“Se a montanha não vai a Maomé, vai Maomé à montanha”.

O Provérbio tem costas largas, usa e abusa, nos mais diversos contextos, o movimento do monte Safa às “ordens” do Profeta.

O Rali Dakar, a mais desafiante e emblemática competição de Todo-o-Terreno a nível planetário, assentou “praça” durante dois anos em Portugal (2006 e 2007) antes de mudar de ares e continentes, primeiro para as Américas e, depois, ter viajado para o mundo árabe, onde, ainda hoje, permanece.

Foi preciso esperar até 2024 para que o território nacional volte a trepidar com os motores e o público português, e espanhol, voltem a babar-se com os heróis das dunas nas estradas portuguesas (mais a perninha espanhola).

E eles e elas estão de volta. De 2 a 7 de abril, equipas e pilotos de automóveis, motos e SSV + disputam o BP Ultimate Rally-Raid Portugal  primeira prova do Campeonato do Mundo da Federação Internacional Automóvel (FIA) e Federação Internacional de Motociclismo (FIM) de Rally-Raid realizada em Portugal.

A prova será dividida em cinco etapas, estende-se por 1758 quilómetros (1008 cronometrados), une dois países, Portugal e Espanha e rasga três regiões, num percurso que liga Grândola, no litoral Alentejo, ao Baixo e Alto-Alentejo e se estende até Badajoz, estremadura espanhola e Ribatejo.

 Portugal no mapa-mundo

Ao abrigo da chancela organizativa do Automóvel Club de Portugal (ACP), o BP Ultimate Rally-Raid Portugal é a única prova do Campeonato do Mundo de Rally-Raid realizada na Europa.

“É importante ter um etapa na Europa e estamos contentes por decorrer em Portugal, em troços que conhecemos bem quando organizámos o Dakar (2006 e 2007), incluindo algumas etapas que os pilotos podem voltar a correr”, disse, numa mensagem vídeo, David Castera, diretor da área de desportos motorizados da Amaury Sport Organization (A.S.O.), promotor do Campeonato do Mundo de Rally-Raid (W2RC) -, competição criada em 2022 pela Federação Internacional Automóvel e Federação Internacional de Motociclismo.

“Com uma etapa em Espanha, a variedade do percurso será enorme e espero que começamos outra vez a escrever em conjunto história”, terminou David Castera, referindo-se à organização de provas míticas do desporto automóvel.

No prólogo, dia 2, na Vila que é Morena e à volta da qual muito se tem cantado ao longo dos 50 anos de Abril, terá, na linha de partida, alguns dos sonantes pilotos do automobilismo e motociclismo internacional que alinharam, em janeiro, no arranque do Mundial, no Rali Dakar, na Arábia Saudita.

A exceção será a Audi e Carlos Sainz, piloto espanhol de 61 anos que venceu a mítica prova com o protótipo Audi RS Q e-tron pela 4.ª vez, um histórico triunfo alcançado ao volante da quarta marca diferente (Volkswagen, Peugeot e Mini).

Entre os inscritos, estão o bicampeão mundial de Rally Raid e cinco vezes vencedor do Dakar, Nasser Al-Attiyah (Prodrive Hunter), a espanhola Cristina Gutiérrez, vencedora do Dakar na categoria Challenger (ex-T3), e segunda mulher a consegui-lo, o bicampeão do Dakar, o norte-americano Ricky Brabec (Honda) e o líder do Mundial de Rally-Raid, Ross Branch (Hero), nas motas e, por fim, o português João Ferreira, piloto oficial da Can-Am na categoria SSV (ex-T4), vencedor de 3 etapas e 8 pódios na 46.ª edição do Dakar.

 Aprender com os melhores do mundo

Ao SAPO24, o campeão nacional, João Ferreira, piloto leiriense de 24 anos, em dupla com Filipe Palmeiro, recordou que o 5.º lugar foi “bastante positivo” no Dakar 2024, “o melhor resultado até hoje”, disse.

Compara a etapa portuguesa, e única na Europa, com a aventura no Deserto arábico. “É um mini-Dakar, uma prova de cinco dias. Os pilotos que competem em Portugal não estão habituados a provas tão longas, mas estas corridas fazem falta, são sempre bem-vindas e é um orgulho e oportunidade enorme para Portugal, para as câmaras e toda a gente disfrutar de uma etapa do mundo no nosso país”, sublinhou João Ferreira.

“É excelente ter oportunidade de ter os melhores pilotos de Portugal e espanhóis a bater com os melhores do mundo e que estão a fazer o campeonato de mundo. É com eles que aprendemos e evoluímos”, frisou.

Para o piloto leiriense, a 3.ª etapa do W2RC 2024 a decorrer nas estradas portuguesas pode constituir, à primeira vista, uma vantagem para os pilotos portugueses. “São terrenos mais favoráveis para nós, que conhecemos mais e podemos tirar vantagem”, antecipou.

“Não subestimando o valor dos melhores do mundo que costumamos ter na Baja de Portalegre, acho que temos grandes hipóteses de fazer grandes resultados”, acrescentou, embora ressalve que “os candidatos à vitória continuam a ser eles (pilotos do campeonato do mundo)”.

Personalizando as ambições, a dupla nacional assume. “O nosso objetivo é ganhar a prova e começar a fechar o intervalo de pontos que tenho em relação ao 2.º classificado”, finalizou.

“Este Rally era um sonho”.

“Não podíamos estar fora deste campeonato do mundo. Já tínhamos a Baja de Portalegre para a Taça do Mundo e este Rally-Raid era efetivamente um sonho”, assumiu Carlos Barbosa, presidente do ACP, durante a conferência de imprensa que decorreu nas instalações do Automóvel Clube de Portugal, em Lisboa.

“O sobe e desce de dunas não tem piada. Temos trial, areia, sem areia e etapas muito técnicas”, descreveu. “Será um desafio gerir desgaste de máquinas e pilotos”, antecipou.

Carlos Barbosa não perdeu a oportunidade e o palco para elogiar as sete maravilhas do Portugal interior e lançar críticas ao poder executivo.

“Os governos não estão interessados com o interior do país e só lá vão em eleições”, criticou o presidente do ACP.

Realçando o apoio inexcedível prestado pelas câmaras municipais e pelas forças de segurança para tornar possível a prova, esta, por sua vez, serve para mostrar “a economia a crescer no interior do país”.

Tal como acontece com o Rali de Portugal, leva “gente a dormir e comer, a conhecer a zona e a voltar”, sintetizou. “É importante levar estas provas para o interior de Portugal, porque enchem hotéis, enchem restaurantes, atraem público... O interior precisa de uma economia forte e de eventos como este", reforçou ao antecipar a viagem de cinco dias pelos concelhos de Grândola, Santiago do Cacém, Abrantes, Alcácer do Sal, Almeirim, Chamusca, Coruche, Mação, Ponte de Sor, Salvaterra de Magos, Sines e pela cidade de Badajoz.

Além do Rally Dakar, do Abu Dhabi Desert Challenge e do Rally-Raid Portugal, o W2RC ainda terá mais duas provas, o Desafio Ruta 40, em junho na Argentina, e o Rali de Marrocos, em outubro.