"Naquilo que podemos chamar que é o processo penal, eu considero que sim [que se fez justiça]", começou por dizer Bruno de Carvalho, antigo presidente do Sporting CP em entrevista a José Alberto Carvalho no Jornal da Noite, na TVI, sobre o acórdão anunciado esta quinta-feira que decidiu a sua absolvição da autoria moral da invasão à Academia de Alcochete, ocorrida em 15 de maio de 2018.
O antigo dirigente classificou todo o processo, que demorou mais de dois anos, como um "assassinato de carácter tão grande que esta decisão não elimina tudo". "E não tem a ver só com o passado, tem a ver com o meu dia-a-dia. Infelizmente, eu hoje estou na rua, e há muita gente que continua com o estigma que não foi feita justiça ou que isto foi por falta de prova, que os poderosos nunca são [condenados]... como se eu fosse um poderoso! Aliás, viu-se o poderoso que fui, que acabei detido. Enquanto cidadão, enquanto pai, enquanto filho, não tenho esse sentimento de que tenha sido feita justiça", lamentou Bruno de Carvalho.
"Era óbvio, e agora é fácil dizer isto, mediante as alegações do Ministério Público e mediante as alterações não substanciais de facto que o coletivo de juízes produziu, que ia haver uma absolvição", relata o entrevistado, que revelou que no momento em que soube da decisão do acordão teve, como primeiro pensamento, ir abraçar a família "porque eles sofreram o que nunca deviam ter sofrido só porque uma pessoa, um dia, teve a ambição de ser presidente do Sporting CP", e em segundo que ia entrar agora na "primeira fase de desconfinamento". "É a fase em que tenho que fazer uma luta por aquilo que me foi retirado de mais importante que foi o meu carácter, a minha honra, a minha dignidade", disse.
Questionado pelo jornalista se pensava mover uma ação contra o Estado português, o ex-dirigente respondeu: "Pecuniária? Sim".
Sporting? "Nunca escondi que acho que fiz um excelente trabalho"
Questionado sobre se pretendia voltar ao clube que há dois anos presidia, Bruno de Carvalho defendeu que os "sportinguistas deviam pensar muito bem naquilo que aconteceu e solicitar uma Assembleia Geral para o regresso enquanto associado de plenos poderes".
"Depois vamos entrar aqui numas grandes discussões que não vale a pena... se depois eu me posso candidatar ou não, acho que a primeira coisa, se há justiça, era as pessoas admitirem que foi Alcochete que motivou isto e, sendo que saiu uma decisão sobre Alcochete, no mínimo, deviam-me readmitir num clube que eu sempre amei", afirmou.
Sobre uma eventual candidatura a Alvalade, o antigo presidente foi peremptório: "Nunca escondi que acho que fiz um excelente trabalho e nunca escondi que é algo em que eu me considero bom, que gosto muito e que me sinto muito honrado".
"O que é que aconteceu durante a minha direção sem ser Alcochete?"
Bruno de Carvalho, defendendo o trabalho realizado enquanto presidente dos leões, questionou José Alberto Carvalho, "o que é que aconteceu durante a minha direção sem ser Alcochete?" para depois partir para uma descrição daquilo que foi um julgamento precoce na praça pública.
"Ainda não se sabia o que é que tinha acontecido e já estavam as principais figuras do Estado português, que eu achei que também existiam para me proteger a mim enquanto cidadão, a apontar-me o dedo quando eu não fazia a mínima ideia do que tinha acontecido", disse.
O antigo dirigente explicou que não percebe o que é que "ganhava com aquele crime", apontando depois baterias à justiça e à comunicação social devido a "provas que foram feitas e que até ao dia de hoje não foi pedido pelo Ministério Público, nem pelo coletivo de juízes, uma extração de certidão para procedimento criminal, de pessoas que ficou provado que tiveram envolvimento no caso de Alcochete e que podem pressupor outra linha de investigação". "E isto não preciso de ser eu de fazer esta queixa", sublinhou.
"Por exemplo, porque é que [a juíza] Cândida Vilar escondeu, e isto ficou provado, um apenso, o famoso apenso D, da investigação? Os próprios membros da investigação disseram que nunca tinham visto este apenso, e questionados sobre quem é que não lhes tinha feito chegar, foram claríssimos, foi o Ministério Público", afirmou.
"Aconteceram coisas interessantes neste julgamento que ninguém está a falar. Porque é que foi escondido por parte do Ministério Público que um jogador que disse, insistentemente, que não conhecia nenhum dos arguidos, um dos que levou pena efetiva, [e que] afinal tinha ligado e tinha tido contacto com os arguidos. [..] Há uma pessoa que tem mensagens a dizer "saiam, saiam", ficou provado, a pessoa esteve em julgamento, e eu não preciso de ser muito inteligente para dizer que uma pessoa que sabe que tem de escrever saiam, saiam é porque primeiro tiveram de saber que entraram, entraram", continuou.
Voltando a classificar o ataque à Academia como um "crime hediondo", expressão que repetiu várias vezes ao longo da entrevista, Bruno de Carvalho finalizou dizendo: "ainda bem que as pessoas foram condenadas, está tudo perfeito, mas eu acho que as pessoas o que querem fazer é rapidamente se esquecerem, não interessa se eu vou na rua e as pessoas acham que eu sou culpado ou não, não interessa. Acabou o julgamento, já está".
Hoje, o antigo presidente do Sporting foi absolvido da autoria moral da invasão à Academia de Alcochete, considerando “não ter ficado provado que as críticas que fez nas redes sociais tivessem como objetivo incentivar os adeptos” e não ser possível estabelecer uma relação entre afirmações do antigo presidente em diversas reuniões mantidas na véspera do ataque e as agressões.
Além do antigo presidente, destituído do cargo em junho de 2018, foram também absolvidos Bruno Jacinto, e ‘Mustáfa’, que além da autoria moral estava também acusado de tráfico de estupefacientes.
À saída do tribunal de Monsanto, em Lisboa, onde decorreu o processo iniciado em 18 de novembro de 2019, Bruno de Carvalho admitiu que a decisão do coletivo de juízes lhe permite “sair do confinamento” a que esteve sujeito durante dois anos.
"Hoje, foi a assunção de uma coisa que sabia há dois anos”, afirmou, acrescentando: "Agora posso recuperar de um crime violentíssimo de mutilação e assassinato de caráter que foi cometido contra mim. Nenhum cidadão merece passar pelo que eu passei”.
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