“Com a primeira escolha no draft da NBA de 2011, os Cleveland Cavaliers selecionam… Kyrie Irving.” Foi assim que, há 6 anos, o então comissário da liga David Stern deu início à cerimónia anual onde as equipas da NBA escolhem os melhores talentos universitários (e mundiais) para os seus plantéis. Depois do anúncio da seleção da estrela da Universidade de Duke, por mais 58 vezes o comissário e o comissário adjunto subiram ao palco para anunciar mais 58 nomes.
Nas bancadas do Prudential Center, em Nova Jersey, um jovem com nome de estrela começava a perder a esperança de ouvir o seu ser anunciado.
22 anos antes, o seu pai, James Thomas, fã dos Los Angeles Lakers, perdeu uma aposta nas Finais de 89, entre os Lakers e os Pistons (que a equipa de Detroit venceu por 4-0), e teve de dar ao seu filho o nome da estrela da equipa adversária, Isiah Thomas (ficou “Isaiah” em vez de “Isiah" por insistência da mãe, que queria um nome bíblico).
22 anos mais tarde, o jovem com nome de estrela começava a precisar de um milagre para ver esse nome entre as escolhas daquele ano. Até que, finalmente, na última escolha, ouviu aquilo com que sonhava desde criança: “Com a 60ª escolha no draft da NBA de 2011, os Sacramento Kings selecionam… Isaiah Thomas, da Universidade de Washington.”
As reações foram, no máximo, mornas. Por esta altura, já havia muitos lugares vazios nas bancadas e os poucos fãs que restavam não deram grande importância à escolha (a emissão da ESPN, por exemplo, partiu imediatamente para o balanço do draft e para a análise das primeiras escolhas). Afinal, o nome era familiar, mas o jogador não.
Apesar de ter conhecido algum sucesso no campeonato universitário, pairavam muitas dúvidas sobre se seria capaz de fazer o mesmo na NBA. Isto era o que se dizia na altura nos relatórios de prospeção, de acordo com o site Draft Express: “é quase impossível imaginar que possa ter sucesso na NBA como base marcador de pontos com 1,75m. Embora a sua capacidade de penetrar e marcar pontos perto do cesto seja um dos seus pontos fortes no nível universitário, não é difícil imaginar que se torne uma fraqueza nos profissionais, onde a diferença de altura e capacidade atlética terá um grande impacto no seu jogo.”
As probabilidades de se tornar um jogador familiar para os fãs da NBA em todo o mundo não eram famosas. Afinal, as últimas escolhas no draft da NBA incluem nomes como Rashad Wright, Alex Acker, Milovan Rakovic, Dwayne Collins ou Robert Dozier. Quem? Pois, não há muitas sexagésimas escolhas a durar muito tempo (se é que algum) na liga. E muito menos se espera que saia um All Star daquela posição.
Mas desafiar as probabilidades foi aquilo que o pequeno Isaiah Thomas fez toda a sua vida.
E não demorou a mostrar ao que vinha. No ano de estreia, foi Rookie (nome dado aos jogadores que cumprem a sua primeira época na NBA) do Mês em Fevereiro e em Março e eleito para a Segunda Equipa Rookie. Apesar disso, os Kings não acreditavam ter ali o seu base para o futuro e, depois de três boas temporadas em Sacramento, não mostraram interesse em mantê-lo e deixaram-no sair para os Suns.
Em Phoenix, encontrou a sua posição lotada (a equipa já tinha Eric Bledsoe e Goran Dragic) e acabou relegado para suplente. Mas ele queria mais.
Ainda nessa temporada, em 2014, o general manager dos Celtics Danny Ainge aproveitou a insatisfação do jogador com a sua situação e a confusão que ia na equipa do Arizona para conseguir Thomas em troca de Marcus Thornton e de uma escolha no draft. Um "roubo", em retrospectiva.
E aí, em Boston, descolou. Na época passada (a sua primeira completa nos Celtics) subiu as suas médias para 22.2 pontos e 6.2 assistências e foi eleito All Star pela primeira vez. Este ano está a fazer a melhor temporada da sua carreira (voltou a subir os seus números, para 29.9 pontos e 6.4 assistências) e uma das melhores temporadas ofensivas de que há memória. Leva 35 jogos com mais de 20 pontos (está a 5 jogos do recorde da equipa, os 40 de John Havlicek) e tem uma média de 10.7 pontos nos 4ºs períodos (a melhor marca dos últimos 20 anos). E, claro, foi eleito All Star pela segunda vez.
Naturalmente, a sua altura representa um problema na defesa. Mas se isso joga contra si dentro de campo, é algo que, fora de campo, joga a seu favor. O pequeno base dos Celtics é daqueles jogadores com quem o público se identifica. É aquele jogador que nos faz acreditar que é possível um baixinho ter sucesso num desporto de gigantes. Que um mero mortal pode triunfar no meio de espécimes sobre-humanos. Isaiah Thomas é quem todos sonhávamos ser.
A maior prova de que ele conquistou o seu lugar (e o coração dos fãs)? Quando fizemos uma pesquisa no Google por Isiah Thomas, o motor de busca corrigiu e perguntou se queríamos antes dizer “Isaiah”.
Foi um longo caminho do fundo do draft para o topo da liga (e das pesquisas do Google), mas Isaiah Thomas veio para ficar. John Wooden, o lendário treinador de UCLA, dizia que “a altura não se ensina”. O coração também não.
Márcio Martins já foi jogador, oficial de mesa, treinador e dirigente. Atualmente, é comentador e autor do blogue SeteVinteCinco. Não sabe o que irá fazer a seguir, mas sabe que será fã de basquetebol para sempre.
Comentários