Os mundiais de natação já começaram e com excelentes notícias para a natação portuguesa. Logo no primeiro dia de competição, na natação sincronizada, o dueto técnico composto por Cheila Vieira e Maria Beatriz Gonçalves ultrapassou, pela primeira vez na história da natação nacional, os 70 pontos num mundial.
A participação lusa prosseguiu no domingo com Angélica André e Vânia Neves a classificarem-se, respetivamente, no 35º e 41º lugar da prova de 10 km em águas abertas. Elas que voltam à ação esta quarta-feira na prova dos 5 km.
A natação pura começa no dia 23 de julho, domingo e é sobre as perspetivas da seleção nacional nesta disciplina que faremos a nossa abordagem:
Historial
A primeira participação portuguesa em mundiais aconteceu na terceira edição, em Berlim ocidental, corria o ano de 1978. A seleção portuguesa era composta por 5 homens. As primeiras mulheres portuguesas estrearam-se quatro anos mais tarde, em Guayaquil, no México.
Foi nessa edição que aquele que ainda é hoje o melhor nadador português de todos os tempos, Alexandre Yokochi, começou a notabilizar-se ao atingir a final-B da prova de 200 metros bruços.
Esse seria apenas o aperitivo do prato principal que Yokochi viria a servir em Madrid'86, quando obteve a melhor classificação de Portugal, até hoje, nuns campeonatos do mundo: um 5º lugar (na sua prova de sempre, os 200 metros bruços).
A final alcançada na capital espanhola surgiu apenas dois anos depois de ter alcançado a final nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, um par de anos que transportaram o brucista para o estatuto de único nadador português a ter estado na final das duas maiores competições a nível planetário.
No entanto, a presença de portugueses em finais de mundiais não é um exclusivo de Yokochi . Corria o ano de 1991 quando Ana Barros alcançou a final dos 50 metros costas, disputados em Perth, na Austrália. Foi a 8ª melhor do mundo e equilibrou as contas nacionais em mundiais entre homens e mulheres.
Para além dos dois únicos finalistas A portugueses, foram vários os nadadores que alcançaram uma final B (só a partir de 2001 começaram a ser nadadas meias finais, existindo depois uma única final), uma meia-final ou uma posição nos 16 primeiros, no caso das provas com final direta. Foram eles: João Santos, Paulo Trindade, Paulo Camacho, Joana Arantes, José Couto, Diana Gomes, Pedro Oliveira, Alexis Santos e Diogo Carvalho (nos últimos três mundiais).
Os mundiais de Fukuoka'2001 foram os mais profícuos em termos de classificações, nos 16 primeiros lugares, com José Couto a chegar às meias-finais das três provas de bruços. De realçar que nos últimos 9 mundiais, só em 2003 é que a comitiva lusa não conseguiu ter qualquer semifinalista.
A maior delegação portuguesa de sempre esteve presente nos mundiais de Melbourne, há exatamente 10 anos e era composta por 12 nadadores.
Objetivos
Tendo em conta o enunciado anterior e tendo ainda em conta que nos últimos mundiais, decorridos em Kazan, estiveram presentes 5 nadadores portugueses, que nadaram um total de 13 provas, tendo atingido um lugar entre os 16 primeiros - Diogo Carvalho nos 200 estilos - a Federação Portuguesa de Natação decidiu estabelecer a meta de dobrar este resultado e atingir duas meias-finais em Budapeste, ou classificação equivalente no caso de provas com finais diretas (400, 800 e 1500 metros livres e 400 metros estilos).
À partida pode parecer um objetivo bastante conservador, tendo em conta a forma que alguns nadadores portugueses já se exibiram este ano a um estatuto internacional que já começam a granjear, mas o que é certo é que para a realidade da natação portuguesa, no contexto internacional, obter duas classificações no top-16 com uma equipa de apenas 7 elementos (por exemplo, os Estados Unidos da América levam 45 nadadores só na natação pura) com uma média de idades de 20,86 anos é bastante meritório.
