Tendo acompanhado o Liverpool de Klopp desde o início, com muitas linhas escritas sobre o mesmo, temos visto a incrível evolução da equipa liderada pelo alemão. As maiores diferenças foram-se constatando à medida que se viu entrarem na equipa jogadores como Alisson Becker, Virgil van Dijk, Fabinho, Mane, Mohamed Salah, etc…, assim como alterações ao nível técnico, tático e exibicional.
Essas mudanças, com a entrada de jogadores de qualidade, são importantes, fáceis de observar e com resultados mais ou menos imediatos. Após todas as etapas da evolução deste super Liverpool, chegou agora a fase seguinte do processo de metamorfose dos Reds. Difícil de definir as diferenças do Liverpool de há uns meses ou até da temporada passada para o de hoje, mas a grande diferença está na aura que transmite. No à vontade e conforto que apresenta quando entra em campo.
Uma das razões que nos poderiam levar a perceber que o Liverpool era uma equipa que, apesar de parecer confiante, era ainda assim algo insegura, era a vontade, determinação e poder físico com que entrava nas partidas. Obviamente que, dependendo do adversário, a estratégia ideal é ‘esmagar’ desde o primeiro minuto do encontro. Sirvam para isso exemplos dos embates frente ao Manchester City ao longo dos últimos anos. Um completo e total domínio dos Reds, que se deve à sua impressionante determinação e capacidade de manter linhas de pressão que impeçam, com extrema regularidade, o Manchester City de jogar livre e a seu bel-prazer entre linhas. Contudo, frente a outras equipas, o Liverpool raramente joga de maneira diferente. O que nos levava a pensar, com frequência, até quando conseguiriam eles aguentar este ritmo e intensidade.
Ontem as coisas mudaram. A aura, a confiança e a certeza de que este era apenas mais um jogo, foram óbvias desde o apito inicial do árbitro Michael Oliver. A jogar fora, no King Power Stadium, casa do Leicester City — segundo classificado e detentor de um futebol entre os melhores da liga esta temporada — o Liverpool não pareceu minimamente ‘inseguro’. Não sentiu a necessidade de entrar a todo o gás, tentando acabar com o jogo de imediato, demonstrando, ao contrário de outros jogos, uma enorme confiança em si, independentemente do tempo de jogo continuar a correr, sem que o jogo parecesse decidido. O que aconteceu com 0-0, mas também com 0-1 a seu favor, que permaneceu no marcador por 40 minutos de jogo.
A forma como este deixou o Leicester tomar as rédeas do jogo na primeira parte, a forma como controlou o início do encontro ‘com os olhos na bola’, a forma como recuou o habitual bloco alto, jogando com um bloco médio — abdicando quase de três jogadores —, uma vez que a capacidade das Raposas de Brendan Rodgers de sair a jogar é tremenda, e sem serem pressionados, os jogadores do Leicester conseguem criar espaço suficiente no seu meio campo para contornar a linha frontal de qualquer equipa que, mais uma vez sublinho, não pressione alto e que ao mesmo tempo não recue os homens da frente.
A confiança no meio campo e na linha defensiva foi tal que era apenas uma questão de tempo até que duas coisas acontecessem. A primeira, que o Leicester encontrasse a solução certa, quer pelo meio, quer pelas alas, para sair a jogar. A segunda que o Liverpool resolvesse a questão sem problemas de maior, já dentro do seu próprio meio campo, saindo em contra-ataque através do trio que ainda agora não se esgotara fisicamente em pressão ao adversário.
Após o encontro Jürgen Klopp atribuiu o cansaço da longa época e o calendário exaustivo em volta da época natalícia, como desculpa ao facto do Liverpool não ter conseguido impor a sua habitual intensidade. Pois bem, eu diria que o treinador da mais que provável equipa campeã da Premier League na presente época, está apenas a ser modesto, ou está inclusivamente a não querer chamar à atenção para o magnífico jogo e a excelente estratégia que este e a sua equipa técnica montaram para o seu duelo do Boxing Day.
