“Um dia recebi um SMS de uma senhora dizendo que tinha um clube em Itália para mim. Estava sem jogar, fomos, treinei e no final perguntaram-me quanto é que eu queria. Respondi para falarem com a senhora... ela pediu um monte de dinheiro. Mandaram-nos embora do hotel. Não tínhamos sítio para ficar... ficámos no comboio, em Nápoles, cheio de frio... foi tudo na base da confiança, eu nem sabia qual era o clube. Liguei para uns amigos que nos arranjaram um hotel (era uma 6ª feira e pedi para ficar até 2ª feira). Não deixei a senhora na rua”.
Esta é uma das (muitas) histórias de Fábio Paim, contadas pelo próprio na sua passagem pela Universidade Europeia durante a conferência “Do anonimato para o mundo da fama: a carreira de um futebolista”. De estrela de futebol adiada nascida em Alvalade, onde entrou aos 6 anos, que teve Jorge Mendes como empresário, pisou o campo de treinos do Chelsea, mudou mais dez vezes de clube, que passou por Portugal, Inglaterra, China, Angola, Lituânia, Luxemburgo e a última camisola que vestiu foi a do Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol (SJPF), Paim teve e poderia ter tido o mundo a seus pés. Mas desabou. Por culpa própria, assume e alheia, aponta.
A fama que tem hoje é menos pelo que fez e mais pelo que poderia ter sido, mas não foi. Sendo que o próprio deixa transparecer que nunca o quis ser, tendo feito tudo aquilo que sempre quis. Fora de campo, quem o segue nas redes sociais não o deixa cair no esquecimento. Um recente vídeo viral em que aparece em situações íntimas com uma mulher prova isso mesmo. “Perdi o telemóvel e alguém colocou o filme. Nunca faria isso”. Não faz faltas dessas. “Depois comecei a receber mensagens de muitas mulheres a dizerem coisas”, ri.
Hoje está sem clube. Outra vez. Frontal, direto, sem ser politicamente correto, quer ajudar. Quer que os outros aprendam pelo menos qualquer coisa com ele. Não tanto com o toque de bola que tinha (e diz ter) dentro dele, mas antes com o rol de disparates e erros que cometeu ao longo dos anos. “Fiz as coisas que tinha de fazer. Fiz o que eu queria fazer. Sinto-me arrependido por um lado, mas por outro não. Tinha que acontecer aquilo...”, aceita.
Paim não quer ser recordado como nada. Nem comparado a Ronaldo, nem coisa nenhuma, respondendo que só deve satisfações às pessoas que gostam dele e a mais ninguém. “Apenas quero estar com a minha família”, chuta.
Os cinco minutos de espera de Didier Drogba
Saiu de casa aos 6 anos, em Alcoitão. Começou a jogar no bairro. Num torneio com Sporting e Benfica, “joguei com o cartão de outro miúdo que tinha 7”. Fintando tudo e todos foi para Alvalade viver no Lar dos Jogadores. “Era a melhor coisa que me podia acontecer na altura. Não tinha possibilidade em casa. Ia à escola”. Os tempos, hoje, são outros e talvez por isso garanta: “agora sei como é, tenho um filho de 4 anos e não deixava...”
O maior cheque que recebeu foi de leão ao peito. “Fiz um contrato que não há muitos jogadores a fazê-lo”, recorda. À pergunta sobre o que fez ao primeiro dinheiro que ganhou responde com um sorriso como se tivesse marcado golo: “gastei”.
Era assim. “Um dia estava a sair de casa, estava a chover e eu disse: fogo todos os dias isto...comprei um carro, mas não tinha carta...”. O resto já se sabe. É a tática da bola para a frente. Um carro. Mais outro. E mais outro. Mais gastos aqui. Mais gastos acolá e o “dinheiro voou”, abre o jogo. “Maus investimentos. E fui roubado, é essa a palavra”, atira sem receio. “Estava sozinho e infelizmente não ouvia algumas pessoas, e isso tudo levou a que... claro toda a gente anda atrás do mesmo”.
Se aos 15 anos as expectativas eram enormes do que poderia fazer, aos “21 anos já era velho”, defendeu o agente FIFA Carlos Gonçalves. Por essa altura, o talento de Fábio foi, pela mão de Jorge Mendes, dar um ar de sua graça nos londrinos do Chelsea. “Um dia pedi ao Drogba se podia dar-me boleia para os treinos, porque ele passava pela minha casa. Ele combinou uma hora... aquilo passou-me.… nem sei o que estava a fazer... ele estava cá fora a buzinar... não tinha o número dele.… pedi desculpa, normal, ele é uma pessoa normal, na boa. Nem 5 minutos esperou (risos)”.
