Fernando Chalana, o Pequeno Genial. Pequeno em tamanho (1,65m), mas gigante no futebol que tinha nos seus pés e no coração. Foi um dos melhores jogadores de sempre do Benfica e do futebol português. Natural do Barreiro, Chalanix, como também era conhecido, pelas suas parecenças físicas com a personagem de banda desenhada Asterix, encantou durante 12 temporadas de águia ao peito, mas também todo o universo futebolístico mundial.

Ao jornalista que aqui retrata um pouco o perfil de um dos melhores de sempre, Chalanix começou por deslumbrar no início deste novo milénio, quando lhe fiz uma entrevista. À minha frente estava um dos melhores de sempre, que, infelizmente, só tive oportunidade de 'ver jogar em VHS'. Introvertido, de uma humildade extrema, chorou à frente de, então, um jovem que iniciava a sua carreira como jornalista. E chorou praticamente durante toda a conversa, sempre agarrado à perna que partiu, a direita, e que o limitou muitos anos.

"Ninguém ensinou o Messi, ninguém ensinou o Maradona, ninguém ensinou o Chalana, ele era um génio puro"

Lembro-me perfeitamente da expressão que mais usou nesse dia: "A minha perna não permitiu mais, mas mesmo limitado lutei sempre". E é verdade, lutou e muito. Jogou durante ainda mais do que uma década após a tal lesão a 11 de novembro de 1979, na Póvoa de Varzim.

Um ídolo para o universo do futebol português, são vários os que o colocam apenas abaixo de Eusébio na hierarquia do desporto rei nacional. Frases de vários jogadores, ex-colegas, dirigentes, como "passávamos a bola ao Chalana quando estávamos à rasca", "vi coisas de Chalana em Maradona", "ninguém ensinou o Messi, ninguém ensinou o Maradona, ninguém ensinou o Chalana, ele era um génio puro" descrevem um pouco daquele introvertido ziguezagueante que ficará para sempre nas nossas memórias.

E ficará sobretudo recordado também pela humildade pela qual pautou durante toda a sua vida, dentro e fora das quatro linhas. Ele era o próprio a reconhecer que não tinha ideia, nem noção, do que realmente foi e era na história do futebol português. "Não tive a noção que podia vir a ser um grande jogador"

Chalana
Chalana créditos: Site do SL Benfica

Futebol e....atletismo

Com os seus ziguezagues e arrancadas desconcertantes, foi seis vezes campeão nacional pelos encarnados, conquistando também três taças de Portugal e duas Supertaças. A sua história no desporto, contudo, começa bem antes dos seus anos de águia ao peito.

De famílias bastante humildes, começou a dar os primeiros pontapés na bola ao serviço da equipa de futebol de salão do Serpa Pinto, no Barreiro, ao mesmo tempo que fazia atletismo na CUF, onde chegou mesmo a vencer o corta mato de Lisboa e a ser quinto classificado no Campeonato Nacional de iniciados. A sua 'alta velocidade' explicava-se assim.

O seu primeiro clube 'mais a sério', acaba por ser o Barreirense, isto porque a CUF, onde praticava atletismo, recusou-o. Por ali permaneceu apenas uma época, 1973/74. Se a CUF não reparou no talento de Chalana, o Benfica acabou por descobri-lo no ano seguinte, onde jogava pelos juniores do Barreirense, apesar da idade de juvenil, 16 anos.

"É para contratar, já!"

O encanto do seu futebol 'ecoa' do outro lado do rio Tejo e Ângelo, antigo bicampeão europeu pelo Benfica e então olheiro das águias, consegue convencer o treinador dos encarnados na altura, o jugoslavo Mirolad Pavic, a deslocar-se à margem sul, para assistir a um jogo do jovem talento. Rezam as crónicas que no primeiro lance da partida, o Pequeno Genial pegou na bola, fintou meia equipa e marcou. Pavic não teve dúvidas e mandou-o fazer as malas para a Luz: "É para contratar, já. Os pais deles vieram ao jogo?.".

"A primeira vez que fui ao Estádio da Luz foi fácil. Fui com o meu pai. Ia de autocarro do Barreiro até ao barco; seguia até ao Cais do Sodré; apanhava o metro até ao Jardim Zoológico; autocarro até à Rua dos Soeiros; subia a rua e depois descia até ao Estádio. No segundo treino fui sozinho"

Chegou então com idade de júnior ao Benfica e ironicamente acaba por nem ter a oportunidade de ser orientado pelo treinador que o escolheu. Pavic saiu no ano seguinte da Luz, mas o encanto por Chalana permaneceu nas hostes encarnadas. Mário Wilson foi o substituto do jugoslavo, mas também ele percebeu o talento nos pés do então menino do Barreiro.

