O bom filho a casa torna, diz o ditado. Disseram-no, também, os adeptos portistas, que viram regressar ao seu estádio um dos homens que escreveu uma das páginas mais bonitas da história do clube azul e branco. Quase dez anos após uma saída que alguns dos mais ferrenhos ainda encararão como “traição” (mesmo aqueles que entendem que foi só o mundo do cifrão a falar...), André Villas-Boas voltou a pisar o mesmo Estádio do Dragão onde construiu uma equipa que, para além de internamente ter feito jus à cidade – Invicta – conquistou ainda, e uma vez mais, a Europa do futebol.

Ao longo destes anos, Villas-Boas nunca se esqueceu do seu clube do coração, descrição que voltou a repetir na véspera deste encontro. Ainda em 2011, já no Chelsea (clube que também veste azul e branco), o treinador português foi ao Coliseu do Porto receber um Dragão de Ouro e declamar alguma da melhor poesia que por ali passou, aquele Porto, palavra exacta à cabeça. Já este ano, e já no Olympique de Marseille (outro clube que também veste de azul e branco), deixou no ar a possibilidade de se vir a candidatar a presidente do clube, assim que Jorge Nuno Pinto da Costa abandonar. Para já, foi bonito vê-lo abraçado a Sérgio Conceição, ainda antes do apito inicial.

Por tudo isto, este nunca seria apenas um jogo; seria um desfilar de memórias que se fincaram eternas no coração de todos os que têm a sorte de ser portistas e ter nascido para ver e viver tantos e tantos anos de glória. Seria uma melancolia tépida, colocando frente a frente amado – FC Porto – e amante – Villas-Boas, num combate que muito poucos quereriam disputar. Ainda para mais estando tanto em jogo: a passagem aos oitavos-de-final da Liga dos Campeões e todos os milhões de euros que daí vêm, ponto especialmente importante e ainda mais depois de os Dragões terem apresentado um prejuízo de 116 milhões de euros.

créditos: ESTELA SILVA/LUSA

O FC Porto entrou para este jogo numa das piores fases da era Conceição. Os campeões nacionais não se têm mostrado na sua melhor forma, com a linha defensiva em destaque, pelas piores razões. Em oito jogos oficiais, o FC Porto sofreu doze golos, três dos quais na última jornada do campeonato, em nova derrota, frente ao Paços de Ferreira. As ausências de Zaidu e Pepe, nessa partida, poderão ter contribuído para o descalabro, mas não explicam tudo. Esta noite, o lateral esquerdo regressou ao onze titular, ao passo que Pepe, por lesão, ficou de fora. A substituí-lo, Sarr. Na frente, Marega contou com o apoio de Luis Díaz à sua esquerda, jogando no esquema onde melhor rende: o 4-4-2.

Antes do início da partida, houve espaço para a música. E não, não estamos a falar do hino da Champions, daqueles segundos que se ouvem alto e bom som em qualquer estádio, e que levam os adeptos a um fervor quase religioso. Falamos, isso sim, de uma iniciativa do Olympique de Marseille, em parceria com a Puma, que juntou e irá juntar músicos locais aos das cidades onde a equipa francesa jogará a melhor competição de clubes do mundo. No Porto, o rapper Achim juntou-se ao (enorme) talento local Keso para quatro minutos de hip-hop entre as línguas francesa e portuguesa, tendo a cidade como pano de fundo, e de onde se salienta um verso dedicado a um dos grandes jogadores que passou por um e outro clube: Lucho González, mais Comandante que Che Guevara.

No mesmo dia em que os Estados Unidos votaram para eleger o seu próprio Comandante, o FC Porto entrou no jogo a querer mostrar quem manda no Dragão. Logo aos 4 minutos, Marega regressou aos golos, empurrando para o fundo de uma baliza aberta a bola que Corona, após ter sido feliz num ressalto, lhe enviou. O maliano, talvez em resposta aos críticos (que não surgiram esta época...), festejou com ar carrancudo.

O FC Porto trocava bem a bola e mostrava-se agressivo na reação à sua perda, mas pouco depois foi o Olympique a ter uma grande oportunidade para marcar. Thauvin, após uma grande finta, é derrubado na área por Sarr, que abordou mal o lance. Penálti bem assinalado, que Payet, chamado a converter, atirou por cima. O Dragão respirou de alívio, mas viu os franceses a tomarem a iniciativa do jogo após o 1-0, ainda que a luta se tenha desenrolado sobretudo a meio-campo. Muito segura defensivamente, a equipa de Sérgio Conceição praticamente não concedeu espaços à equipa do sul de França, que não conseguiu chegar com critério à baliza de Marchesín: zero remates enquadrados em toda a primeira parte.

