30 de maio de 2021. Após a sua vitória na primeira ronda do Grand Slam francês, Naomi Osaka não se apresentou perante a imprensa e foi multada em 15.000 dólares (12.300 euros). A tenista confessou que lutava com problemas de depressão desde o US Open de 2018 e que falar aos órgãos de comunicação a deixava ansiosa.

"Achei que era melhor cuidar de mim e não ir às conferências de imprensa", explicou recorrendo às redes sociais. "Se quem organiza os torneios pensa que pode simplesmente continuar a dizer-nos Vá para a conferência ou será multada e ignorar a saúde mental dos atletas que são a peça central, então eu prefiro rir-me disso", continuou noutra publicação.

Após a desistência de Roland Garros e de ter ficado de fora de Wimbledon, Osaka decidiu fazer uma pausa. Regressou para os Jogos Olímpicos de Tóquio, onde era encarada como favorita, sendo um dos rostos da competição — logo a começar pela cerimónia de abertura, onde foi eleita para acender a pira olímpica.

Antes de rumar a Tóquio falou à revista Time, que fez capa com a tenista. Na publicação, a número 2 do ténis feminino era o rosto dos Jogos, mas também de algo mais. No texto, escrito pelas mesmas mãos que fazem magia nos courts, Osaka dizia algo que hoje parece mais certo do que nunca: "É ok não estar ok". Na mesma peça deixava algumas lições, sendo a primeira de todas quase uma regra: "nunca podes agradar a todos".

"Não me sinto confortável em ser a cara ou a porta-voz da saúde mental no desporto, sendo que é tudo novo para mim e ainda não tenho todas as respostas. Mas espero que se relacionem e compreendam que é ok não estar ok, e é ok falar sobre isso. Há pessoas que podem ajudar, e há sempre uma luz ao fundo do túnel. O Michael Phelps disse-me que ao falar posso ter salvo uma vida. Se isso é verdade, valeu a pena".

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Foi desta forma que Osaka encerrou o texto — que não sabemos se Simone Biles leu. O que é certo é que a ginasta, a superestrela norte-americana, a jovem que testou os limites da ginástica artística, parece ter chegado, esta terça-feira, ao seu próprio limite.

Biles, 24 anos, chegou a Tóquio com um objetivo, estender o seu reinado depois conquistar quatro medalhas de ouro (all-around, cavalo, solo e equipas) e uma de bronze (trave). Com todos os olhos em si, considerada a figura de maior destaque destes Jogos, a ginasta que tem quatro movimentos (ou exercícios) com o seu nome (quatro!) mostrou que não é perfeita na estreia em prova. Não teve um dia mau, não falhou, só não foi perfeita. Caiu ao sair da trave, onde foi sétima, conseguiu ser a melhor no salto de cavalo, a segunda melhor no solo, e teve a décima melhor nota nas paralelas.

Os alarmes viriam a soar apenas na final all-around por equipas, quando a ginasta abandonou a competição depois de um salto de abertura sem brilho — obteve a pontuação de 13.766, a mais baixa que já conseguiu num salto olímpico. Foi "por razões médicas”, assegurou a federação norte-americana de ginástica, explicando que Simone Biles seria submetida a "exames médicos". No ar ficou a dúvida, seria uma possível lesão ou algo mais.

Mas foi algo mais, confirmou a própria Biles horas depois. "Já não confio tanto em mim mesma como antes e não sei se é a idade. Fico um pouco mais nervosa", desabafou. "Depois da performance que tive, simplesmente não quis continuar (...). Não somos apenas atletas, somos pessoas. E às vezes é preciso dar um passo atrás", explicou a campeã norte-americana, citada pela BBC.

Em conferência de imprensa meteu as cartas em cima da mesa: "Assim que piso o praticável, sou só eu e a minha cabeça, a lidar com demónios. Tenho de fazer o que é certo para mim e tenho de me focar na minha saúde mental. Temos de proteger a nossa saúde e o nosso bem-estar e não fazer apenas aquilo que o mundo quer que façamos".

Hoje soube-se que abdica também das finais do all-around individuais, agendadas para esta quinta-feira, ficando em dúvida as provas de aparelhos previstas para a próxima semana. Tudo em nome da sua saúde mental.

Biles poderá não voltar a ser de ouro, mas o que fez — ou a razão para não o fazer — em Tóquio, é ainda mais valioso. Roubando as palavras à federação norte-americana de ginástica: "a sua coragem mostra o porquê de ser um exemplo".