A nossa seleção
Alexis Santos é o nadador mais experiente da seleção e também o de maior currículo. No ano passado, o atleta do Sporting foi medalhado com bronze no Europeu de Londres e semifinalista nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, sempre nos 200 metros estilos.
Já este ano bateu o record nacional na mesma prova, sendo o primeiro português a fazer um tempo abaixo de 1:59. O registo de 1:58.88 é o 17º melhor do mundo em 2017, mas como só podem nadar 2 nadadores por país, ascende ao 12º lugar do ranking de nadadores presentes no mundial. Por isso é dele que se espera que venha (pelo menos) uma das meias-finais.
Vai participar nos seus terceiros mundiais de piscina longa.
Diana Durães é a recordista nacional absoluta dos 200 e 400 livres e tem tido uma carreira em ascenção acelerada, sobretudo nos últimos dois anos. A nadadora do Benfica chega aos seus primeiros mundiais de piscina longa, mas não é por isso que não deve aspirar a uma boa classificação, sobretudo na prova de 800 metros.
No ranking mundial, a nadadora de 21 anos está numa zona em que a melhoria de dois segundos significa subir 25 posições e é preciso ter em conta que, este ano, Diana já tirou 7 segundos ao seu record pessoal nessa prova.
Gabriel Lopes é mais um estreante. O nadador da Associação Lousanense de Natação não vai poder ter a oportunidade de nadar a sua melhor prova - 200 metros estilos - porque dois outros portugueses (Alexis Santos e Diogo Carvalho) fizeram melhor tempo de apuramento e preencheram a quota de participação.
Assim, o foco principal de Gabriel será a prova onde é recordista nacional absoluto: os 100 metros costas, na qual perseguirá o objetivo de melhorar o seu record de 55.01 segundos, feitos em Coimbra, em abril deste ano.
Guilherme Pina é o nadador masculino mais jovem da seleção portuguesa. Com apenas 19 anos, o nadador do Sporting quebrou um record nacional que persistia desde 2007, em 1500 metros livres.
Os 15:15.12 feitos no passado dia 30 de março, durante os campeonatos nacionais, e o facto de ser um nadador que está em franca evolução, já lhe dá algumas aspirações em termos de classificação. Para uns primeiros mundiais, ficar nos 20 primeiros seria um lugar bastante promissor para o jovem nadador.
Miguel Nascimento é nadador do Benfica e tem 22 anos. Recentemente descobriu o seu talento para a prova de 200 metros mariposa e tem vindo a melhorar significativamente de ano para ano.
De tal forma que estes são os seus primeiros mundiais mas já pode pensar em ultrapassar as eliminatórias.
De resto, o seu record pessoal de 1:57.09 daria para ter chegado às meias-finais em todas as edições dos mundiais, exceto na de Roma 2009, que foram nadados com fatos de poliuretano. "Contra" si tem o facto de, este ano, se perspetivar que os 200 mariposa seja uma prova particularmente forte.
Tamila Holub cumpre o seu primeiro ano de sénior e já conta com uma participação olímpica na carreira. A campeã europeia de juniores do ano passado nos 1500 metros livres tem nos mundiais a hipótese de nadar a sua melhor prova (os 1500 metros só passarão a ser prova olímpica em Tóquio).
Apesar dos seus 18 anos, a nadadora do Sporting Clube de Braga já apresenta algum estatuto a nível mundial e o seu record nacional de 16:20.80 é um tempo que lhe daria 10º lugar nos últimos mundiais. Veremos até onde poderá ir na Hungria, ela que no próximo ano rumará aos EUA para estudar e treinar na Universidade de NC State.
Victoria Kaminskaya tem estado a fazer uma época de alto nível. A nadadora olímpica, do Estrelas de São João de Brito, já estabeleceu esta época 6 recordes nacionais absolutos, duas vezes nos 200 metros estilos, duas vezes nos 400 metros estilos e duas vezes nos 200 metros bruços, as três provas que nadará em Budapeste.
