Tudo bons amigos. No campo e fora dele. Na cidade inglesa de Wolverhampton, nas West Midlands, no estádio de Molineux, subiram ao relvado duas equipas em que as amizades e a língua de Camões são um forte elo que está para lá das fronteiras dos dois emblemas. Nem mesmo quando estão em jogo 3 pontos e 570 mil euros por vitória.

De um lado, o Wolves, a equipa mais portuguesa do campeonato inglês, treinado por Nuno Espírito Santo (NES), nascido em São Tomé e Príncipe. O antigo guarda-redes do Vitória de Guimarães e do FC Porto, equipa que também treinou, lançou de início os internacionais portugueses Ruí Patrício e Rúben Neves, deixando no banco o veterano João Moutinho, que tem sido uma pedra basilar no meio-campo inglês, Pedro Neto (ex-SC Braga), Diogo Jota e Rúben Vinagre.

No SC Braga, comandado por Ricardo Sá Pinto (RSP), o 11 desenhado incluiu João Palhinha e Ricardo Esgaio, para além dos irmãos Ricardo e André Horta, Francisco Trincão, entre outros. E se na cidade dos Arcebispos a irmandade é de sangue, em Inglaterra a amizade surge como juramento de sangue entre Pedro Neto, ex-SC Braga, agora no outro lado do retângulo, e Francisco Trincão, que atua pela equipa portuguesa, ou entre Rúben Neves e Ricardo Horta.

Mas as amizades e cumplicidades não se ficam por aqui. Rui Patrício, desde o ano passado com a camisola dos Wolves, vestiu durante uma vida a camisola verde-e-branca (do Sporting CP) ao lado de Ricardo Esgaio e Palhinha, com quem partilhou balneário e corredores de Alcochete e de Alvalade. O guarda-redes titular da equipa de Fernando Santos privou com Sá Pinto em Alvalade, tendo sido treinado por técnico do SC Braga que, anteriormente, foi seu diretor-geral, enquanto que Moutinho, entrou, em estreia, na equipa principal leonina, no ano de despedida de Sá Pinto enquanto jogador e, já na pele de capitão, leu a carta de despedimento do antigo capitão e então diretor para o futebol, em janeiro de 2010, na sequência de um incidente com o então avançado leonino, Liedson.

Zero remates numa primeira parte que parecia um jogo de solteiros e casados

Os diversos laços de amizade parecem ter toldado o comportamento das duas equipas durante os primeiros 45 minutos. Com os dois conjuntos a atravessar uma fase negativa a nível interno - os Wolves estão na penúltima posição com 3 pontos em 5 jogos, enquanto a formação arsenalista é 16.ª classificada do campeonato com 4 pontos e regista o pior arranque da Liga da era de António Salvador -, a Liga Europa (jogos das pré-eliminatórias) tem sido o outro lado da moeda exibicional e resultadista. Os ingleses somaram 6 vitórias, em 6 jogos, enquanto os minhotos, igualmente 100 % vitoriosos, fizeram 4 em 4.

Fransérgio, nos instantes iniciais, fez um remate que embateu num defesa, ao passo que Patrick Cutrone, avançado italiano dos Wolves, aproveitou um balão vindo dos pés de Raúl Jiménez para, com o pé esquerdo, fazer passar a bola junto ao poste do ferro defendido por Matheus, em jogadas que antecipavam que as duas equipas fariam na competição europeia aquilo que não têm feito nos relvados dos seus países. Puro engano. Foram lances fugazes.

Com os dois conjuntos a passarem a bola entre si, sem criar grande perigo, a primeira animação da noite chegou à passagem da meia hora, numa jogada em que Galeno (e Sá Pinto) pediram grande penalidade por falta sobre o extremo brasileiro, ex-FC Porto. Um toque de Coady que o árbitro Jakob Kehlet, da Dinamarca, que na fase de grupos da competição não tem a ajuda do VAR, julgou não ser suficiente para derrubar o jogador arsenalista.

Antes do apito para o intervalo, Cutrone volta a rematar ao lado. Na soma dos primeiros 45 minutos, zero remates à baliza. Se o SC Braga começou a dominar, acabou o primeiro tempo a ser dominado.

