O guião da reta final deste Brasileirão é, no mínimo, peculiar. Um torneio afetado pela pandemia e pelo VAR. Muitos jogos em pouco tempo reduziram a qualidade técnica do futebol praticado. E a influência do VAR nos jogos, a gerar mais polémica do que a fazer seu papel, também será lembrada como uma marca negativa desta época. Mas não se pode negar que houve emoção até o fim, com os jogadores do Flamengo a acompanhar os minutos finais da partida de Porto Alegre pelo telemóvel, ainda em campo.
Melhor plantel e favorito ao título, o Flamengo não brilhou. Esteve, constantemente, entre os primeiros, mas só foi o primeiro, de facto, na penúltima jornada. Ao vencer o então líder, o Internacional, numa partida em que mereceu a vitória, mas que será sempre questionada pelos rivais devido à expulsão do lateral Rodinei, na revisão do VAR. É uma história muito curiosa, uma vez que Rodinei tinha sido "expulso" do Flamengo pelos adeptos e, emprestado ao Internacional, viu um empregar pagar a cláusula de 1 milhão de reais que o permitiria jogar contra o rubro-negro.
Ontem, na derradeira jornada, o Flamengo dependia apenas de si. Era só vencer o São Paulo, equipa que chegou a liderar o campeonato com 7 pontos de vantagem, mas que derreteu em 2021 e corria o risco de terminar em quinto. O São Paulo foi a pedra no sapato rubro-negro durante a época, ao golear na partida do Maracanã e eliminando o clube rival na Copa do Brasil. O mesmo São Paulo capaz de perder para um relegado Botafogo e os sub-23, na última segunda.
No banco de reservas rubro-negro estava Rogério Ceni, ídolo-mor dos adeptos são-paulinos, e último capitão a levantar uma taça pelo clube antes da atual estiagem de troféus. Rogério poderia ser campeão, em cima do clube que o criou, no estádio que o consagrou. Foi, mas não foi dessa vez que conseguiu vencer o São Paulo. A derrota por 2-1 mostrou novamente as dificuldades criativas de uma equipa que não consegue repetir o rolo compressor de 2019, mas que ainda é superior o suficiente para ser campeã sem brilhar.
Ainda mais irónico foi o golo que deu a vitória ao São Paulo, classificando-os para a fase de grupos da Libertadores. Marcado por Pablo, maior contratação da história do clube paulista e, provavelmente, o maior flop. Pablo foi péssimo durante toda a temporada e marcou apenas 1 golo neste campeonato. Quem seria capaz de prever que ele quase seria o responsável pelo fracasso do Flamengo?
Entretanto, continuando a ironia, no outro jogo que poderia valer o título, o Internacional, que não é campeão nacional desde 1979, animou-se quando viu a vitória parcial do São Paulo e percebeu que ainda havia um resquício de esperança. Foi para cima do Corinthians, que não foi nem sombra da equipa vencedora da última década nesta época, mas sofreu com a própria incapacidade criativa. Teve dois golos bem anulados, um penálti desmarcado pelo VAR (questionável, mas é a nova regra) e perdeu algumas poucas boas chances de golo. Pode colocar a culpa na arbitragem, mas perdeu o campeonato para si mesmo, não só neste jogo, mas, principalmente na derrota para o Sport, também em casa.
Assim como perderam para si mesmos o São Paulo e o troféu que derreteu por entre as suas mãos e os sete pontos de vantagem. O Atlético-MG e a incapacidade de transformar o foco único (era a única equipa entre os líderes que não estava nas fases finais de outras competições) em maior eficiência, tropeçando, repetidamente, contra rivais inferiores. Ou até mesmo o Grémio, rei dos empates no Brasileirão (em 38 jornadas empatou 17 jogos).
Este campeonato esteve disponível para quem o queria apanhar, mas ninguém o quis. Ninguém teve a volúpia necessária para se declarar um campeão inquestionável. Assim, a taça resolveu voltar para o seu último dono. Voltou ao Flamengo, regular, mas longe de ser a equipa. E foi, ainda assim, a melhor do Brasil. Vitória justa, mas não memorável. Efeitos de um campeonato incomum, no seio de um mundo diferente, confirmando o status do Mengão como sendo o melhor do país e mostrando, aos rivais, que é preciso mais para derrubar os cariocas.
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