Jorge Fonseca. Judoca nascido em São Tomé e Príncipe a 30 de outubro de 1992 colocou a bandeira de Portugal no topo do mastro em dois mundiais de judo, 2019 e 2021, subiu ao terceiro lugar do pódio nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 e parou quase sem aviso prévio.

Foram cinco anos dedicados em exclusivo a um ciclo olímpico e à conquista de títulos. As pausas eram só para dormir. De resto, o dia dividia-se entre treinos e competições, numa vida passada no tapete.

De repente, esvaziou o balão. Parou. Engordou. Bailou. Divertiu-se. Fez disparates. Viajou com a namorada e foi ver os filhos a Inglaterra.

Durante seis meses teve uma vida que não está habituado a ter. Necessitava dessa pausa, assume. O treinador, Pedro Soares, deixou-o ir.

Está de volta. Começou por ganhar uma prova em casa. O Grand Prix de Portugal, em Almada na categoria de -100 kg. Voltou a dançar para o público que lhe tocou no coração.

Fez um apagão nos títulos conquistados e na pessoa que foi. Agora, diz, há um novo Jorge. Com fome de títulos. Muita fome. Quer voltar a ganhar tudo. Mundial e, de preferência, o ouro olímpico em Paris 2024. Uma meta traçada na qual ainda não pensa. Um passo de cada vez. Um combate de cada vez.

Jorge Fonseca, 29 anos, 2.º no ranking mundial, falou ao SAPO24 durante a apresentação da segunda edição do projeto "Lidl Stars", que pretende ajudar 14 atletas na caminhada para os Jogos Olímpicos da capital francesa.

Na primeira pessoa, o atleta do Sporting Clube de Portugal, falou da necessidade de descansar depois de tudo ter feito para o merecer. Porque só assim é merecida a pausa. 

Fizeste uma longa pausa após o bronze nos Jogos Olímpicos Tóquio 2020. Foram seis meses até este regresso no Grand Prix Portugal (em Almada, no final de janeiro). Entre um e outro evento não se viu o Jorge no tapete (tatami). Necessitavas de descansar?

Sim, necessitava de descansar. Dei cinco anos de mim, todos dedicados aos Jogos Olímpicos e preparei-me imenso para conquistar todos os meus grandes objetivos. Depois tive que parar um pouco o desporto, parar um pouco a carreira e divertir-me um bocado.

Necessitavas de esvaziar esse balão. Foi uma necessidade mental?

Mental e fisicamente. Dediquei-me muito aos treinos, em querer ser o melhor. Conquistei os objetivos e decidi fazer uma pausa no desporto.

Quão importante foi para a tua cabeça esta paragem, esta pausa?

Foi importante para desligar um bocado do desporto. Vivia o desporto com muita seriedade. Demais. A parte mental e física. O desgaste. Pá...fiquei um bocado desiludido comigo mesmo porque queria ser campeão olímpico.

O que se passou depois de falhares o ouro?

O meu treinador e psicóloga conseguiram-me animar. “O Jorge é bom”, disseram. Necessitava de descansar (dos JO) para um novo recomeço.

Treinador e psicóloga foram fundamentais nesse processo?

Sim, fizeram um grande trabalho comigo. O meu treinador (Pedro Soares) é fundamental em tudo. A equipa técnica da Federação Portuguesa de Judo ajudou-me bastante. E a minha psicóloga, Ana Ramirez, do Comité Olímpico, motivou-me muito e deu-me muita vontade. E tive mesmo que descansar seis meses...

Deixaste, por uns meses, a família judoca e dedicaste-te à tua família?

Exatamente. Fiz disparates. Parei para viajar, sair um bocado, sair com a minha namorada... Deu para aproveitar e ir ter com os meus filhos a Inglaterra. Desfrutei um bocado da vida que não estou habituado a ter.

A parte mental está na ordem do dia nos atletas?

Sempre esteve.

Mas estava um pouco escondida?

Esteve um bocado. Durante anos trabalhava para ser o melhor, mas quando comecei a trabalhar com uma psicóloga vi que seria uma grande diferença. E acreditei que podia fazer muito mais. Esteve escondida até aparecer.

