Freddy Guarín interceta um mau passe do central peruano do Sporting de Braga Alberto Rodriguez, que tentava construir o ataque a partir de trás, e segue pela ala direita do relvado do Aviva Stadium, em Dublin, penetrando pelo meio-campo adversário. Poucos metros após a linha branca que separa o campo em dois, pára. Olha para o centro do terreno. Abranda, não vê ninguém livre e dá mais uma passada. Volta a abrandar e volta para trás, num movimento rápido para tirar Paulo César da frente, olha para a grande área onde vê Falcao à entrada do grande retângulo de braço no ar. O colombiano faz um centro teleguiado, o compatriota aparece sozinho nas costas de Paulão e com um cabeceamento perfeito atira a bola para o fundo das redes da baliza bracarense defendida por Artur Moraes.

Foi há 10 anos que este golo aconteceu. O único de uma partida única, a primeira final europeia entre dois clubes portugueses. Estávamos em 2011, no dia 18 de maio, e, na Irlanda, FC Porto e Sporting de Braga disputavam o segundo troféu mais apetecido das competições de clubes da UEFA.

O feito não foi inédito. A primeira final de sempre da Taça UEFA, a competição que viria a ser convertida em Liga Europa, em 2009, foi disputada entre dois clubes ingleses: Tottenham e Wolverhampton. Estávamos na temporada 1971/72, quando os Spurs levaram a melhor sobre os Wolves numa final disputada a duas mãos.

Ainda como Taça UEFA, o torneio viria a albergar mais seis finais entre equipas do mesmo país, colocando frente a frente os alemães do Borussia M´gladbach e Eintracht Frankfurt (1979/80), os italianos da Juventus e Fiorentina (1989/90), do Inter e Roma (1990/91), do Parma e Juventus (1994/95), do Inter e Lazio (1997/98) e os espanhóis do Espanyol e Sevilla (2006/07).

Como Liga Europa o caso repetiu-se em mais duas ocasiões, além dos confrontos entre arsenalistas e dragões, em 2011/12 entre Atlético de Madrid e Athletic Bilbao e em 2018/19 entre Chelsea e Arsenal.

Se dermos o salto até à Liga dos Campeões, o cenário não é diferente. A primeira final entre clubes do mesmo país aconteceu já no novo milénio, em 2000, com uma disputa pelo troféu entre Real Madrid e Valência. Seguiram-se confrontos entre Juventus e Milan (2002/03), Chelsea e Manchester United (2007/08), Borussia Dortmund e Bayern Munich (2012/13), Real Madrid e Atlético Madrid (2013/14), novamente Real Madrid e Atlético Madrid (2015/16) e Tottenham - Liverpool (2018/19).

Portugal é um dos cinco países a incluir-se nesta lista de feitos, sendo que, por exemplo, França, uma nação com uma das cinco principais ligas europeias, as famosas big five, nunca presenciou tal acontecimento com emblemas franceses.

Mas qual é a tradução real disto, de uma final entre clubes do mesmo país? É acima de tudo uma afirmação do futebol e da qualidade futebolística daquele país naquele momento. E em 2010/11 Portugal estava a dar cartas. A final foi portuguesa, mas na meia-final também estava o SL Benfica, clube que viria a ser finalista vencido nas edições de 2012/13 e 2013/14 da Liga Europa. Aquela final e os anos que a rodearam (sete anos antes o FC Porto tinha vencido a Liga dos Campeões com José Mourinho e oito anos antes o mesmo treinador tinha levado os azuis e brancos à conquista da Taça UEFA, em 2005 o Sporting CP foi finalista vencido da Taça UEFA e em 2008 o Braga venceu a última edição disputada da extinta Taça Intertoto) foram os melhores anos de Portugal na Europa do futebol no século XXI. Entre 2003 e 2011 houve finais, umas perdidas, outras vencidas, mas sobretudo uma afirmação além fronteiras de uma nação cujo sucesso futebolístico europeu estava enterrado no pontapé canhão do Benfica de Eusébio da década de 60 ou do FC Porto comando por Artur Jorge no final dos anos 80.

