"Eu morava numa pequena cidade, que não era muito desenvolvida. Tentávamos organizar torneios, mas a escola não tinha recursos", lembra Kin. Hoje, a China está a gastar milhares de milhões de dólares para tentar realizar o sonho do presidente Xi Jinping, fanático por futebol: levar o país ao topo do mundo da bola.

O gigante asiático ocupa apenas o 81º lugar do ranking da Fifa, a oitava posição do continente, mas o presidente tem como meta "sediar um Mundial de Futebol, classificar-se para outro e conquistar o título". A chuva de dinheiro, porém, não pode comprar um fator essencial: a paixão pelo jogo. Um ingrediente imprescindível para montar um programa de formação de atletas de alto nível, de acordo com a maioria dos especialistas.

Professor de educação física, Kin Chai trabalha em Cantão, no sul do país, na ONG "Dreams Come True" ("Os sonhos tornam-se realidade"), que está a implementar uma rede nacional de escolinhas de futebol. "Oferecemos aos alunos treinos durante o tempo livre", explica o presidente da organização, Zhou Weihao. O principal objetivo é promover a atividade física entre as crianças e torná-las "úteis para a sociedade". Se alguma delas mostrar algum talento com a bola, "terá uma carga de treino maior", ressalta o dirigente.

'Produção de estrelas'

A construtora Evergrande, proprietária do maior clube de Cantão, treinado pelo brasileiro Luiz Felipe Scolari, fechou uma parceria com o Real Madrid para construir uma academia de futebol que receberá cerca de 2000 jovens. O mega complexo, que tem nada menos de 76 campos, recorde mundial absoluto, ostenta as ambições no seu site: "produzir estrelas" para alçar o futebol chinês ao mais alto nível.

O problema é que "os métodos utilizados com sucesso pela China para dominar outros desportos não podem funcionar com o futebol", alerta Mark Dreyer, blogger especializado que mora em Pequim. "Forçar crianças a jogar contra a sua vontade não vai resolver nada, é preciso renovar totalmente o sistema a partir da base", termina.

A fábrica de craques de Evergrande simboliza os investimentos astronómicos de empresas chinesas no mundo da bola, para cair na graça do presidente Xi. Há empresários que admitem sem rodeios que esses investimentos são realizados com fins políticos. O grupo Wanda, propriedade do bilionário Wang Jianlin, possui 20% das ações do Atlético de Madrid, finalista da Liga dos Campeões, e é um dos principais patrocinadores da Fifa. "Os dirigentes do país levam o futebol muito à sério, por isso eu apoio o desenvolvimento do desporto na China", contou Wang num livro.

Em março, o governo divulgou um ambicioso plano "para levar o país "ao topo do futebol mundial até 2050". O plano prevê a criação de 20 mil academias de futebol em quatro anos e a prática obrigatória do desporto por 30 milhões de alunos do ensino fundamental. A meta é atingir 50 milhões de adeptos da bola redonda até 2020. Para sustentar o projeto, são contratados vários treinadores da Europa e da América do Sul.

As crianças também podem inspirar-se em jogadores de renome internacional contratados a peso de ouro para o campeonato local, que se tornou um novo Eldorado para jogadores brasileiros.

Problema de base

O que falta para o projeto ganhar força, segundo os especialistas, é uma "base" de verdade. Em 2015, o país contava apenas com cerca de cem mil jogadores federados, de acordo com o diário oficial China Daily. "As crianças chinesas jogam mais badminton, ténis de mesa e basquete", observou no ano passado em entrevista à AFO o sueco Sven-Goran Eriksson, ex-técnico da seleção inglesa, hoje no comando do Shanghai Dongya.

Outro fator que prejudica a prática do futebol no país é o exame final de entrada para a universidade, uma espécie de prova de acesso muito concorrida, que coloca pressão nos jovens chineses desde a infância. "O sistema educativo deixa pouco espaço para o desporto", salienta Mary Gallagher, professora da Universidade de Michigan. "Os pais dificilmente vão deixar os filhos treinar futebol se correrem o risco de perder pontos no exame".

Por isso Zhou Weihao, o presidente da ONG "Dreams Come True", critica o conceito de fábrica de craques de Evergrande. "As crianças vão acabar por cansar-se. Temos que deixá-las interessar-se um pouco por outras coisas. Se não se fizer isso, elas já não vão sentir motivação para melhorar depois de alguns anos, porque treinam demais", avalia. A mãe dum aluno não esconde a satisfação com os métodos mais 'suaves' da ONG, que ajudaram o filho a apaixonar-se de verdade pelo desporto. "Ele não vê TV e não lê banda desenhada. Só quer saber de futebol. O sonho dele é melhorar o nível de jogo. É o nosso sonho também", relata, antes de sentenciar, depois de uma pequena pausa: "é o sonho chinês".

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