O Sporting Clube de Braga está nos 16-avos de final da Liga Europa e isso não deverá ser surpresa para ninguém. Desde que a formação minhota conquistou a Taça Intertoto, competição atualmente extinta e que valia um lugar na antiga Taça UEFA, foram apenas três as épocas em que os arsenalistas não disputaram uma competição europeia, duas por eliminação prematura, ainda nos playoffs de acesso à competição, e uma delas pela incapacidade de, na época anterior, alcançar um lugar de qualificação para as provas da UEFA. Fora os percalços, os bracarenses somam nove participações na Liga Europa e duas presenças na fase de grupos da Liga dos Campeões, uma das quais terminou com um terceiro lugar que atiraria o Braga para a sua primeira grande final europeia da qual saiu derrotado pelo Futebol Clube do Porto (1-0), em 2010/11.
As duas últimas participações do emblema do Minho na fase de grupos da segunda maior competição de clubes da UEFA foram particularmente reveladoras do lado europeu que tem vindo a ser construído desde 2008 e sobretudo desde que o SC Braga alcançou a sua primeira grande final europeia. Da demonstração de força e consistência perante adversários da Premier League à construção de um plantel com credenciais, não só para o presente como também para o futuro, estas são as bases de um Braga com vida além-fronteiras.
O teste rápido da melhor liga do mundo
Em 2019/20 foi o Wolverhampton, a conhecida armada portuguesa na Premier League comandada por Nuno Espírito Santo e que inclui no plantel nomes como Rui Patrício, Rúben Neves, João Moutinho, Nelson Semedo, Pedro Neto ou Daniel Podence, e outros bem conhecidos pelas passagens por Portugal como são os casos de Raúl Jiménez ou Boly; já esta temporada foi o Leicester de Brendan Rodgers, uma das equipas que concretizou um melhor início de época em Inglaterra. Ambas são equipas inglesas, ambas partilharam o grupo da Liga Europa com o Sporting de Braga na época passada e na atual, respetivamente.
Se podemos, com clareza, etiquetar estas duas formações como não pertencendo ao grupo de topo daquela que é considerada por muitos a melhor liga do mundo, podemos também distinguir ambas como dois grandes exemplos do futebol que este campeonato é capaz de produzir. Ambas têm conseguido grandes resultados no principal escalão do futebol inglês, fazendo muitas vezes a vida negra aos ditos "grandes". Resumidamente, de um lado temos os Foxes, que somaram um 5.º lugar na última época, um título inglês em 2015/16 e ainda esta temporada, em setembro, venceram o Manchester City, fora, por 2-5; do outro, os Wolves, sétimos na Premier League na última temporada, assim como uns quartos-de-final da Liga Europa, não nos esquecendo que esta é uma equipa que em 2017/18 regressou ao principal escalão do futebol inglês.
Em duas épocas, em grupos partilhados com dois clubes ingleses, o SC Braga brilhou. O ano passado conseguiu, inclusive, a sua melhor prestação de sempre na fase de grupos da Liga Europa ao conquistar quatro vitórias e dois empates, vencendo um grupo que incluía também Slovan Bratislava e Besiktas. Já na presente edição da competição, com Zorya e AEK Atenas, para além do emblema inglês, o Braga conseguiu qualificar-se para a próxima fase somando apenas um derrota, diante do Leicester, num jogo em que a sobrecarga do calendário e as ausências por lesão ajudam a explicar a apagada exibição da equipa portuguesa. No final, os arsenalistas somaram quatro vitórias, um empate e uma derrota, terminando desta vez, não à frente da equipa inglesa, como aconteceu com o Wolves, mas em igualdade pontual com os Foxes.
Se nas últimas épocas o Sporting de Braga não se tem conseguido incluir na luta pelo título de campeão nacional, na Europa mostra que é um clube de grande capacidade. Ironicamente, no ano passado acabou afastado nos 16-avos da Liga Europa por dois jogos azarentos numa altura em que brilhava dentro de fronteiras, com Rúben Amorim a galgar a classificação no campeonato nacional, pouco tempo depois de o mesmo ter guiado o clube à conquista da Taça da Liga.
A conclusão de que a Liga Europa tem sido uma montra europeia para a demonstração de qualidade maior do Braga pode parecer um salto maior do que a perna, uma vez que na temporada passada a equipa foi eliminada na fase seguinte e que este ano ainda não sabemos até onde ponde ir. Adicionalmente, sabemos (isso sim) que adversários lhe podem calhar em sorteio na próxima semana, e esse é um cenário pouco animador. No entanto, e ainda sem um campeonato nacional para exibir no seu palmarés, as prestações nas provas europeias, em particular numa fase que se baseia na consistência e nas boas demonstrações perante adversários de topo, são um excelente cartão-de-visita do que o clube bracarense é capaz de fazer além-fronteiras.
Treinadores experientes capazes de agarrar um balneário
Os melhores anos do Braga na Europa foram às costas de treinadores especialmente empáticos.