Se olharmos lá para fora, acontece o mesmo, com a devida proporção. As duas finais entre Real Madrid e Atlético de Madrid coincidiram com o primeiro e terceiro títulos da tripla conquista da Liga Europa do Sevilha, numa altura em que o futebol europeu era dominado pelos emblemas espanhóis. Em 11 edições da Liga Europa, sete foram ganhas por clubes da La Liga. Na Champions, entre 2013 e 2018, só clubes espanhóis é que venceram a competição milionária.

Quando o sucesso dos clubes que moram do lado de lá da fronteira foi ultrapassado em sucesso real europeu por aquele que é considerado por muitos o melhor futebol do mundo, o inglês, tal também teve uma tradução real cuja apoteose aconteceu em 2018/19 quando as equipas da Terra de Sua Majestade dominaram a 100% os grupos de finalistas das competições europeias, com Spurs e Reds na Liga dos Campeões e Blues e Gunners na Liga Europa.

Os clubes portugueses fizeram o mesmo, numa competição mais acessível do que a Champions, mas com grande nota futebolística. Se formos à ficha de jogo daquela final portuguesa encontramos nomes como Nicolas Otamendi (que viria a ser jogador do Valência e Manchester City), Fernando (City, Galatasaray e Sevilha), João Moutinho (Mónaco, Wolverhampton e campeão europeu em 2016), Hulk (Zenit, Shanghai SIPG e Atlético Mineiro), Falcao (Atlético de Madrid, Mónaco, Manchester United, Chelsea e Galatasaray), James Rodríguez (Mónaco, Real Madrid, Bayern Munich, Everton), do lado do FC Porto; do lado do Braga tínhamos atletas como Hugo Viana, em tempos uma das maiores promessas do futebol português, Artur Moraes, que viria a ser o guarda-redes titular de águia ao peito em mais duas finais da Liga Europa, Alan, histórico bracarense, e Lima, avançado que viria a ser estrela do ataque do SL Benfica.

No entanto, uma década volvida deste feito do futebol português, o que é que o desporto-rei, em Portugal, cresceu?

Em primeiro lugar, é importante salientar que este foi o último título português no futebol europeu. Depois desta final, o FC Porto disputou a Supertaça Europeia com o FC Barcelona e perdeu (2-0) e o SL Benfica chegou a duas finais da Liga Europa que também perdeu, diante do Chelsea (2-1 a.p.) e Sevilha (desempate por grandes penalidades).

O FC Porto, nestes últimos 10 anos, após o histórico triplete - sim, porque, além daquela Liga Europa, os azuis e brancos então comandados por André Villas-Boas venceram também o campeonato e a Taça de Portugal -, a nível europeu, passou seis vezes a fase de grupos da Liga dos Campeões, em três ocasiões chegou aos oitavos de final e em outras tantas aos quartos. Em três ocasiões ficou em terceiro lugar na fase de grupos da liga milionária, de onde caiu para a Liga Europa, competição onde saiu duas vezes logo nos 16-avos e onde em uma ocasião foi até aos quartos. Em 2019/20, num ano atípico, o FC Porto, que se tornou este fim de semana, depois de garantir a presença na próxima edição da competição, na segunda equipa, a par do Bayern, com mais participações na Champions, apenas atrás de Real Madrid e Barcelona, que somam mais uma participação, não participou na principal competição de clubes, ao falhar a qualificação no play off, eliminado pelo Krasnodar, tendo chegado aos 16-avos dessa edição da Liga Europa.

