Arranca hoje em Madrid o campeonato mundial de futebol para cegos, competição em que o Brasil procura o seu quinto título. A equipa "canarinha", que se estreia hoje contra a equipa Mali, aumentou o ritmo antes de cruzar o oceano Atlântico. Sessões duplas de treino, ajustes táticos e a ansiedade das vésperas do torneio misturaram-se no moderno Centro Paralímpico de São Paulo.

"Todo o mundo quer derrubar o atual campeão, que é o Brasil, e a gente quer ficar com o título de novo. Vai ser difícil, mas vamos brigar muito", afirmou Ricardinho, tricampeão paralímpico e melhor jogador da última edição.

Este gaúcho de 29 anos aos cinco já sabia que queria ser jogador de futebol. Habilidoso, passava o dia agarrado à bola, e os vizinhos aconselharam o pai a levá-lo para fazer testes em clubes. Mas um problema na retina acabou por o deixar cego aos oito anos.

"Quando perdi a visão, além do choque de não enxergar mais, me doeu muito pensar que nunca mais ia jogar ao futebol", contou.

O futebol de 5 devolveu algo que a doença roubou: a vontade de jogar. Tinha 10 anos e toda a força para recomeçar. "Comecei a treinar e tive uma segunda oportunidade", lembra o autor de mais de 100 golos pela seleção.

A família mudou-se para Porto Alegre, levando-o para uma escola especializada. Aos 17 anos, estreou-se no Mundial de 2006, sendo eleito o craque da competição.

Agora, Ricardinho procura a sua terceira taça e um novo recorde para a seleção, a maior vencedora com quatro troféus (1998, 2000, 2010 e 2014).

"Todo o mundo é guerreiro na vida"

A equipa de futebol de 5 de São Paulo é uma mistura de vozes. Enquanto o guarda-redes, único jogador que pode ver, organiza a defesa, o técnico lança instruções. Já o 'chamador', assistente que fica atrás do guarda-redes adversário, posiciona o ataque. Eles são os olhos dos jogadores, que interpretam as indicações com rapidez.

"Vou", grita o ala Mauricio Dumbo ao arrancar com a bola, guiado por um som. É preciso avisar quando se vai atrás da bola, nesta equipa que se mantém em silêncio.  Concentrado, este angolano fugido da guerra para chegar ao Brasil com 11 anos, não perde detalhes. O sarampo tirou-lhe a visão quando era criança, mas já era tarde para o separar  da bola. Aos 28 anos, realizou o sonho de ser profissional e campeão paralímpico.

"Estou bastante ansioso e ao mesmo tempo feliz, porque não foi uma caminhada fácil estar aqui entre os dez. Acredito que já venci a primeira batalha e se Deus quiser seremos campeões mundiais", garante.

A magia do desporto chegou através da rádio, veículo favorito para acompanhar futebol pelos detalhes incluídos pelos narradores. Mauricio chegou analfabeto ao Brasil e agora estuda direito, mas o sonho é ser reconhecido pela sociedade como se deveria. "O meu sonho é que sejamos vistos como atletas profissionais, como somos. Que os media e as claques nos deem mais visibilidade", afirma.

O ouro nas paralimpíadas do Rio deu a oportunidade de voltar para a Angola e abraçar a mãe, 15 anos depois. Agora, quer voltar a fazer história. "Todo o mundo é guerreiro na vida, tem a suas dificuldades. A minha é a visão, outras pessoas podem ter outras dificuldades. Nessa vida estamos aqui para ser guerreiros", afirma.