De malas já aviadas para os oitavos-de-final da Liga dos Campeões, o FC Porto não precisava de se esforçar, muito menos de ganhar, no último jogo desta fase de grupos, pois o primeiro lugar já estava garantido. Para os azuis e brancos, para além dos sempre bem-vindos 2,7 milhões de euros que uma vitória garante, e da melhoria do ranking português na UEFA, a partida seria uma mera formalidade. Perder nunca é bom, mas seria pouco leite para derramar e menos lágrimas ainda para sobre o mesmo chorar.
No plano simbólico, contudo, a conversa era outra. Em causa estava a possibilidade de repetir o feito de uma das campanhas europeias mais bem sucedidas da sua história desde que a Taça dos Campeões Europeus se tornou Liga dos Campeões: igualar o número de pontos estabelecido na época 1996/1997 - 16 -, que se tornou um recorde absoluto não só para o Porto como para todas as equipas portuguesas. O autor do feito foi António Oliveira, que levou a equipa aos quartos-de-final, caindo perante o Manchester United. No seio desse grupo estava num jovem extremo chamado Sérgio Conceição.
Volvidos 22 anos, o FC Porto, com quatro vitórias consecutivas depois do tropeção inicial em frente ao Schalke 04, encontrava-se em excelente posição para repetir a façanha, sendo esse mesmo jogador agora o timoneiro ao leme da equipa. Entre si e a meta estava um Galatasaray que iria encarar este jogo de uma forma completamente diferente, tendo de ganhar para garantir o apuramento ou, em caso de empate ou derrota, rezar para que o Lokomotiv não vencesse em Gelsenkirchen.
Apesar das deslocações à Turquia serem tradicionalmente difíceis para as equipas portuguesas, o histórico sorria aos portistas, que contavam com três vitórias e dois empates no país. Para além disso, não obstante a Türk Telekom Arena ser conhecida pelo ambiente infernal e por atentar à saúde auditiva de quem lá entra, esse é o único trunfo intimidante que o Galatasaray atualmente tem. Mesmo sendo campeões turcos em título, o conjunto de Fatih Terim tem revelado parco rendimento nesta época, encontrando-se num 7.º lugar a oito pontos do inesperado líder İstanbul Başakşehir e contando com mais derrotas e empates (quatro cada) do que vitórias (7) na liga turca. Até aqui, há dez jogos que a equipa do bairro de Gálata se mantinha invencível em casa - apesar deste registo ter sido construído maioritariamente em cima de empates -, mas os Dragões vinham com outras ideias.
Prometendo que não se ia deixar intimidar e dizendo sentir-se como “peixe na água” em ambientes quentes, Sérgio Conceição apresentou uma equipa não é o seu onze-base mas que também não era uma rotação completa. O treinador do FC Porto fez descansar Brahimi e optou por não levar Eder Militão nem Otávio, dado o risco de serem excluídos por acumulação de amarelos para os oitavos-de-final - já Corona estava a cumprir esse mesmo castigo -, proporcionando as entradas de Sérgio Oliveira, Hernâni, Adrián Lopez e Diogo Leite no onze, fazendo o jovem central a estreia absoluta na Liga dos Campeões. Em compensação, não abdicou de Marega, Herrera e Danilo Pereira.
Estando obrigado a ganhar para não depender da sorte alheia, foi, naturalmente, a equipa turca a demonstrar mais iniciativa no início do jogo, somando duas grandes oportunidades nos primeiros 15 minutos. Aos 10 minutos, após marcação de livre, a bola anda aos ressaltos e sobressaltos na área do FC Porto e Diogo Leite acaba por tirar a bola em cima da linha com a mão, valendo-lhe que o lance já tinha sido interrompido por fora de jogo tirado a Derdiyok. O avançado suíço voltou a ser protagonista no minuto 14, ao desperdiçar clamorosamente numa jogada onde Feghouli e Mariano combinaram muito bem - de resto, o envolvimento entre os dois jogadores faria do retorno de Alex Telles a Istambul um tormento, sendo pelo seu flanco que muito do jogo turco passava.
Do outro lado, o FC Porto, apresentando-se num 4-3-3, não assumiu as despesas nem subiu muito o ritmo, mas mostrou instinto predatório na forma como fazia a pressão alta para apanhar os turcos em contrapé e jogar na profundidade. Tendo Herrera como pêndulo entre os momentos defensivo e ofensivo, os azuis e brancos foram recuperando bolas no meio campo, mas não foi na transição que chegaram ao golo. Foi fruto de um livre, em que Felipe, aos 18 minutos, entre a hesitação de Muslera e a distração de Derdiyok, fez o primeiro golo de cabeça.
O tento dos dragões atrapalhou o Galatasaray, que passou a atacar com vontade mas sem cabeça, de nada lhe valendo o excesso de agressividade que resultou em sucessivas faltas, uma delas resultando no segundo golo do FC Porto. Numa das poucas jogadas em que a equipa azul e branca chegou à área contrária, Hernâni finta sobre Mariano pelo lado esquerdo e este parece raspar com o pé no jogador português. Pénalti para Marega marcar com sucesso, subindo o marcador para 2-0. Em noite de recorde igualado, o maliano optou por destruir um outro alcançado em 1996/1997: foi nessa época que Mário Jardel chegou aos quatro golos numa fase grupos, mas Marega, com este pénalti, subiu a fasquia para os cinco.
No entanto, apesar da aparente serenidade com que o FC Porto foi controlando as operações nesta primeira parte, voltou a repetir-se algo que já tinha acontecido frente ao Schalke 04. Em cima do intervalo, Ndiaye passa a Garry Rodrigues, cuja perna é rasteirada por Felipe dentro da área. As duas equipas partiriam para o descanso com o resultado em 2-1, fruto da conversão da grande penalidade por Feghouli, que bateu Iker Casillas.