Depois do descanso, Ricardo plantou mais um golo na Horta

Segunda parte, e, de repente, tudo parecia mudar. O 11 inglês, que regressava a uma competição europeia (Liga Europa, sucessora da Taça UEFA) 39 anos depois (último jogo com o PSV, em 1981, holandeses que jogaram hoje com os leões noutro dos jogos da Liga Europa a envolver equipas portuguesas), entrou com vontade de fazer o gosto ao pé. Matheus evitou o remate de Dendoncker e segurou o nulo. De seguida, Rúben Neves chutou contra o corpo de Fransérgio.

É já com Moutinho em campo (entrado para o lugar de Gibbs-White), e com o Braga a sair em contra-ataque, que na área inglesa assiste-se a mais uma jogada de queda de um jogador dos Guerreiros do Minho. Desta vez foi Sequeira o protagonista, ele que viu, na sequência do lance, cartão amarelo, com o árbitro a punir uma eventual simulação do defesa-esquerdo bracarense.

Aos 71’, um hino ao futebol de contra-ataque. Aproveitando um mau passe, Galeno ganha a bola, correu sozinho mais de meio-campo do lado esquerdo do ataque, e num 3x3 assistiu para Ricardo Hora que, liberto, disparou uma bomba para a baliza de Ruí Patrício. Era o quinto golo de Horta nesta temporada, depois de nos jogos das pré-eliminatórias ter marcado ao Brondby e ao Spartak Moscovo (3).

Nuno Espírito Santos lançou Jota (para o lugar de Dendoncker) e o rápido Adama Traoré (substituiu Matt Doherty), que se colou ao amarelado Sequeira. Sá Pinto deu descanso aos irmãos Horta (entraram João Novais e Murilo) e Galeno (Trincão).

Matheus levou amarelo (77’) por atraso na reposição bola, João Palhinha, numa exibição de raça, numa jogada que “matou” um ataque perigoso inglês com o recurso à falta foi também amarelado e, por fim, Willy Boly (Wolves) e Murilo, foram admoestados já dentro do período de seis minutos de desconto.

NES mexia na barba e RSP puxava as calças, mostrando os suspensórios. O jogo chegava ao fim. O SC Braga, que em 16 anos marcou presença em 15 edições das provas europeias, que em 18 jogos frente a adversários ingleses tinha um registo de 10 derrotas, 6 vitórias e 2 empates e que só por uma vez venceu no país do Brexit, no terreno do Birmingham, em 2011-2012, um ano depois de ter chegado à sua primeira e única final europeia, obtinha assim o seu segundo triunfo em solo inglês.

Bitaites e postas de pescada

O que é que é isso, ó meu?

O árbitro dinamarquês seguiu sempre de perto os lances da partida entre o Wolverhampton e o SC Braga. Foi assim nas duas jogadas que os arsenalistas reclamaram grande penalidade. Estava em cima do acontecimento e ajuizou os lances sem hesitações.

Mas a proximidade ao jogo foi tanta que evitou, a meio da 2.ª parte, um contra-ataque dos minhotos, à saída da sua grande área. Ainda saltou, mas a bola embateu nos seus pés, fazendo-o interromper a partida e dar a bola ao SC Braga.

Ricardo Horta, a vantagem de ter duas pernas e já ter marcado 5 golos

Ricardo Horta está em destaque na Europa. Leva 5 golos, sendo este o primeiro que entra para as contas da Liga Europa. Os quatro anteriores foram marcados ao Brondby e Spartak de Moscovo, nos jogos da duas pré-eliminatórias.

Horta, não só "colocou" o SC Braga na Fase de Grupos, como é responsável pela segunda vitórias dos minhotos em Inglaterra, em jogos a contar para as competições europeias.

Fica na retina o cheiro do bom futebol

A jogada do primeiro e único golo da partida, de Ricardo Horta, é um hino ao futebol de contra-ataque. Da jogada de Galeno à finalização de Horta, este foi um golo que apanhou a equipa inglesa quase toda em contrapé.

Nem com dois pulmões chegava a essa bola

Rául Jiménez esteve bastante perdulário durante todo o jogo. Quando teve a bola nos pés, ou na cabeça, desperdiçou as oportunidades.

Foi assim quando, na área, rematou fraco para as mãos de Matheus, quando depois de um "túnel" de Jota disparou na atmosfera e, por fim, no último lance da partida, quando penteou a bola a cruzamento de João Moutinho, com o esférico a sair pela linha final.