É nos 400 metros estilos que tem as melhores hipóteses de se classificar entre as 16 primeiras, estando muito perto de se tornar na primeira portuguesa a nadar a prova abaixo de 4'40 (tem de record nacional 4:40.11). Será a primeira dos sete a entrar em ação, com a prova dos 200 metros estilos logo na primeira sessão de eliminatórias.
Perspectivas
Tendo em conta os objetivos e a equipa, o Fair Play tenta prognosticar a participação lusa em Budapeste. Para isso, tomamos por base os resultados dos últimos três mundiais - Shanghai 2011, Barcelona 2013 e Kazan 2015. Os mundiais de Roma 2009 obrigaram a descontinuar o histórico devido à utilização, já mencionada, de fatos tecnológicos, que inflacionaram as marcas.
Olhámos aos tempos dos 16ºs classificados de cada prova nos três certames e aplicámos um modelo estatístico que pretende extrapolar para 2017 a previsão dos tempos que serão realizados, tendo como base a manutenção proporcional da progressão registada nos três anteriores mundiais. Seguindo este pressuposto, os tempos do 16º classificado seriam:
Naturalmente que a natação e a matemática são disciplinas poucas vezes conciliáveis e há projeções que podemos adiantar, logo à partida, que não se vão confirmar. Por exemplo, 22.61 nos 50 metros livres masculinos é um tempo "fraco" para o nível de um mundial, mas o facto do tempo do 16º classificado das eliminatórias de Kazan ter sido mais de 20 centésimos pior do que o tempo do 16º classificado das eliminatórias de Barcelona, deflacionou bastante a projeção.
No sentido inverso, 30.45 nos 50 metros bruços femininos é um tempo que só 7 nadadoras no mundo fizeram melhor, este ano, pelo que é crível que o acesso às meias-finais se faça com um tempo bastante mais elevado.
No entanto, pela análise dos tempos obtidos, há razões para a equipa portuguesa pensar em superar largamente os objetivos dos dois lugares entre os 16 primeiros. Do lado masculino, Alexis Santos nos 200 e 400 estilos e Miguel Nascimento nos 50 livres e 200 mariposa têm recordes pessoais melhores que o tempo referência. Já no setor feminino, as nossas três nadadoras podem aspirar ao top-16 (curiosamente sempre em provas de final direta). Tamila Holub tem melhores marcas nos 800 e 1500 metros livres, Diana Durães tem melhor nos 800 livres e Victoria Kaminskaya tem melhor nos 400 metros estilos.
Ou seja, com os nossos nadadores no seu melhor, e tomando a tabela anterior como referência, podemos ter expectativas em 8 meias finais, algo que seria absolutamente inédito para a natação portuguesa.
Claro que o presente artigo não passa de um exercício teórico e, em termos de classificação, nada deve ser exigido aos nossos mundialistas. Podemos, sim, esperar e torcer para que os sete magníficos realizem as suas melhores marcas e ver até onde elas os podem levar.
Ao mesmo tempo, temos o privilégio de até ao final do mês de julho desfrutar de um dos maiores espetáculos desportivos do ano e ao mesmo tempo apoiar a nossa seleção.
Por isso, daqui até à Hungria, fica o nosso apoio:
Força Portugal!
*Este artigo é o décimo de uma série de 10 antevisões do mundial de Budapeste. Encontre os restantes no Fair Play:
1º - Adam Peaty, a perfeita imperfeição
2º - O regresso da prova rainha (versão masculina)
3º - O regresso da prova rainha (versão feminina)
4º - Os donos da casa
5º - A oportunidade de Le Clos
6º - Resgate do orgulho Aussie
7º - 10 teenagers a seguir com atenção
8º - O mundo aos pés de Sjöström
9º - 5 duelos imperdíveis
O Fair Play é um projecto digital que se dedica à análise, opinião e acompanhamento de diversas ligas de futebol e de várias modalidades desportivas.
João Bastos é o observador da natação nacional e internacional do Fair Play, assinando a rubrica mariPROSA onde poderá encontrar artigos, entrevistas e destaques sobre natação pura.
*As fotografias que ilustram o artigo foram gentilmente cedidas pela Federação Portuguesa de Natação
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