Jorge Jesus, que guiou a equipa à conquista da Intertoto, quase que dispensa apresentações. Domingos Paciência, que levou o Braga à final da Liga Europa diante do FC Porto, não é à primeira vista o exemplo mais evidente, mas o currículo enquanto jogador do antigo avançado dos Dragões terá certamente tido impacto na gestão e motivação de um balneário que, para além da prova europeia, na época anterior tinha discutido o campeonato até ao fim com o SL Benfica.
Seguiu-se Paulo Fonseca, que na época em que treinou no estádio Axa, para além da conquista da Taça de Portugal, conseguiu levar os arsenalistas até aos quartos-de-final da Liga Europa, fase em que é eliminado pelo Shaktar Donetsk (curiosamente a equipa que o técnico português viria a treinar nos anos seguintes). O atual dono do banco da AS Roma tem visto a sua qualidade reconhecida em Itália, depois da passagem pela Ucrânia, e é um dos melhores treinadores portugueses da atualidade.
A penúltima participação europeia na fase de grupos da última época foi conduzida por Ricardo Sá Pinto, um líder nato e condutor de homens. Já esta temporada, o clube conta com Carlos Carvalhal, conhecido pela relação com os jogadores e trabalho tático, talvez, a par de Fonseca, aquele que oferece à equipa um melhor balanço entre qualidade tática e capacidade de motivação e ligação ao plantel. Para já, conseguiu a qualificação para os 16-avos.
Um dado curioso é o facto de apesar de Carvalhal ser um treinador com experiência lá fora (Asteras Tripolis, Besiktas, Istanbul BB, Sheffield Wednesday e Swansea City) em grandes campeonatos, como é o caso da segunda e primeira divisão inglesa, não é um técnico que some muitos jogos em competições europeias. Estreou-se na Taça UEFA ao comando do Leixões, frente ao PAOK, na primeira ronda, e apesar de uma primeira vitória caseira por 2-1, não resistiu ao ambiente de Salónica onde a formação portuguesa, que na época anterior tinha chegado à final da Taça de Portugal, estando no terceiro escalão do futebol português, foi goleada por 4-1. Mais tarde, tanto com o Sporting CP como com o Besiktas, conseguiu chegar aos oitavos-de-final da competição tendo, em ambas as ocasiões, sido eliminado pelo Atlético Madrid. Na época 2011/12, com o clube turco, antes de chegar aos ‘oitavos’, eliminou na fase anterior o Braga de Leonardo Jardim.
Um plantel largo e internacional
Ao contrário do plantel do Sporting de Braga que chegou à final da Liga Europa contra o FC Porto, assente num onze muito experiente, hoje os arsenalistas têm mais opções e um melhor balanço entre a experiência e o talento emergente. Os exemplos são vários, na defesa há David Carmo (21) e Raúl Silva (31), no meio-campo há André Horta (24) e Fransérgio (30), no ataque temos Nico Gaitán (32) e Abel Ruiz (20).
Dentro do plantel há opções para todos os gostos e para várias formações, ora para uma linha de três defesas, ora para um sistema de 4-4-2.
O plantel do Braga para além de ser largo e versátil, melhorou muito de qualidade nos últimos anos. Depois de na última época ter mostrado ao mundo Francisco Trincão, vendido ao Barcelona por 30 milhões de euros, este ano mostrou a capacidade de se reforçar. O grupo de jogadores da presente época conta com nomes como Nico Gaitán, internacional pela argentina e um dos jogadores mais importantes do SL Benfica na última década, ou André Castro, formado no FC Porto e com uma carreira internacional importante. Para além de haver ainda Paulinho, internacional português, que já é o melhor marcador do Braga, a par de Ricardo Horta, nas competições europeias.
Paulinho e o mais velho dos irmãos Horta são duas das maiores traduções que se podem tirar deste Braga, que além fronteiras cresceu consideravelmente nos últimos anos. Ambos são internacionais, jogadores de grande qualidade e ativos que o clube tem conseguido segurar mesmo perante o assédio de outros clubes como Sporting CP, no caso de Paulinho, ou RB Leipzig, no caso de Ricardo.
Fora deste lote há ainda uma série de nomes fundamentais, do qual o mais evidente é o do médio Fransérgio, peça fulcral no esquema e na ideia de jogo de Carlos Carvalhal.
O facto de o Sporting de Braga ter um plantel cada vez menos dependente de emprestados, aumenta o nível de compromisso de um grupo com potencial para continuar a crescer na sua dimensão nacional e europeia.
Daqui por diante tudo o que se pode pedir é consistência e tempo, tanto a técnicos como a jogadores, para consolidar o Sporting de Braga cá dentro e lá fora. É que fazê-lo ao mesmo tempo em duas frentes está a ser uma tarefa frutuosa, mas dura, deixando os bracarenses à beira dos títulos, mas poucas vezes com a taça nas mãos.
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