É importante os atletas de elite mundial alertarem para a necessidade dessas pausas competitivas para evitar um “estouro mental e físico”?

É importante descansar um bocado. Mas também saber dar retorno. Conquistei. Agora necessito de descansar. Todos precisam. Mas antes de descansar é necessário conquistar. Não podes querer receber sem dar as coisas. Para ter o descanso de guerreiro como se diz estive cinco anos a dar no duro. Só não treinava quando ia dormir.

O Pedro Soares disse recentemente numa entrevista ao jornal Record: “deixei de [o] pressionar, foi o melhor, tendo em conta a sua personalidade”.

Ele disse-me: Jorge vai de férias, desliga e faz a tua vida normal. É fundamental para os atletas saber desligar um bocado do desporto. Dois ou três dias para ficar com aquela fome.

créditos: MIGUEL A. LOPES/LUSA

Já estás com fome de títulos?

Tenho. Muito. Estou com fome de competir. Muita fome de competir. Ainda não estou no meu pico de forma. Eu sei. Estou a 85%. Quero estar nos eventos a 100%.

Não entras para ficar em 3.º, entras sempre para ganhar?

Vou para ganhar. Sempre. No Grand Prix em Almada sabia que não estava a 100% mas consegui controlar-me e fazer as coisas diferentes para não falhar.

És o atual n.º2, o que te falta?

Já fui número 1. Quer ser número 1, mas o meu objetivo é ser campeão olímpico. Tenho capacidade para isso. Voltei a Almada muito motivado. Uma ambição completamente diferente, um atleta novo, fresco, desligado da pessoa que sou, dos títulos que ganhei. Agora há um novo Jorge. Com novos princípios e objetivos. E quero tentar ver se chego a Paris 2004 e ganhar a medalha. A de ouro. Mas ainda não penso nisso.

És um novo Jorge? Tens quase 30 anos e está a reinventar-te?

Tenho 29 (sorrisos). Ainda falta um ano para os 30. Tenho um objetivo. Fui campeão do mundo e fui aos Jogos Olímpicos e ganhei uma medalha. Meti na cabeça. Vou desligar. Vou desligar disso e dessas medalhas. Vão ver um novo Jorge, como novos objetivos. E com um novo princípio: não ganhei nada ainda, não ganhei nada este ano e vou criar um novo ciclo para chegar aos Jogos Olímpicos e fazer o meu melhor.

Vamos ter um novo Jorge a partir de quando?

Agora estou a encher o balão. Agora é treinar bastante e quando voltar a competir, é para ganhar.

Mundiais em outubro. Calendário aperta a partir de junho. Como será feita a tua preparação?

Estive seis meses parado. Engordei. É muita carga para um atleta estar parado seis meses. Ganhei peso. Agora é trabalhar. Voltei a encher o balão para chegar aos Mundiais, ganhar e chegar aos JO e ganhar. E repetir o mesmo trabalho. Vou competir, fazer provas pequenas, pequenos trabalhos, ganhar ritmo competitivo, para encher e recuperar o ritmo que perdi durante seis meses. 

À porta dos 30 anos tens hoje adversários mais novos a quererem o teu lugar. Como é que lidas com essa pressão?

São jovens que eu próprio estou a construir. São monstros que querem ver-me competir, ser como eu e querem o meu lugar. É algo complicado. Tenho de saber lidar com isso. Sou uma referência para os miúdos, mas há uns que já não têm aquele respeito. Entram a lutar para ganhar. Encaro naturalmente e respeito isso. Sei qual a minha capacidade.

Depois dos títulos mundiais, a tua dança da vitória e os JO Tóquio 2020 quando andavas na rua olhavam para ti. Sentes-te uma estrela?

Foi a loucura. Os portugueses abraçaram-me com as duas mãos. Tenho grande amor e carinho por todos os portugueses que vejo na rua.

Sentes-te no papel de exemplo?

(Risos) Sim, embora não goste de pensar nisso. Tornei-me ao longo do tempo uma referência para o desporto nacional e para os miúdos. Não tinha muito a noção disso e senti em Almada quando puxavam-me por mim. Foi incrível. Não estava à espera.