A Arábia Saudita e o Egito são uma coisa, o Uruguai é outra. Depois dos 90 minutos da seleção anfitriã diante dos sul-americanos ficou a certeza de que aqueles dois resultados (5-0 e 3-1, respetivamente) não foram mais do que meras exceções numa caminhada caseira que parece sentenciada a terminar nos oitavos-de-final, em Moscovo, onde tudo começou, no estádio Luzhiniki.
Jogar contra os bicampeões mundiais (os uruguaios venceram a competição em 1930 e 1950) era, acima de tudo, um exercício de confrontar um medo constante da Rússia: o da espionagem. Uma seleção com Edinson Cavani e Luis Suárez na frente, é uma equipa sempre pronta para matar, sempre a espiar uma oportunidade de golo. Os russos sabiam do plano, Akinfeev conhecia os espiões, mas nem por isso o inesperado aconteceu, e aos 10 minutos Suárez viu um espaço entre o salto da barreira e o relvado, entre o guarda-redes e o poste. E num grande golo de livre direto o avançado do Barcelona fez (um grande) golo.
Para o Uruguai vencer o grupo era preciso mais um golo. Demorou 12 minutos a chegar, depois de dois contra-ataques russos, conduzidos por Cheryshev, que (quase) ameaçaram o empate. Diego Laxalt rematou fora de área, a bola bateu no calcanhar de Cheryshev e a bola enganou Akinfeev. O jogo estava feito e a tabela do grupo A arrumada.
Ter noção da nossa própria condição é uma virtude, sobretudo quando sabemos que não podemos esgotar no imediato os argumentos à nossa disposição porque eles vão ser necessários mais tarde, porque há um país a contar connosco. Mais importante, um país que não acreditava e que passou a acreditar em qualquer coisa, mesmo não sabendo bem em quê, mesmo não sabendo bem até onde.
Stanislav Cherchesov sabia-o. A expulsão de Smolnikov aos minuto 35, após uma falta dura sobre Laxalt, foi apenas o pretexto para o selecionador russo retirar Cheryshev do jogo — o melhor jogador dos anfitriões no Campeonato do Mundo e o único a ter criado oportunidades de perigo até aquele momento do jogo — e a desistir oficialmente do encontro (a substituição do médio do Villarreal só faz sentido numa ótica de o poupar para a próxima eliminatória).
Ambas as seleções estavam conformadas. O Uruguai porque vencia o grupo, os russos porque passavam a fase de grupos e jogavam os oitavos-de-final na capital, em Moscovo, e ainda podiam acreditar.
A diferença entre os adversários mais prováveis, Espanha ou Portugal, não justificava um jogo de pernas esfoladas. Para os uruguaios só faltava ver Cavani estrear-se a marcar neste Mundial. E estas linhas podiam ser bem o resumo de uma segunda parte em que se jogou tranquilamente, sem riscos, e em que o Uruguai esteve sempre mais perto do golo.
Depois de um belo remate de fora de área de Cristian Rodriguéz, que deu a Akinfeev a possibilidade de fazer uma defesa para a fotografia, e de numa jogada a dois Suárez ter tentado oferecer o golo ao seu compatriota Cavani, eis que o avançado do Paris Saint-Germain chegou ao golo, ao colocar no fundo das redes uma bola perdida na sequência de um canto.
Facto curioso acerca do jogo e que envolve alguém do banco do Uruguai: foi a terceira vez que o seu selecionador defrontou a seleção da casa na sua carreira em Mundiais. Foi eliminado frente à Itália em 1990 e venceu a África do Sul, em 2010, pelo mesmo resultado: 3-0. Mas hoje conseguiu colocar um fim à malapata. À terceira, foi mesmo de vez para Óscar Tabárez. E, para não fugir muito à regra, também com um 3-0.
O Uruguai fica agora à espera de saber quem defronta em Sóchi, a 30 de junho, se Espanha, Portugal ou Irão, levando no bolso argumentos que devem colocar em sentido qualquer um dos possíveis adversário: três jogos, três vitórias, nenhum golo sofrido e dois dos melhores artilheiros do mundo a mostrar pontaria afinada.
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