A partir dos 25 minutos, o FC Porto despertou. Um livre de Sérgio Oliveira é socado por Mandanda, que nada pôde fazer logo no minuto seguinte: Amavi derruba Corona na área, o árbitro espanhol, Mateu Lahoz, de imediato assinala grande penalidade. Hoje capitão, Sérgio Oliveira anulou os azares recentes do FC Porto no que às grandes penalidades diz respeito e rematou de forma categórica. 2-0. Justificava-se o resultado não tanto pelo que o FC Porto produziu ofensivamente, mas sim por não ter desperdiçado o pouco que fez.

Aos 29 minutos, Marega poderia ter feito o segundo da conta pessoal e o terceiro da partida, mas o golo – após ter aparecido isolado, cara a cara com Mandanda – foi anulado por fora de jogo. Decisão acertada de Lahoz, que praticamente na jogada seguinte se viu obrigado a recorrer ao VAR, após assinalar penálti na área do FC Porto por suposta mão de Uribe. As câmaras mostraram que não foi bem assim: a bola acerta no peito do colombiano. A angústia dos franceses, na hora dos penalties, mantinha-se assim acesa.

Até ao intervalo, Marega voltou a ter nos pés uma nova oportunidade para ampliar a vantagem dos Dragões, mas a bola acabou interceptada pela defesa do Olympique. O maliano, bem o sabemos, não tem a técnica como um dos seus pontos fortes, e hoje voltou a demonstrá-lo – apesar de ter dado ao jogo uma entrega e uma raça que fazem dele um jogador imprescindível para Sérgio Conceição. Os franceses tinham mais bola – 57% contra 43% ao fim dos primeiros 45 minutos – mas a equipa portista atacava mais vezes: 9 ações na área adversária, contra 6 da turma de Marselha.

Conceição, assim como todos os adeptos portistas, exceção feita a André Villas-Boas, podiam assim respirar de alívio à entrada para a segunda parte. Uma vez mais, o Olympique voltou a ter a iniciativa do jogo, mas encontrou sempre pela frente um FC Porto bem organizado defensivamente, destacando-se sobretudo Zaidu.

O lateral esquerdo, contratado ao Santa Clara, constitui muito provavelmente a melhor contratação que os campeões nacionais efetuaram esta época, e um digno substituto de Alex Telles, tanto a defender como a atacar. Logo aos 48 minutos, foi uma corrida sua a apanhar desprevenida a defesa francesa, que cedeu canto. Na sequência do mesmo, uma jogada estudada, com Corona a picar a bola para a área, acaba com um cabeceamento de Zaidu, que passou a poucos centímetros do poste esquerdo de Mandanda.

O Olympique raramente chegou à área azul e branca com perigo, e praticamente só o fez de bola parada. A primeira defesa digna desse nome por parte de Marchesín surgiu apenas aos 76 (!) minutos, após um remate fraco, e de longe. Poucos minutos antes, o FC Porto já havia chegado ao 3-0 numa daquelas jogadas para ver e rever, e da qual só se lamenta não ter sido festejada por 40 mil pessoas num estádio.

Corona galga metros atrás de metros, entrega de calcanhar para Luis Díaz (enganando a linha defensiva do Olympique, que julgava que a bola iria para Marega), o colombiano atira com toda a categoria para o fundo das redes. O FC Porto garantia a vitória, e uma verdade: Jesús Corona não pode, a bem do futebol, voltar a tapar um qualquer buraco na lateral direita. Os Deuses assim o exigem.

Díaz acabaria por sair, dando lugar a Nakajima, que ao contrário dos três últimos jogos esteve algo perdido em campo – se bem que, com 3-0, isso já não importasse assim tanto. Fábio Vieira, que acabou o jogo a capitão em mais um momento delicioso para o coração portista, Grujić, Baró e Taremi também entrariam até final, com o FC Porto a falhar ainda duas ocasiões clamorosas para fazer o quarto golo, ambas com Marega no lance.

Nos poucos minutos que esteve em campo (entrou aos 89), o sérvio teve ainda tempo para apertar o pescoço a um jogador adversário, na área portista, mas nem Lahoz nem o VAR disseram o que fosse, prolongando as angústias de um país que já tinha levado com um Sartre. Vitória mais do que justa do FC Porto, que assim se isola em segundo lugar, atrás apenas do Manchester City, e após uma exibição em que controlou o adversário do início ao fim. O caminho para os oitavos-de-final ficou mais curto.