#OndeVaiUmVãoTodos. O todos, são jovens, muitos jovens, nascidos no pós 2000. Contabilizam 16, 17, 18 e 21 anos. O vai, ou melhor, o ir, teve como primeiro ponto de encontro o Estádio José Alvalade. A partir daí, dividiu-se por algumas das principais artérias de Lisboa: Campo Grande, Entrecampos, Campo Pequeno, Saldanha até desaguar no Marquês de Pombal, a famosa rotunda na qual se ergue Sebastião José de Carvalho e Melo ladeado por um leão e que se tornou palco tradicional destas celebrações.
A Geração Sem Títulos, no que ao futebol profissional sénior concerne, saiu à rua em peso ontem para festejar o título de campeão nacional do Sporting Clube de Portugal. Um troféu que nunca tinham visto, só ouvido falar.
Vasco Silva, 17 anos, exortava de alegria ainda o sol estava a pique em Alvalade. Faltavam mais de 4 horas para o encontro Sporting-Boavista e este filho de pai benfiquista mostrava a mesma calma que a equipa tem demonstrado ao logo da época. Estranha tranquilidade para alguém clubisticamente alimentado durante anos por um jejum misturado com idas ao estádio pela mão de tio e amigos.
Pedro Neiva, 17, foi buscar o ADN de leão ao pai e ao tio Miguel. Este último mostrou-lhe o caminho para o estádio, um palco que frequenta com amigos da escola e do râguebi, modalidade na qual é federado. Em tempos idos, Neiva tinha depositado uma promessa no caso do Sporting se sagrar campeão, mas Brian Ruiz (no jogo com o Benfica, em 2016 ) não lhe fez a vontade e Pedro abandonou o verbo prometer. Reconhece “não ser fácil” ser do Sporting, mas é algo que “por tanta frustração, vale a pena”, sintetiza.
Francisco Saldanha, 16, está entre este grupo de 20 rapazes e raparigas. Muito antes do apito inicial, estão espalhados pelas imediações do estádio. Vão ouvindo músicas e cânticos que saem da camioneta da Juve Leo, principal claque leonina. “Ser do Sporting é um orgulho”, admite.
O sentimento é partilhado por Diogo Matos, 17, que começou por ir a Alvalade “pela mão do meu avô”.
Manuel Andrade, 18 anos e Maria Antunes, 21, têm formas diferentes de transmitir as mesmas ansiedades e aspirações. Manuel “não” aguenta mais 18 anos sem conhecer a entrega do troféu mais ambicionado. Maria acredita que doravante será “sempre a somar”. É filha de um benfiquista, "o único na família". E puxa dos galões: "Os meus tios, primos, o João Antunes, meu primo, chegou a jogar no Sporting”, alerta.
Um cordão verde e branco pelas ruas de Lisboa, de Alvalade ao Marquês de Pombal
João Matos, capitão do futsal, foi engolido pela multidão nos balcões à volta do Alvalade XXI. Felicitam-no pela conquista europeia. Pedem-lhe fotografias e selfies.
“Fui ao Marquês, na última vez, celebrar o Sporting Campeão”, conta ao SAPO24.
O tempo passa lentamente, é a ansiedade a "atrasar" os ponteiros do relógio. Nem o jogo tinha ainda começado e já só queriam saber quando é que os noventa minutos punham fim a 19 anos sem festejar um título nacional de futebol.
20:30, apito inicial. Erguem-se as vozes de incentivo. Acendem-se tochas e potes de fumo. A pirotecnia será uma constante na noite longa de leão ao peito.
Curiosamente, quanto menos jovem, maior o ceticismo. “Sinceramente, tenho medo de outros 19 anos sem ganhar”, confidencia Célia Dias, herdeira do sportinguismo por parte do avô.
Situado na varanda da Juve Leo, Manuel Cardoso, deixa um pedido em forma de quase ordem. “Que não se repita tanto tempo. Aguentar 19 anos outra vez não. É muito”, diz.
Vislumbramos uma camisola com o nome de Barbosa, capitão do último título leonino. Parecia ser um sinal. Golo de Paulinho. 1-0. Êxtase total.
A excitação acalma após uma intervenção policial a anteceder a 2ª parte. As relações tensas entre adeptos e Corpo de Intervenção seguir-se-ão durante longas horas.
Nos últimos 5 minutos do encontro, a tensão nervosa dá lugar à libertação: O “Eu quero Sporting campeão” cede o lugar ao “Nós somos campeões...”.
Apito final. Agora sim, é oficial.
Seguem-se horas de espera pelos heróis da noite, forçados a levantar o troféu num estádio sem adeptos. Do lado de fora, estes concentram-se à porta da garagem do Estádio e no lado Campo Grande. Aguarda-se a saída do autocarro que levará jogadores e equipa técnica num prometido périplo pela capital, sem paragens, que a pandemia não deixa.
Mas os ponteiros do relógio parecem não avançar. A justificação chega enfim pela boca da PSP: não estão reunidas as condições para o desfile em segurança. A euforia sobrepõe-se aos apelos das autoridades e os confrontos entre adeptos e polícia viriam a marcar também a noite.
Enquanto esperam, milhares de adeptos caminham a pé na estrada pelas ruas da capital, entre carros, motas, trotinetes e bicicletas. Escuta-se a música OndeVaiUmVãoTodos. Ouve-se outros dos hinos: “Só eu sei...” e a Marcha do Sporting, de Maria José Valério.
O cordão humano estendeu-se de Alvalade até ao Marquês, num trajeto iluminado por tochas, potes de fumo e petardos. Um cordão “securitário” separava adeptos do local por onde a caravana leonina iria passar. Foi assim, a partir de metade da Fontes Pereira de Melo
“Estamos 19 anos à espera e não se vê nada. Não vi a camioneta, nem os jogadores a passarem”
Já perto da rotunda do Marquês de Pombal, objetos de pirotecnia servem de arma de arremesso numa relação, a espaços, difícil entre adeptos e forças de segurança. Às brechas na vedação, responde o famoso quadrado coberto de escudos para repor a ordem.
Sirenes de bombeiros misturam-se entre luzes verdes. Vão em auxílio de alguns feridos da chuva de estrelas cadentes. A impaciência dos milhares que ali esperam é acalmada por pingos de água que caem do céu.
Mas são poucos são os que arredam pé. “Esperámos 19 anos, podemos esperar 5 horas”, soltou uma miúda que aparenta vinte e poucos anos. O relógio marca 3h46m.
Três minutos depois, mais luzes destapam o imenso nevoeiro que liga toda a artéria que antecede o Marquês de Pombal e que acompanha a camioneta que transporta os heróis leoninos. Motas da polícia, batedores, “nós somos campeões, campeões, nós somos campeões...”.
Mas...Falso alarme. Ainda não é o autocarro pelo qual milhares estão à espera.
3h54m. Uma guarda pretoriana entra em cena no passeio de 360º da Rotunda do Marquês. Posicionam-se. Já pouco se consegue ver. O distanciamento social foi uma miragem, quer para as pessoas, quer para as tochas e potes de fumo. São às centenas. Fogo-de-artifício explode e tenta iluminar o céu. Em vão.
3h56m. “É Ele. É o autocarro”, grita alguém em êxtase debaixo de árvores do Parque Eduardo Sétimo. “Campeões, Campeões, Nós somos Campeões...”. Agora sim, acerta-se o ritmo.
Mas depois de “19 anos à espera, não se vê nada".
"Não vi a camioneta, nem os jogadores a passarem”, lamenta a mesma jovem voz, cujo rosto estava segue escondido por uma máscara.
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