Comprou uma casa para a mãe. Hoje tem lá o seu cantinho
A paragem em Londres foi curta. É o fim da primeira parte. Regressa a Portugal, em janeiro, é inscrito no Real de Massamá e é a partir daí que a carreira começa a estar fora de jogo. Começa a acelerar e ninguém o trava. Noitadas, más companhias, mudanças de clubes e salários em atraso. “Há coisas que não lemos, há outras que não sabemos”, reconhece.
“Habituamo-nos a um estilo de vida e é difícil quando a gente o baixa. Mas claro, quando temos mais fazemos mais, quando temos menos fazemos menos. É o lema da vida”. Uma vida que disse, em entrevista ao Expresso, ficar contente se chegar aos 50 anos. Explica porquê. “É uma correria muito grande, conseguirmos sustentar-nos, fazer com que a nossa família fique bem e não dependa de nós. Tenho 28 anos, já tive parado sem jogar, já joguei em clubes que não me pagaram, não é fácil sobreviver a isso. Ajudar o meu filho e lidar com tudo isto não é fácil”, reforça.
Bola para a frente. “Às vezes nem eu sei qual é o meu dia-a-dia. Não sei o que vou fazer daqui bocado, vou treinar... só sei que vou buscar o meu filho”, garante. Diz que é humilde, que não liga a dinheiro e tem os pés bem assentes na terra. Bom rapaz, encara a vida com um sorriso nos lábios. “Sempre”, diz sem hesitar. “Graças a Deus sou um miúdo muito feliz. Tenho uma enorme família e isso é o mais importante”.
Em jeito de lamento, abranda o jogo. Perde o brilho do sorriso e sublinha que tem estado “estes anos sozinho”, sendo que o “sozinho” aparece “entre aspas”. Reconhece que tem tido “muita ajuda da família e de alguns amigos” e do Sindicato de Jogadores e do presidente (Joaquim Evangelista). “A família ajuda com tudo o que eu preciso. Tenho o meu cantinho, na casa da minha mãe que ajudei a comprar e agora vivo lá. É o mais importante, ter um sitio para estar, confortável, ter o apoio da família e não faltar nada. Isso é 90% para viver e poder fazer as coisas”.
Mantém os amigos com quem cresceu. É a sua equipa. “Sou um menino do bairro e sempre vou ser, tenha muito ou pouco, é onde não me deixam cair, tenho apoio, e onde me sinto bem”. Energias recuperadas, a bola rola de novo.
Quer continuar a jogar. “Enquanto conseguir vou correr atrás do meu sonho”. Diz ter tudo para continuar a jogar à bola. Um bom clube para mim? “Não estou em situação de exigir nada..., mas queria um clube com as mínimas condições em que pudesse começar a trabalhar, ganhar algum ritmo”, contra-ataca.
Tem convites e propostas. Umas boas, outras nem tanto. Nada certo. Certo mesmo, e em cima da mesa à espera da assinatura, está um desafio colocado pelo Sindicato dos Jogadores. Joaquim Evangelista pretende transformar o jogador num orador, para que o seu testemunho possa ajudar outros. Desvenda o nome que tem o nome do próprio: P.A.I.M. – Posso Ajudar a Inspirar o Mundo.
“Sempre dei o meu testemunho. Sempre dei a cara pelas coisas menos boas que fiz. São coisas que mesmo as pessoas mais velhas fazem. Todos cometemos erros”, assume o jogo. “Escolheram-me a mim para tudo isto acontecer”, recua. “É a vida... temos que levantar a cabeça e começar a fazer outras coisas, e poder ajudar outras pessoas também”, avança de forma altruísta.
De casaco encarnado, chapéu branco, ténis coloridos, relógio dourado, brincos e longas tranças, é o “selfie” ideal para os fãs. Despede-se da Europeia dizendo que prefere jogar. Falará enquanto não tiver clube. Ou mesmo se tiver, se “houver espaço”. Não leva nada em troca. “É bom para mim falar com as pessoas. É bom para as pessoas ouvirem. Não é só no futebol. É como na vida. Encaixa-se em qualquer tipo de trabalho. É uma lição para além do futebol”, remata. Fim de conferência. Fim de jogo. Que para Fábio Paim foram só mais 90 minutos em campo...a falar e a ouvir.
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