Defesa central de 28 anos do Liverpool e da seleção nacional holandesa, Virgil van Dijk ficou em segundo lugar no prémio da Bola de Ouro, tal como já tinha ficado com o The Best. Em ambos os casos, um diminuto — para os padrões do holandês, pelo menos — craque de seu nome Lionel Messi levou a dianteira e recuperou o lugar como o mais premiado futebolista da história.
Com isto, põe-se um fim à "vanDijk-mania" que começou com a conquista da Liga dos Campeões por parte do Liverpool e que ganhou folgo quando o holandês venceu o prémio de jogador do ano da UEFA perante a concorrência de Messi e Ronaldo. Depois de, no ano passado, Luka Modric ter posto fim ao monopólio que permanecia desde 2008 entre os dois craques, chegou a ser esperado que van Dijk fosse um novo obstáculo na corrida entre o argentino e o português. Só que depois o The Best aconteceu.
Quando grande parte do universo futebolístico contava ver o holandês a ser distinguido pela FIFA, foi Lionel Messi quem foi premiado, tornando-se a sexta vez que o argentino recebia esse galardão. A opinião pública, de súbito, guinou: se, tal como os Globos de Ouro normalmente são uma antecâmara para os Óscares no universo cinematográfico, no futebolístico a a relação entre The Best e Bola de Ouro é algo semelhante. Outrora favorito a ganhar, van Dijk passava a ser encarado como o candidato à segunda posição.
Ganhando, teria sido apenas a quarta vez que um defesa central vencia a Bola de Ouro desde a criação deste prémio em 1956, depois das vitórias de Franz Beckenbauer em 1972 e 1976 e de Fabio Cannavaro em 2006 (sexta se contarmos com as vitórias de Lothar Matthäus em 1990 e Matthias Sammer em 1996, sendo que ambos eram médios que se tornaram líberos mais tarde nas suas carreiras e só o segundo recebeu o prémio já a jogar nesta posição).
Esteio da defesa de um Liverpool que venceu a Liga dos Campeões frente ao Tottenham (numa final onde foi homem do jogo), o central juntou-se à corrida pelo seu papel nesta conquista, sendo que só não teve uma temporada 2018-19 melhor porque os Reds ficaram em segundo lugar na corrida pela Premier League — à frente ficou o Manchester City — e porque a sua Holanda caiu perante Portugal na final da Liga das Nações.
Um gigante que levou o seu tempo a subir ao topo do futebol europeu
Defesa central completo e crescido naquilo que são as exigências do futebol moderno, Virgil van Dijk é conotado como o principal responsável por dar a solidez defensiva que há tanto escapava ao Liverpool e que fez dos Reds uma equipa finalmente capaz de disputar títulos.
Do alto dos seus 1,93 metros, o holandês não só possui uma capacidade atlética notável, tornando-o rei no jogo aéreo e no um-para-um, como se sente confortável com bola, tendo uma capacidade de passe que permite ao Liverpool começar a jogar de trás. A sua consistência a defender tem sido tal que, segundo escreve o jornalista Phil McNulty na BBC, o drible que perdeu para Nicolas Pepe a 24 de agosto frente ao Arsenal foi a primeira vez desde março de 2018 em que um jogador passou por si, e foi o jogador que mais duelos ganhou nas cinco principais ligas europeias em 2018-19.
Mas para além da sua capacidade futebolística, é a presença em campo que o tem colocado num patamar acima dos demais. Nunca perdendo a compostura e mantendo a capacidade de liderança, mesmo em situações limite — o próprio diz que nunca fica nervoso, pois isso faz de si um pior jogador —, van Dijk tornou-se rapidamente numa referência no balneário, tanto que era o capitão do Southampton e o selecionador holandês, Ronald Koeman, promoveu-o ao mesmo estatuto na “Laranja Mecânica” em 2018.
Contudo, chegar ao topo do futebol europeu aos 28 anos parece tardio para um jogador da sua qualidade, especialmente comparando-o ao percurso dos seus pares. Segundo o Bleacher Report, jogadores como Raphael Varane, Sérgio Ramos, Gerard Pique e Diego Godin, com a sua idade, já tinham despontado tanto a nível de clubes como a nível internacional.