“No melhor pano cai a nódoa”, poder-se-ia pensar, durante o intervalo, face à prestação tranquila e acertada que o FC Porto estava a ter até consentir o golo. Mas a segunda parte traria um jogo completamente diferente.
Para o segundo tempo, Fatih Terim promoveu uma alteração no Galatasaray, tirando Ryan Donk e lançando Henry Onyekuru, passando a equipa turca a dispor-se de forma mais ofensiva no terreno. A estratégia apanhou o FC Porto de surpresa, tendo Garry Rodrigues e o entrado Onyekuru oportunidades para igualar a partida, mas até foi a equipa portuguesa a marcar novamente. A pressão ofensiva evidenciada na primeira parte manteve-se e permitiu a Marega aproveitar-se de um erro de Ozan Kabak e a soltar para Hernâni, que, fazendo o flanco até só ter Muslera a tapar o poste direito, cortou para dentro - aquela jogada clássica do Pro Evolution Soccer - para Sérgio Oliveira aplicar um potente remate e elevar a contagem para 3-1.
Depois do susto da primeira parte, seria expectável que os pupilos de Conceição voltassem a respirar fundo e a controlar a partida até ao final dos 90 minutos depois de repor uma margem de dois golos. Mas o plano tático de Terim começou a surtir efeitos e os turcos quase voltaram a igualar a partida, valendo aos portistas o talento dos seus centrais, as defesas de Casilhas - que com este jogo também bateu o seu recorde, chegando às 100 vitórias na Liga dos Campeões - e um pouco de sorte. Depois de uma boa jogada de Garry Rodrigues resultar no golo de Derkiyok aos 64, um minuto depois os azuis e brancos voltariam a cometer nova falta para grande penalidade, com um Maxi Pereira aos papéis a derrubar o jogador cabo-verdiano do Galatasaray. Contudo, Feghouli não voltaria a bater o guarda-redes espanhol, atirando à barra.
Tendo até aqui aguentado a pressão, Sérgio Conceição finalmente mexeu na equipa, lançando Jorge, André Pereira e Chidozie para os lugares de Adrián López, Hernâni e Sérgio Oliveira, respetivamente. Os primeiros dois foram fechar as alas, ao passo que o último ficou a agir como um terceiro avançado. A batalha tática acabou por ser vencida pelo FC Porto, pois a partir daí o gás começou a esgotar-se ao Galatasaray e os portistas voltaram a conseguir gerir o jogo, mesmo abdicando da posse de bola. Não foi bonito, mas serviu. O FC Porto chegou assim às 11 vitórias consecutivas e termina a fase de grupos da Liga dos Campeões invicto, mostrando uma eficácia assustadora: a equipa acaba esta fase com 15 golos em apenas 10,3 expected goals (métrica que avalia os golos marcados expectáveis com base na performance da equipa).
Bitaites e postas de pescada
O que é que é isso, ó meu?
A Suíça habituou-nos a trabalhos de grande precisão, seja na relojoaria, na chocolataria ou na capacidade de ficar sempre no lado certo da história. Talvez por isso seja estranho ver Eren Derdiyok conseguir revelar tanto desacerto, tanto a atacar como a defender, não só não marcando um golo madrugador criado por Sofiane Feghouli, como também falhando na marcação a Felipe que resultou no primeiro tento do FC Porto. O avançado suíço acabaria mesmo por marcar - isto depois de ter falhado outra oportunidade clara que o fez ser apupado pelos próprios adeptos -, mas, como diz o aforismo: até um relógio avariado acerta duas vezes por dia.
Hernâni, a vantagem de ter duas pernas
Tem sido mal-amado desde que chegou ao Dragão, mas, depois de demonstrar como as duas pernas servem para marcar golos decisivos (como aquele frente ao Boavista), Hernâni demonstrou hoje que os membros inferiores também servem para avolumar indiretamente o resultado. O extremo está ligado a dois dos golos do FC Porto, sofrendo a falta do pénalti que resultou no 2-0 e contemporizando com frieza o passe para que Sérgio Oliveira fuzilasse a baliza turca. Nota ainda para Hector Herrera, que podia ter figurado nesta honrosa categoria se apenas avaliássemos a sua primeira parte de bom nível. Infelizmente, o mexicano deixou-se eclipsar na segunda.
Fica na retina o cheiro de bom futebol
Num jogo onde houve coração e vontade, mas raramente rasgo, fica a pairar na retina o distintivo odor de uma jogada em que Sofiane Feghouli - que não repetiria o feito -, numa das suas combinações com Mariano, faz o que quer de Alex Telles e entrega a bola de bandeja para Eren Derdiyok. Não sabemos como são as relações diplomáticas entre a Argélia e a Suíça, mas nunca tínhamos visto um presente ser recusado de forma tão perentória.
Nem com dois pulmões chegava à bola
Podíamos (novamente) esmiuçar os diversos falhanços de Derdiyok ou o pénalti à barra de Feghouli que podia ter igualado o resultado para 3-3. No entanto, a pressão sobre o argelino não teria sido a mesma se Ozan Kabak não tivesse brincado com o fogo e provocasse a situação que resultou no 3-1 para o Porto. De certo que Fatih Terim terá avisado o jovem central para ter cuidado com Moussa Marega, mas Kabak, no alto dos seus 18 anos, fez ouvidos moucos. Depois de perder a bola para o maliano e deste soltar para Hernâni, de nada lhe valeram os dois pulmões, foi mesmo golo para os Dragões.
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