A 6 de março de 1976, o Benfica recebia o Farense para o Campeonato e ao intervalo já vencia por 3-0. Mário Wilson deu então a primeira oportunidade a Chalana. Quando pisou o relvado da Catedral pela primeira vez tinha 17 anos e 25 dias. Tornava-se naquele segundo no mais novo jogador de sempre a representar a equipa sénior e nesse ano foi duplamente Campeão Nacional, tanto nos seniores como nos juniores.

“A primeira vez que fui ao Estádio da Luz foi fácil. Fui com o meu pai. Ia de autocarro do Barreiro até ao barco; seguia até ao Cais do Sodré; apanhava o metro até ao Jardim Zoológico; autocarro até à Rua dos Soeiros; subia a rua e depois descia até ao Estádio. No segundo treino fui sozinho”, revelou Chalana em entrevista, dando conta dos seus primeiros passos no Benfica.

Se em 1976 dava os primeiros passos no plantel encarnado, na temporada seguinte pegou de estaca. Com pouco mais de 18 anos destacou-se como titular indiscutível e acaba por ser chamado à Seleção Nacional. Sem o mediatismo dos nossos dias, o Pequeno Genial chama finalmente à atenção do futebol mundial no Europeu de 1984, onde os tais ziguezagues entre adversários, velocidade e capacidade de espalhar magia convencem o então poderoso Bordéus de Jean Tigana  e Giresse a contratá-lo, após este ter conseguido levar Portugal a um honroso terceiro lugar e ter sido eleito o melhor jogador do Europeu, à frente, por exemplo, de Michel Platini, que marcou novo golos na competição e venceu a prova com a seleção francesa .

Rezam as crónicas, aliás, que o então presidente do Benfica na altura, Fernando Martins, usou o dinheiro da venda de Fernando Chalana, na altura na ordem dos 100 mil contos (500 mil euros no câmbio atual), para pagar as obras do terceiro anel do antigo estádio dos encarnados.

Recusou o Sporting e FC Porto para voltar à Luz

Ali ficou durante três temporadas. As saudades de Portugal eram tantas que nunca conseguiu espalhar o futebol que encantava os portugueses, até porque sofreu uma grave fibrose muscular que o afastou dos relvados durante algum tempo. Assim, em 1987/88 regressou ao Clube do seu coração. De águia ao peito fez mais de 300 jogos, marcou cerca de 50 golos, conquistou seis Campeonatos Nacionais, duas Taças de Portugal e duas Supertaças.

Chalana
Chalana créditos: Site do SL Benfica
"As pessoas pensam que sou canhoto, mas sou destro. As pessoas é que diziam e continuam a dizer que eu tinha um magnífico pé esquerdo, mas não sou esquerdino, nunca fui"

No entanto, antes de regressar, teve a oportunidade de ingressar no Sporting - que chegou a pensar contratá-lo ainda no Barreirense, mas terá recusado pagar, na altura, 200 contos (1000 euros no câmbio atual) pela transferência - e mesmo no FC Porto. Aliás, foi nos azuis e brancos que começou a recuperação à então lesão que sofreu em 1986. Se aos verde e brancos recusou de imediato a oferta, os dragões foram tentando a sua contratação, com Pinto da Costa em cima do assunto. Uma lesão mal curada, concretamente uma perna partida seis anos anos, que limitava Chalana, fez os azuis e brancos hesitarem, algo que o Benfica não fez.

De águia ao peito, a partir de 1987, jogou mais três temporadas, seguindo-se depois o Belenenses e Estrela da Amadora, clube onde terminou a carreira em 1991/92.

O esquerdino que não era esquerdino

Nos nossos dias, na formação do futebol nacional, é raro ver um jogador talentoso esquerdino que não seja logo comparado a Fernando Chalana. O próprio Pequeno Genial foi muitas vezes confrontado com aquele que poderia ser o seu sucessor do lado esquerdo do futebol do Benfica. O que muitos não sabem, contudo, é que Chalanix nem esquerdino era.

“As pessoas pensam que sou canhoto, mas sou destro. As pessoas é que diziam e continuam a dizer que eu tinha um magnífico pé esquerdo, mas não sou esquerdino, nunca fui”, contou Chalana, numa entrevista à página oficial do Sindicato dos Jogadores, que apesar de não ser um esquerdino nato era ambidestro.

(Artigo atualizado às 17h10)