Estariam os adeptos do Benfica ou do Arsenal à espera do espetáculo que ambas as equipas protagonizaram em 1991, um dos dois únicos jogos oficiais que ambas disputaram na sua história? Dado o momento de forma de ambas equipas, era pouco provável, mas esse foi o mote de lançamento para estes 16-avos de final da Liga Europa.

Perante a incredulidade de alguns adeptos benfiquistas por Rafa Silva admitir na antevisão do embate que nunca tinha ouvido falar do célebre jogo vencido por 3-1 em Highbury Park — a antiga casa do Arsenal —, recordou-se esse duelo a contar para a Taça dos Campeões Europeus. A última vez que se enfrentaram oficialmente, diga-se, excluindo-se o amigável de 2014 disputado no âmbito da Emirates Cup, onde Yaya Sanogo provou a vivo e a cores o conceito de “fogo de vista”.

Naquele que foi o derradeiro ano antes da competição do rebranding fazer dela a “Liga dos Campeões” que conhecemos hoje, Benfica e Arsenal digladiaram-se na segunda eliminatória da prova antes de entrar na fase de grupos — a organização da prova era diferente, com duas eliminatórias a duas mãos antes de uma fase de grupos em dois grupos de quatro onde os primeiros colocados disputavam a final. Depois de uma primeira mão empatada a uma bola em Lisboa, o Benfica venceu em Londres por 3-1 já para lá do tempo regulamentar, com um golo de Vasili Kulkov, mas, acima de tudo, de um bis de Isaías, em particular um segundo tento espetacular.

Quase 30 anos depois, o “Profeta” brasileiro, questionado sobre quais seriam as hipóteses do Benfica em vencer o duelo, não poupou nas palavras. “Infelizmente, tenho de ser sincero. Seria bom para o Benfica conseguir passar a eliminatória, mas vejo aí 10% de possibilidades”, admitiu Isaías à agência Lusa.

O seu pessimismo, de resto, parecia manifestamente exagerado quando considerando o atual momento de forma de ambas as equipas. Sim, o Benfica não está bem e raramente tem jogado ao nível que se lhe exige, mas pela frente tinha um Arsenal em 10.º lugar, a oito pontos dos lugares europeus, e que, a chegar ao Natal, estava a ter um momento de forma de tal maneira miserável que, a acreditar na imprensa inglesa, já tinha sido criado um plano de contingência no caso de descida de divisão.

Na Liga Europa o caso era outro, sublinhe-se, com a equipa de Mikel Arteta a fazer um pleno de vitórias na fase de grupos. O que os números obnubilam é que tal feito aconteceu perante adversários como o Molde, da Noruega, o Dundalk, da República da Irlanda e o Rapid de Viena, da Áustria. Dificilmente um grupo da morte. O Benfica, porém, também não apanhou a mais complicada dos grupos e ainda suou para passar, terminando em segundo no seu grupo.

Perante este cenário, Rafa Silva admitiu mesmo que o Arsenal era o favorito para a partida e Jorge Jesus, não o dizendo também, subentendeu-o ao frisar a importância de ter uma equipa “bem organizada defensivamente para disputar esta eliminatória” e revelando logo à partida que não levaria “aquela equipa com tantos avançados como, normalmente, faz no campeonato português”.

Assim foi. Em mais um momento para recordar o conjunto de circunstâncias extraordinárias que viemos com a pandemia, o jogo “em casa” do Benfica foi disputado em Roma — porque as autoridades britânicas vetaram o acesso da equipa portuguesa a Londres devido ao número de casos em Portugal — e Jesus quis ser romano, apostando sobretudo na solidez defensiva, como mandam os velhos pergaminhos do futebol italiano.

Recuperando a defesa a três que já tinha utilizado contra o Sporting, Otamendi e Vertonghen foram acompanhados por Lucas Veríssimo, em estreia inédita a titular. Atrás, Helton Leite continuou a merecer a confiança de Jesus, que voltou a preterir Vlachodimos, e à frente foram Weigl e Taraabt a ocupar o meio-campo. Nas alas, Grimaldo e Diogo Gonçalves tinham à frente Pizzi e Waldschmidt, posicionados para servir Darwin Nuñez.

