Quem o assume é Manuel da Costa, fundador do clube que “surpreendeu a própria comunidade”, poucos anos antes do 25 de abril de 1974, e que recebeu a agência Lusa no decorrer de um jantar que reúne “semanalmente, há mais de 40 anos”, todos os antigos jogadores da Académica ou adversários que queriam participar.

“Tínhamos uma maneira muito peculiar de estar, em que nos distinguíamos pela solidariedade, amizade, fraternidade, que era mal compreendida na urbe. Sentimos que não tínhamos espaço para expandir esta nossa filosofia e criámos uma casa própria, onde pudéssemos efetivamente desenvolver todos estes princípios e valores que subscrevemos”, explicou.

Na sala de “partos e operações”, conforme sinaliza uma placa sobre a porta que dá acesso ao segundo andar da antiga república, ‘Manel da Quinta’, como é mais conhecido, antigo jogador, treinador e dirigente da secção de râguebi da Associação Académica de Coimbra é uma ‘instituição’ dentro do próprio Clube de Râguebi.

Em 1971 alugou o espaço em seu nome pessoal, porque, “se fosse em nome de uma coletividade, as entidades oficiais iam inquirir ‘o que é que aqueles malandros andam a fazer'”, mas recusa personificar todo o espírito e ambiente que norteia o clube.

“Sou cofundador. Nunca quis assumir a liderança do clube, precisamente para que isto não fosse apenas eu, fossemos nós”, atirou, de voz rouca, marcada pelos 85 anos de idade e pelo charuto que segurava na mão e espalhava o seu ‘perfume’ pela sala.

No entanto, segundo outro elemento da secção de râguebi da Académica, José Maria Marques, “como diz o Manel da Quinta, este jantar nunca deixará de se se realizar enquanto ele for vivo, porque ele vem sempre”.

“Já aconteceu uma ou outra vez, especialmente em períodos de férias, ele jantar sozinho, mas vem sempre e mantém viva esta tradição”, disse à Lusa o antigo jogador da Académica, que ajuda também a dinamizar o clube.

Os clubes de râguebi foram “uma moda que veio de Inglaterra”, país no qual ”todos os clubes têm o seu ‘club house’, onde as pessoas vão jantar ou beber uma cerveja após os jogos”, explicou o dirigente.

No caso da Académica trata-se de “um clube único em Portugal”, porque apesar de estar umbilicalmente ligado à ‘casa-mãe’ e de ter como objetivo ”servir de apoio ao râguebi da Académica”, trata-se do ”único que faz questão de, juridicamente, manter a separação”.

Hoje em dia, explicou o dirigente, as instalações inicialmente alugadas por ‘Manel da Quinta’ já foram adquiridas pelo clube, mas o espaço de encontro da comunidade de râguebi de Coimbra e visitantes está ‘confinada’ ao segundo andar do espaço, por cima de um um bar-discoteca concessionado, onde os elementos do clube se misturam com estudantes e clientes em geral.

O último andar, a tal sala de “partos e operações”, é exclusiva para os antigos jogadores de râguebi e seus convidados, local onde, hoje em dia, confecionam as próprias refeições de grupo.

Sucede ao “canto dos cisnes”, zona junto ao balcão do bar onde “os mais velhos acabam por se concentrar a conviver mais um pouco após a refeição”, sinalizado por uma outra placa que é “seguramente uma recordação trazida de alguma viagem de um grupo do clube”, explicou José Maria Marques.

É que outra tradição intimamente ligada à história do Clube de Râguebi de Coimbra são as viagens em grupo ao estrangeiro, quer seja para apoiar a Académica, por exemplo, na conquista da Taça Ibérica de 1997/98, ou ‘simplesmente’ para, a cada dois anos, assistir ao França-País de Gales, do torneio das Seis Nações.

Logo desde as escadas que dão acesso ao último piso do edifício, as paredes estão recheadas de memórias e tradições, como ilustra uma foto que mostra os ‘caloiros’ da viagem a transportar ao colo os veteranos no momento de atravessar a fronteira entre Portugal e Espanha.

Mas um dos ‘ex-libris’ da coleção é a camisola número 20 dos ‘All Blacks’, oferecida pelo neozelandês Andy Earl, que a utilizou no primeiro Campeonato do Mundo de râguebi, em 1987, onde se sagrou campeão mundial.

Em 1999, Earl foi o primeiro ‘All Black’ e campeão do mundo a jogar em Portugal, ao serviço da Académica, e foi, também ele, um frequentador das ‘terceiras partes’ no Clube de Râguebi.

“O râguebi sempre teve esta particularidade da terceira parte, que é tão importante como as outas duas. Esta coisa de os jogadores confraternizarem no final dos jogos é próprio do râguebi e é isso que nós queríamos: que a sociedade, toda ela, se comportasse da mesma maneira”, frisou Manuel da Costa, ou ‘da Quinta’.

A própria terceira parte “oferecida pela Académica” aos visitantes acabou por fazer ‘escola’ no râguebi português, de acordo com o autor do livro “As Simbologias do Rugby nos Quarenta Anos da Académica”, publicado em 1995, por ocasião dos 40 anos da secção de râguebi da AAC.

“Nós oferecíamo-la aqui, mas uma terceira parte… Ala, ala! Uma grande refeição. De tal forma que os clubes em Lisboa acabaram por criar também os seus clubes de râguebi, mas depois extinguiram-se. O Direito na Rua do Salitre, o Técnico nas Olaias, o Benfica no próprio Estádio da Luz. Aqui, se não mantivéssemos esta vontade férrea e intransigente, também já tinha fechado”, desabafou Manuel da Costa.

E as terceiras partes no Clube de Râguebi de Coimbra eram de tal forma “ala, ala”, como afirma o fundador do clube, que continuam a beneficiar também a pequena economia local.

Nomeadamente duas pensões situadas nas suas imediações, “a Antunes e a Santa Cruz”, onde os visitantes do clube continuam, ainda hoje, a pernoitar “para não conduzirem após os convívios, que entre antigos jogadores de râguebi são, normalmente, muito bem ‘regados’ com cerveja”, admitiram os anfitriões.

A resiliência, palavra que “agora está na moda”, é portanto uma ‘imagem de marca’ do clube, fundado por jogadores que demoraram “seis anos para ganhar o primeiro jogo” de râguebi, numa altura em que “nem havia Federação” e a Académica teve de se “afiliar na Associação de Râguebi de Lisboa”.

“Essa questão também foi fundamental para criar este ambiente, porque, quem é que aguenta estar, na vida, seis anos sem ganhar alguma coisa? Tínhamos de ter algo que nos alimentasse para nos mantermos vitoriosos. Como nos encontrávamos aqui todos os dias e ‘farreávamos’, nunca perdíamos. Isso deu-nos o alicerce suficiente para edificar o nosso edifício sobre este princípio”, concluiu Manuel da Costa.

O Clube de Rugby de Coimbra completa 50 anos na quarta-feira, dia 08 de dezembro, mas devido à dificuldade de muitos sócios, de vários pontos do país, estarem presentes num evento a meio da semana, a data será assinalada com um jantar de gala no próximo sábado, num restaurante da região.

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