No que toca ao Sporting de Braga, a vida europeia dos últimos anos não foi tão rica. Há uma única participação na Liga dos Campeões, em 2012/13, onde o clube minhoto foi o último classificado do grupo H, com Manchester United, Galatasaray e Club, uns quartos-de-final da Liga Europa, quatro 16-avos e quatro anos sem participações nas competições europeias. No entanto, a nível nacional, os bracarenses impulsionaram-se. Desde a final de há 10 anos que os plantéis construídos têm sido mais competitivos e que os troféus têm chegado, desde aquela final, o Braga venceu uma Taça de Portugal e duas Taças da Liga - muito para um clube que contava no palmarés apenas como uma prova rainha do futebol português conquistada em 65/66.

No que toca às competições europeias, este título conquistado pelos dragões volta a ser a marca de uma era, tal como foi a Liga dos Campeões, em 2004: ambas ocasiões foram as últimas vezes que uma equipa fora das big five venceu uma competição europeia.

Atualmente, a probabilidade de uma final europeia entre clubes portugueses voltar a acontecer é muito mais remota, face à distância ao nível de capacidade financeira que se vincou entre os clubes das ligas inglesa, espanhola, italiana, francesa ou alemã para qualquer uma das outras. Mesmo que clubes como FC Porto ou SL Benfica já sejam capazes de dar 20 milhões de euros por um jogador, os candidatos a vencer tanto uma como outra competição têm reforços de valor muito superior.

Numa breve análises aos finalistas das competições europeias deste ano temos o Manchester City, que esta época comprou Rúben Dias por 68 milhões de euros (ME), Nathan Aké por 45,3 ME e Ferran Torres por 23 ME, com um plantel avaliado em mais de mil milhões de euros. Depois há o Chelsea que este ano contratou Kai Havertz por 80 ME, Timo Wener por 53 ME, Chilwell por 50 ME, Ziyech por 40 ME e Mendy por 24 ME e que tem um plantel avaliado em cerca de 780 milhões de euros. Saltando para a Liga Europa, há o Manchester United com um plantel avaliado em 716 milhões de euros e que este ano já desembolsou 39 ME por Donny van de Beek, 21,3 ME por Diallo e 15 ME por Alex Telles. E, por último, o 'modesto' Villarreal cuja transferência mais cara da época foi a contratação de Pervis Estupiñán ao Watford por cerca de 16 ME, sendo que o emblema espanhol tem um plantel avaliado em 247 ME.

Se compararmos estes quatro clubes com os quatro clubes que em Portugal dominaram o topo da tabela classificativa nos últimos anos e que congregam em si praticamente todo o passado europeu português nas competições europeias, só Porto (263 ME) e Benfica (261 ME) é que conseguem rivalizar com o Villarreal com plantéis 16 ME e 14 ME mais valiosos, respetivamente. Já o Sporting CP (185 ME) e Braga (115 ME) estão consideravelmente longe até do último patamar deste registo de finalista europeu.

Dez anos depois da primeira e única final europeia entre clubes portugueses, o futebol português está melhor, mais competitivo, com cada vez mais qualidade na formação, visível nas representações nestes clubes finalistas, onde militam nomes como João Cancelo, Bernardo Silva ou Rúben Dias, todos formados em Portugal, mas sem capacidade para se fazer sentir mais fora, além de uma simpática prestação na Liga dos Campeões como fez este ano o FC Porto.

Os treinadores portugueses brilham lá fora, apesar de, curiosamente, tanto Villas-Boas como Paciência estarem atualmente sem treinar e, tanto um como outro, bastante longe do sucesso daqueles tempos, os jogadores também, mas os clubes não. Um problema sintomático de outras ligas como a Eredivise, dos Países Baixos, sem mudanças de paradigma à vista e que assenta mal num país onde moram quatro Ligas dos Campeões.

Dez anos depois, aquela final entre Braga e Porto parece que aconteceu noutro universo, noutra cronologia que não esta do futebol que vivemos. É a memória de um golo de cabeça, é a esperança dos adeptos de um clube como o Braga em erguer um grande troféu. É passado e muito dificilmente será futuro.

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