Cedo se percebeu que o Benfica não vinha a Itália para ganhar, mas, sobretudo, para não perder nem sofrer golos. O Arsenal cedo assumiu as despesas de jogo mas, mostrando apenas ocasionais lampejos de brilhantismo a fazer recordar Wenger, também não fez grande coisa com a bola, excepto quando conseguia explorar as costas da defesa encarnada.

Arsenal Benfica
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Foi assim que se deu o grande lance da primeira parte, um falhanço de Aubameyang que desafia a lógica. Héctor Bellerín, surgindo nas costas de Grimaldo, cruzou rasteiro para o goleador ganês apenas encostar, mas a tentativa de colocá-la absolutamente fora do alcance de Helton Leite resultou num inacreditável remate para fora. Este foi o único momento de destaque para os Gunners, que de resto se entretiveram a ver sucessivas jogadas de ataque arquitetadas Odegaard, Ceballos, Saka e Smith Rowe serem interrompidas por fora de jogo (incluindo um lance delicioso do norueguês a dar a chamada “nozada” à defesa benfiquista e a deixar a bola para o médio espanhol).

Do lado do Benfica, registam-se apenas algumas tímidas jogadas de ataque, como o remate de Darwin que, depois de uma bola combinação com Taraabt, rematou à entrada da área para uma defesa a dois tempos de Leno. O melhor lance dos encarnados acabou mesmo por ser no final do primeiro tempo, com David Luiz a fazer das suas e a perder a bola em terreno proibido, com Grimaldo a ver o cruzamento a ser anulado in-extremis por Gabriel Paulista.

Jogo em estado comatoso na primeira parte — onde a principal fonte de energia acabaram mesmo por ser os gritos de Jorge Jesus para dentro de campo —, esperava-se mais da segunda.

Apostado a dar alguma energia ao ataque encarnado, o técnico do Benfica lançou Rafa por Waldschmidt e as águias, de facto, começaram a ocupar espaços mais adiantados, saldando-se num remate fraco de Pizzi já dentro da grande área. O capitão, porém, teria logo a seguir nova oportunidade de fazer o gosto ao pé. Canto curto batido à esquerda e Smith Rowe parou o cruzamento de Diogo Gonçalves com a mão. Na conversão da grande penalidade, o médio somou o seu sétimo golo na prova e colocou as águas na frente.

Com uma estratégia defensiva mas a ganhar, colocava-se a questão se o Benfica queria carregar para o segundo ou defender a vantagem magra. Ou melhor, colocar-se-ia, não tivesse sofrido o golo do empate dois minutos depois. Após um lance de ataque desperdiçado por Diogo Gonçalves — que permitiu o corte de Xhaka quando podia ter rematado ou cruzado — os Gunners repuseram a igualdade com golo de Saka, que até foi ao VAR por possível fora de jogo. Odegaard encontrou Cedric isolado na ala e o lateral português cruzou para o jovem extremo inglês, que fez o que Aubameyang foi incapaz durante toda a noite.

Estava a partida lançada e prometia ser elétrica: de um lado, Rafa tentou contrariar a falta de favoritismo que profetizou ao serpentear pelo meio campo inglês e rematar em trivela para grande defesa de Leno; do outro, Aubameyang foi desmarcado pela direita e rematou cruzado junto ao poste esquerdo.

A ideia de jogo partido foi, contudo, uma miragem. Jesus tirou Darwin e Pizzi e colocou Everton e Seferovic, mas apesar de refrescar a frente de ataque, o Benfica deixou de se aproximar da baliza do Arsenal, à exceção de um grande remate do extremo brasileiro, a fazer o seu movimento característico da esquerda para a direita. Da parte do Arsenal, Arteta lançou Pepe e Martinelli tirando Smith Rowe e um Aubameyang claramente desinspirado — que, logo antes de sair, tinha voltado a falhar isolado, permitindo um grande corte de Lucas Veríssimo — mas aos Gunners também falhou a pólvora. 

De substituição em substituição, o jogo foi perdendo ritmo e o Benfica foi se contentando com o empate, tal como o Arsenal. A diferença é que ambas as equipas jogaram fora de casa, mas uma esteve mais longe do lar que a outra. Com o tento de Saka, o Arsenal parte para a segunda eliminatória com a vantagem do golo fora. 

O Benfica vai assim a Atenas para a semana obrigado a marcar um golo. Jesus não conseguiu ser romano em Roma e arrisca-se a ver-se grego na Grécia. Não seria a primeira vez este ano.