A vida não tem sido fácil em Alvalade. As origens da atual crise têm sido apontadas de um lado para o outro das barricadas que entretanto se ergueram. Objetivamente, os acontecimentos que precipitam a Assembleia-Geral Destitutiva deste sábado, situam-se na perda do segundo lugar do campeonato, na última jornada, para o Benfica.

Estávamos a 13 de maio, mas o domingo que ditou o afastamento do Sporting da Liga dos Campeões foi tudo menos santo. Depois da partida, os jogadores são insultados à saída do Estádio dos Barreiros, no aeroporto da Madeira, antes do embarque para Lisboa, e também à chegada da comitiva ao estádio José Alvalade.

A tensão acentuou-se dias depois, em 15 de maio, quando cerca de 40 pessoas encapuzadas invadiram a Academia do Sporting, em Alcochete, e agrediram alguns futebolistas e elementos da equipa técnica. Após investigação policial, foram detidas 27 pessoas, que ficaram em prisão preventiva.

Na sequência destes incidentes, os futebolistas Rui Patrício, Daniel Podence, Gelson Martins, William Carvalho, Bruno Fernandes, Bas Dost, Ruben Ribeiro, Battaglia e Rafael Leão apresentaram a rescisão por justa causa. Já o treinador, Jorge Jesus, abandonou também Alvalade, rescindindo por mútuo acordo para assinar pelos sauditas do Al Hilal.

Sobre as rescisões dos futebolistas, e independentemente de quem assuma as rédeas do clube no futuro, é expectável adivinhar uma longa guerra judicial. Aos tribunais cabe decidir uma de três coisas: “se tinham justa causa para rescindir (ou seja se estava colocado numa situação de impossibilidade do prosseguimento da relação de trabalho); tendo justa causa, se ela é imputável a título de culpa ao clube (tendo este que pagar a indemnização) ou não (não havendo indemnização); e, ou se, pelo contrário, não havia justa causa (tendo o jogador que pagar aquela mesma indemnização ao clube)”, resume o professor universitário e advogado Monteiro Fernandes ao SAPO24.

De qualquer modo, sintetiza o especialista em Direito Laboral, "a situação dos jogadores no futuro próximo só pode ser uma de duas": o ingresso noutros clubes na próxima época, sendo que "quando houver decisões finais sobre a situação de cada um, receberão ou pagarão o que for devido" ou, eventualmente, o recuo nas rescisões, "o que só pode ocorrer com o acordo do clube, deixando de haver contencioso”, refere Monteiro Fernandes.

Depois estes acontecimentos, a maioria dos membros da Mesa da Assembleia Geral (MAG) e do Conselho Fiscal e Disciplinar (CFD), mas também da Direção, apresentaram a demissão, defendendo que o presidente do Conselho Diretivo e da SAD Bruno de Carvalho não tinha condições para permanecer no cargo.

Esta sequência, porém, é a fase final de uma convulsão que nasceu em abril, após a derrota do Sporting na primeira mão dos quartos-de-final da Liga Europa, na casa do Atlético de Madrid.

Depois de uma derrota por 2-0, Bruno de Carvalho recorreu às redes sociais para criticar o desempenho dos jogadores. A mensagem não caiu bem e no dia seguinte, vários dos jogadores do plantel subscreveram, também nas redes sociais, uma mensagem contra a posição tomada pelo presidente do clube de Alvalade.

Logo nesse dia 6 de abril, Bruno de Carvalho anuncia a suspensão dos subscritores da mensagem.

“Todos os atletas que subscreveram o que em baixo descrevo estão imediatamente suspensos, tendo de enfrentar a disciplina do clube. Já estou farto de atitudes de miúdos mimados que não respeitam nada nem ninguém, como por exemplo os adeptos relativos aos quais já ouvi comentários do mais baixo possível”, escreveu Bruno de Carvalho no Facebook, em reação ao comunicado conjunto que vários jogadores publicaram nas redes sociais. Pouco tempo depois a mensagem foi apagada e a dita suspensão acabou por não acontecer.

Ainda assim, durante as semanas seguintes, o Sporting acaba por conseguir bons resultados desportivos, ainda que sempre a par com a polémica que vai sendo discutida nos bastidores do clube e nos painéis de comentários. Na segunda mão do jogo com o Atlético de Madrid, os leões vencem por 1-0, vencendo também quatro jogos seguidos no campeonato e — talvez o resultado mais importante — a meia-final da Taça de Portugal contra o FC Porto (que viria a sagrar-se campeão nacional), garantindo lugar na prova rainha do futebol português.