Tal pode dever-se a um desenvolvimento lento, a começar pelas dificuldades que enfrentou na academia do Willem II, clube localizado em Tilburg, perto de Breda, onde nasceu. Por um lado, o rápido crescimento que hoje o favorece deu-lhe problemas de joelhos e nas virilhas, tendo conseguido ultrapassá-los após fisioterapia. Por outro, começou a sua carreira a lateral e, apesar já demonstrar potencial, sofria críticas por falta de ética de trabalho e por depender excessivamente do seu físico.
Foi a mudança para o FC Groningen, na outra ponta do país, que o fez despontar verdadeiramente na posição que nunca mais deixou, fazendo até conquistar o seu lugar na equipa principal. Duas épocas promissoras entre 2011 e 2013 não chegaram para despertar o interesse dos grandes holandeses (PSV, Ajax e Feyenoord), mas van Dijk optou por não esperar por eles, seguindo um percurso, nas suas palavras, “invulgar”, ao ir para os escoceses do Celtic.
Jogando num patamar de exigência superior, disputando títulos (venceu duas ligas escocesas e uma taça da Escócia) e batendo-se nas mais altas lides do futebol europeu, foi no Celtic que começou a desenvolver-se verdadeiramente, recebendo uma tímida chamada à seleção holandesa, num jogo de qualificação para o Euro 2016 frente ao Cazaquistão.
Porém, ainda não foi a vestir de verde e branco que os grandes clubes da Europa repararam no seu talento. Quem contou com os seus préstimos em 2015 foi o Southampton, presença assídua na metade da tabela da Premier League, onde passou duas épocas e meia até se mudar para Liverpool, em janeiro de 2018. Foi lá onde se tornou um dos melhores centrais a jogar em Inglaterra, tendo treinado sob a tutelagem de outro grande defesa central do seu tempo, Ronald Koeman. Foi, de resto, também sob as suas ordens onde, mais tarde, se tornou presença assídua nas convocatórias para a seleção holandesa
A sua consistência nos Saints levou o Liverpool a desejá-lo no mercado de verão de 2017/18, mas não foi aí que van Dijk trocou o sul de Inglaterra pelo norte. Seria preciso esperar até ao inverno para os Reds levarem à sua avante. Comprado por quase 85 milhões de euros, foi, à época, o defesa mais caro de sempre, tendo sido o eleito ao fim de um processo exaustivo de escolha onde foram analisados outros 33 defesas centrais.
Essa elevada fatura, juntamente com o facto de ter sido adquirido em plena época — e, por isso, enfrentando dificuldades de adaptação a uma nova equipa —, fez com que a sua estreia no clube fosse de pressão. Contudo, o primeiro jogo foi de sonho, ao fazer o 2-1 vencedor frente aos rivais locais do Everton na terceira eliminatória da Taça de Inglaterra a 5 de janeiro de 2018.
Encaixando que nem uma luva no Liverpool de Klopp, van Dijk passou a comandar a defesa de uma equipa que, desde que entrou, ganhou outro élan competitivo. Apesar de ficarem rapidamente arredados do campeonato em 2017/18, os Reds foram à final da Liga dos Campeões em Kiev nesse ano, perdendo por 3-1 contra o Real Madrid, num jogo onde não foi a linha defensiva, mas o guarda-redes Karius, a ter a maior parte das responsabilidades na derrota.No ano seguinte, já se sabe o que aconteceu. O Liverpool foi campeão europeu sob a sua égide defensiva e só não venceu o campeonato porque o Manchester City de Pep Guardiola foi ainda mais impressionante.
"Lightning in a bottle" é uma expressão anglo-saxónica usada para descrever um sucesso repentino que dificilmente terá seguimento. Tal pode descrever a temporada de van Dijk que o levou a disputar estes prémios taco-a-taco com os deuses do futebol moderno. É altamente improvável que o holandês volte a ter a mesma oportunidade, mas nada disso serve para obscurecer o percurso brilhante que o levou até aqui. Será necessário esperar para ver, mas van Dijk não se deve importar — paciência já teve ele para chegar aqui.
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