, caminhou no sentido inverso: de lá não saiu absolutamente ninguém.

W de What?, isto não acaba hoje?: Nem todos os campeonatos seguem as mesmas datas no que às janelas de transferências diz respeito, como é natural. Se olharmos só para o continente europeu, as eventuais mexidas nos plantéis prosseguirão até aos dias 6 (Áustria), 8 (Turquia), 10 (Sérvia) ou 13 (Roménia) de fevereiro. O que significa que quaisquer jogadores excedentários, que ainda não tenham sido colocados, podem todavia rumar a outras paragens.

X de Xá: O regime monárquico iraniano foi derrubado em 1979, com a Revolução Islâmica. Uma outra, feita agora com reis, tomou de assalto o futebol. A Arábia Saudita, através do seu Fundo de Investimento Público, adquiriu o Newcastle em 2021, com o objetivo de transformar o clube numa superpotência europeia. Um investimento que já está a colher alguns frutos. O clube, que não conquista um campeonato desde 1927 e que não compete numa prova europeia desde 2013, ocupa neste momento o terceiro lugar na Premier League, com os mesmos pontos que o Manchester United. O inverno foi de boa colheita, com destaque para a chegada de Anthony Gordon, contratado ao Everton por 45 milhões de euros. Para os adeptos, pouco importa que a Arábia Saudita tenha um currículo degradante no que aos direitos humanos diz respeito: só as vitórias interessam.

Y de Yo solo hago música, perdón que te salpique: Um dos versos que Shakira dedicou ao ex-marido, Gerard Piqué, que se despediu do futebol em novembro. Usa-se a palavra "novela" para descrever aquelas negociações de mercado que não atam nem desatam: pode-se usá-la para descrever aquilo que têm sido as últimas semanas na vida de ambos. O pós-traição já envolveu uma canção nova de Shakira, um contrato de Piqué com a Casio, uma bruxa plantada na varanda da cantora e uma crise de ansiedade de Clara Chia, a nova namorada do antigo futebolista. Pelo meio, o catalão criou uma nova liga de futebol de sete, a Kings League, composta por antigas estrelas e que já bate recordes nas redes sociais. Será que os mercados futuros também passarão por aqui?

créditos: Josep LAGO / AFP

Z de Ziyech: Podia ser a peça que faltava para o Paris Saint-Germain conquistar uma tão cobiçada Liga dos Campeões. Depois de ter brilhado no Mundial por Marrocos, Hakim Ziyech esteve quase, quase a mudar-se para França, mas a transferência do Chelsea para o clube parisiense foi travada pela burocracia. Os documentos que davam conta do acordo entre os dois clubes não foram validados – o Paris Saint-Germain culpa o Chelsea, tendo chegado a apresentar recurso junto da Liga Francesa – e Ziyech terá mesmo de ficar por Inglaterra, onde agora terá concorrência ainda mais forte.