Eis, porém, que precisamente um mês depois da derrota em Espanha, um empate em Alvalade frente ao Benfica, quando o segundo lugar ainda estava ao alcance, reabre a ferida. A derrota na Madeira, na semana seguinte, espoleta o resto. E o resto são disparos para todo o lado — e de todo o lado.

Perceber os últimos meses do clube de Alvalade é difícil. Entre providências cautelares, rescisões de jogadores, pedidos de destituição, comissões de fiscalização, transitórias e de gestão, o tempo foi correndo até este sábado. É esse o tempo reunido nesta cronologia que o SAPO24 preparou para ajudar a perceber o que vai a jogo nesta Assembleia Geral Destitutiva.

O que vai acontecer na Assembleia Geral?

O presidente da Mesa da Assembleia Geral do Sporting fez na quinta-feira uma antevisão da reunião magna do clube em Lisboa. Aos sócios vai ser perguntado se pretendem ou não a “revogação coletiva, com justa causa, do mandato dos membros do Conselho Directivo”.

É desta forma que os sportinguistas vão decidir a continuidade do Conselho Diretivo, liderado por Bruno de Carvalho.

Jaime Marta Soares já disse que, seja qual for o desfecho da reunião deste sábado, as eleições no clube serão marcadas “no prazo previsto nos estatutos”, em “meados de setembro”.

“Se for votada a continuidade, à mesa só resta uma coisa: é marcar eleições para o conselho fiscal e para a mesa, dentro de 60 dias, meados de setembro. Será logo nessa hora devidamente marcado. A única questão é se é para dois ou três órgãos. Qualquer que seja o resultado, no prazo previsto nos estatutos, serão feitas as eleições no Sporting”, disse o líder da MAG.

De resto, Marta Soares disse esperar que se da AG resultar numa maioria favorável à destituição, Bruno de Carvalho aceite “democraticamente” o veredicto.

“Estamos num país democrático onde o direito impera e as leis são para se cumprir (...) Espero que seja esse o entendimento do presidente Bruno de Carvalho. Se os sócios decidirem pela sua destituição, julgo que ele aceitará democraticamente, nem outra coisa me passa pela cabeça”, afirmou.

Bruno de Carvalho concorda e disse já que abandona o clube caso os sócios votem a favor da sua destituição — mas só no caso de a Assembleia Geral decorrer de forma “fidedigna”.

“Se receber um não e tudo naquela Assembleia Geral for fidedigno, não só não meto mais lá os pés, como escusam de me expulsar de sócio, porque não me recandidato. A única coisa que vou pedir é alguém que me vá lá buscar as coisas ao escritório”, afirmou Bruno de Carvalho, em declarações à Sporting TV.

O presidente da MAG voltou a frisar que neste processo “não há guerras, nem da mesa, nem do presidente da mesa”.

“Ninguém faz parte de nenhuma fação, apenas se assumindo com a responsabilidade de dar a voz aos sócios (…) Eu não sou candidato a nada e aqui ninguém é candidato a nada”, comentou.

Jaime Marta Soares alertou, no entanto para a necessidade de os sócios terem as quotas em dia e não se ausentarem do pavilhão após a credenciação, já que caso o façam não poderão voltar a ter acesso à sala “por motivos de segurança”.

Quanto à segurança da reunião, o presidente da Mesa indicou que está a cargo da PSP, afirmando não ter “preocupações nesse sentido” – “conheço os sócios do Sporting e não creio que haja qualquer tipo de conflito”, disse.

Ao longo das últimas semanas, Bruno de Carvalho lançou críticas a jogadores e agentes, mas também a acionistas, notáveis e dirigentes do clube. Álvaro Sobrinho, presidente da Holdimo, maior acionista da SAD, é um dos alvos. José Maria Ricciardi, antigo presidente do BESI e notável do clube é outro. E nem os políticos escapam, como Eduardo Ferro Rodrigues, presidente da Assembleia da República, sportinguista contra quem Bruno de Carvalho anunciou ter movido um processo por difamação e calúnia.

Porém, do outro lado, também há armas apontadas em direção a Bruno de Carvalho, que é criticado pelo presidente da Mesa da Assembleia Geral, que tem apelado à sua demissão, mas também por notáveis, acionistas, comentadores.

São estes os protagonistas deste autêntico dérbi interno que tem dividido o universo leonino e que terá um desfecho (?) neste sábado. A Assembleia Geral vai decorrer na sala Atlântico do Altice Arena, com início às 14:00, embora a abertura das portas aconteça pelas 12h00 para que todos possam ir ocupando os seus lugares. A votação encerra às 20h00, mas todos os sócios que estejam ainda na fila para votar poderão fazê-lo.

Artigo atualizado às 13h07, com as declarações de Monteiro Fernandes, especialista em Direito Laboral.