Paulo Fiúza, navegador no carro de Vaidotas Zala em 2024, em conversa com o SAPO24, explicou que o Dakar "é uma paixão, um sonho, para uma pessoa como eu. Para um aficionado do todo-o-terreno é um desafio enorme, é brutal. Fazer uma prova de doze dias, cerca de cinco mil quilómetros cronometrados, passar em média, quatro, cinco, seis, sete horas dentro de um carro como eu já passei, é um desafio".

O sonho também é a palavra de ordem para Bruno Santos, que em 2023 faz a sua primeira participação no Rally Dakar. O piloto de Torres Vedras vai competir na categoria das motas e explicou que esta prova é o "expoente máximo" da modalidade, é "algo muito saboroso" e que "jamais, desde que comecei a praticar motos, no mundo das corridas, pensei poder estar onde vou estar. É o chegar a algo que poucos podem concretizar, como piloto. Um ponto alto da minha carreira, um sonho".

Com objetivos um pouco diferentes, Paulo Fiúza e Bruno Santos chegam ao Dakar com uma preparação enorme. Para o primeiro, que participa pela 16.ª vez nesta prova, é preciso, principalmente, "estar muito bem mentalmente e psicologicamente. Como é uma prova muito longa, se não estivermos bem da 'cabecinha' e tivermos tudo no sítio, torna-se complicado".

"O físico, sim, também é muito importante, pois passamos muitas horas dentro do carro a levar ‘porrada’. Há calor, as temperaturas elevadas. Assim, a preparação que eu faço é andar de bicicleta e na parte final ter atenção à alimentação. Mas, o 25 de dezembro é um dia complicado (risos). Mas, não sou fã de ginásio. Prefiro andar de bicicleta, basicamente é o que faço", explicou o navegador.

Já a preparação de Bruno Santos é um pouco diferente. O piloto de mota conta muito com o físico, mas o caminho até chegar aqui não foi fácil. A ideia era participar em 2022, mas tal não se deu devido a uma lesão no Rali de Marrocos. Em 2023, "tenho estado a preparar-me com muito treino físico, muito ginásio. Também faço bicicleta na rua e treino de mota", começou por explicar Santos ao SAPO24.

Mas o maior obstáculo na preparação ocorreu logo no início do ano. Santos arriscou ir ao rali de Abu Dhabi, logo após saber que poderia treinar.

"Estava muito em baixo, tinha falta de confiança, sentia medo, fruto da lesão na perna", explicou Santos. Mas, "decidi passar esse obstáculo, para passar o medo e sentir que era capaz. Participei nesse rali. Muito exigente, muito quente, integralmente em areia e dunas. Foi muito bom para mim. Acabei por fazer um treino psicológico muito importante. Podia ter corrido mal, mas foi o ultrapassar do problema", garantiu.

No Rally Dakar participam várias classes. Ao todo, estão inscritos 434 veículos divididos por 137 motas, dez quads (moto4), 72 carros (na nova categoria Ultimate, que congrega os T1 protótipos e os T2 de série), 42 Challenger, 36 SSV e 46 camiões. Há ainda três stock (automóveis elétricos), 66 automóveis clássicos e 14 camiões clássicos. Todos têm uma componente em comum: a navegação. Para se completar as etapas, os navegadores (nos carros,  SSVs e camiões) são os responsáveis por guiarem os pilotos. Nas motas, nos casos em que só vai uma pessoa, o piloto é responsável por tudo.

Assim, para Bruno Santos a navegação é "um dos grandes desafios do Dakar. É termos de ver o percurso, concentrar-nos em olhar para o roadbook e para os instrumentos e isso cria distrações à pista, faz com que tenhamos que baixar o ritmo. Temos de estar muito concentrados". 

Nos carros, os anos recentes trouxeram novidades nesse parâmetro. Os roadbooks deixaram de ser em papel e passaram a ser digitais, o que para Fiúza "é uma ferramenta muito boa. Acho que já se devia usar há mais tempo, mas a tecnologia e todo o seu desenvolvimento, só agora é que se conseguiu meter em prática". 

"Na minha opinião, há quatro/cinco anos, o roadbook (em papel) era entregue quando nós chegávamos da etapa, na véspera. Aí havia tempo para nós o trabalharmos.  Tínhamos acesso ao Maps, conseguíamos perceber mais ao menos por que região ia a prova passar. Havia algumas equipas que tinham acesso aos ‘Map Mens’ (especialistas em mapas) e aí havia uma discrepância entre as equipas oficiais, onde eu me inseria, e as equipas amadoras, com menos recursos, digamos assim. Aí, nós como sendo oficiais tínhamos vantagem porque tínhamos mais informação em relação aos outros", acrescentou Fiúza.

"Agora, com o roadbook digital, a etapa só abre cinco minutos antes de entrarmos, na zona do controlo. É nesse momento que ficamos com acesso ao roadbook digital e é igual para todos, não há mais informação, não conseguimos trabalhar na noite anterior, o que torna a prova mais equilibrada para todos", afirmou Paulo Fiúza. 

"Para todos os navegadores é igual. Sendo assim não há uma discrepância tão grande como existia há alguns anos. Para nós, navegadores, é melhor porque chegamos das etapas cansados e assim dá para descansar mais um pouco. Antigamente, quando chegávamos das etapas recebíamos o roadbook para o dia a seguir e a nossa preocupação era tentar trabalhar ao máximo, perceber a zona que íamos andar, se havia muita areia, pedras. E agora, há descoberta para todos".

Assim sendo, o roadbook digital é algo que recupera o 'sentimento' das primeiras edições do Rally Dakar, nos anos 80. Hoje, para Fiúza, "o Dakar está muito competitivo. A diferença dos primeiros é mínima. Nos meus primeiros Dakar, em África, posso dizer que parávamos para fazer ‘as necessidades’. Hoje em dia, se paramos para tal, automaticamente não vamos ganhar a etapa. Agora, estamos a conseguir trazer novamente espírito, dos anos80/90, na Arábia Saudita. Vamos fazer a etapa maratona e dormir no deserto e isso acaba por estar mais perto do espírito do Dakar, o que é muito engraçado. Eu quando fiz o Dakar em África, era um privilégio jantar ao lado do Peterhansel, do Nani Roma, do Carlos Sainz, das lendas do Dakar, e eu ser um novato. Isso para mim era fantástico. Eu vejo que hoje em dia se está a voltar a ter noção desse privilégio", finalizou Fiúza.

A edição de 2024 volta a ser, pelo quinto ano consecutivo, na Arábia Saudita. Arranca em Al-Ula com um prólogo, realizado hoje e termina em Yanbu, no dia 19 de janeiro, após 7881 quilómetros, 4727 dos quais (cerca de 60% do percurso total) serão cronometrados.

Pelo meio há uma das novidades desta edição de 2024: os 584 quilómetros da sexta etapa, dividida em dois dias (6A e 6B), em que os pilotos deverão parar às 16 horas num dos oito acampamentos montados para o efeito ao longo do percurso, onde não terão qualquer comunicação com o exterior. Nessa etapa maratona, os concorrentes dormem em tendas fornecidas pela organização e não terão assistência exterior. As refeições também serão distribuídas pela organização e consistirá em rações militares.