Sabendo de antemão que o Leicester City não abdicaria da sua forma de jogar, principalmente se não pressionado a todo o gás, o Liverpool foi habilidosamente ganhando metros ao longo do encontro. Deixando a equipa da casa jogar, saindo em contra-ataque e, com o passar do tempo, deixar que os seus jogadores fossem conseguindo segurar o adversário no seu meio campo com mais frequência. E assim foi, começando com um bloco médio, passando para um total domínio de jogo em posse pouco tempo após o início da segunda parte, acabando com um sufoco — devido ao decréscimo de rendimento do Leicester, previsto também ele por Klopp — que permitiu usufruir dos erros do adversário, agora já mais perto da baliza do mesmo, o que levou à goleada que espelha a tremenda capacidade, e agora versatilidade, que os Reds têm.
Para o Liverpool, chegar assim ao Natal a um jogo de atingir precisamente a primeira metade do campeonato, começarmos a não ter medo de dizer que estará encontrado o campeão, é algo nunca visto e do qual temos que falar. E a principal razão para se começar a poder afirmar isso é esta nova versão do Liverpool que parece estar em estado de graça após se exibir desta forma, menos exigente do ponto de vista físico, encarando o adversário sem pressa de acabar com o jogo. Claramente que esta diferença está diretamente ligada à sobrecarga de jogos que a equipa enfrenta, mas também à que irá de lidar com a chegada da fase a eliminar da Liga dos Campeões. O Liverpool está de tal forma a exibir-se em níveis tão superiores à concorrência que se dá ao luxo de colocar em prática diferentes estratégias para a época, precisamente frente ao segundo classificado da sua liga.
Se pegarmos na consistência física que o Liverpool apresenta no momento, sem lesões graves e com provas dadas de que consegue manter a intensidade durante toda a época, e juntarmos a isso toda a versatilidade exibida ontem, é caso para dizermos que, temos de facto um super Liverpool em mãos. Um Liverpool tão forte que, para ser batido, não só a equipa adversária, seja ela qual for, tem que estar num dia muito positivo, como a própria equipa de Klopp tem de estar a passar um dia menos bom.
De agora em diante, sempre que tivermos a oportunidade de ver jogos do Liverpool e este enfrentar uma equipa teoricamente mais fraca, num período da temporada em que o calendário esteja sobrecarregado, podemos ter a certeza que as armas do Liverpool podem mudar consoante diversos fatores, sem a sua capacidade exibicional ser afetada e que tal poderá ter começado a ser colocado em prática no Boxing Day de 2019.
No seguimento daquilo que falamos, uma nota de grande apreço por este Leicester City de Brendan Rodgers. Não só por estar em segundo, ou pela grande qualidade futebolística que apresenta na esmagadora maioria dos jogos em que compete, mas sim, e principalmente, pela forma como ontem se guiou pelos seus princípios de jogo, do início ao fim da partida. É fácil cair na armadilha de mudar de estratégia pensando no adversário. Poderá parecer uma contradição, tendo em conta o que dissemos do Liverpool, mas aqui reside o segredo para o facto do Leicester, neste momento, se apresentar em tão boa forma. Tendo tido a oportunidade de jogar o seu tipo de futebol contra tão poderoso meio-campo e defesa, como são os do Liverpool, o Leicester pode não ter ganho ponto algum, mas garantiu que, da próxima vez que enfrentar um adversário, a sua forma de jogar esteja ainda mais rotinada e à prova de erros, uma vez que se propôs enfrentar o desafio que é o Liverpool jogando à sua maneira. Ao contrário dos Reds, os Foxes estão num estádio de desenvolvimento que não lhes permite tão grande variabilidade. Não só o grupo poderá não ter essa capacidade de adaptação, os indivíduos, pela sua menor qualidade técnica, tendo como termo de comparação o adversário de ontem, não terão a capacidade de ser tão versáteis.
Por fim podemos concluir que o processo de evolução tática e estratégica de uma equipa é algo que leva tempo e que só poderá avançar, quer em intensidade quer em versatilidade, após ter a qualidade necessária e o tempo (experiência/erros) necessários como base do seu trabalho. O Liverpool é um caso que servirá de exemplo a muitas outras equipas nos anos vindouros. Poderá ser curioso tentar perceber quais os clubes que estão a prestar a devida atenção e a retirar, para si, as devidas ilações.
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