A posição de guarda-redes é, pode dizer-se, uma das mais injustiçadas do futebol moderno, principalmente no que toca aos chamados clubes grandes. Os guarda-redes dos "tubarões" do futebol europeu, que lutam por títulos nacionais e continentais, costumam ser poucas vezes chamados a intervir. Podem estar largos minutos sem tocar na bola e, em segundos, ser providenciais para as suas equipas em momentos-chave ou, por outro lado, deitar tudo a perder com uma intervenção menos feliz. A vida de um guarda-redes de clube grande, poucas vezes chamado a intervir, não é fácil. E é por isso que é cada vez mais os referidos clubes investem muito dinheiro na contratação de guardiões que lhes garantam a segurança necessária e, claro está, alguma estabilidade a longo prazo.

Longe vão os tempos em que os mais de 50 milhões de euros gastos pela Juventus em 2001 para contratar Gianluigi Buffon ao Parma (e que durante mais de 15 anos foi a transferência mais cara de sempre envolvendo um guarda-redes) chocaram o mundo, ainda que nos dias que correm ninguém coloque em causa do valor despendido naquele que, para muitos, foi o melhor guarda-redes da última década. A contratação de Kepa (80 milhões de euros) pelo Chelsea ou de Alisson (62,5 milhões de euros) pelo Liverpool, ambas na época passada, são exemplos de investimentos.

No caso do primeiro, o olhar está no futuro, um pouco à semelhança daquilo que De Gea, contratado pelo Manchester United ao Atlético de Madrid em 2011 por 25 milhões de euros, fez pelos Red Devils: garantir um "dono" da baliza por muitos e longos anos.

No caso de brasileiro contratado pelo Liverpool, a conversa é diferente. Ligeiramente mais velho que De Gea do que quando este rumou a Inglaterra, o objetivo dos Reds com esta contratação era claro: garantir alguém por muitos e bons anos, claro (até porque os guarda-redes tendencialmente jogam até mais tarde do que os jogadores de campo), mas também conseguir o chamado "guarda-redes que dá pontos", ou seja, alguém capaz de, em momentos específicos (os tais que falávamos acima), dizer "presente" e garantir defesas importantes.

E para que é que serve toda esta introdução? Pois bem, para falar de Paris, que por estes dias é uma espécie de capital mundial de guarda-redes. A chegada de Keylor Navas e Sergio Rico aos parisienses (provenientes de Real Madrid, a título definitivo, e do Sevilha, por empréstimo) e a saída de Alphonse Areola, por empréstimo sem opção de compra, para o gigante merengue, fazendo o percurso inverso de Navas.

Quanto em 2011 foi adquirido pelo Qatar Sports Investment, o Paris Saint-Germain propôs-se ser uma das grandes potências do futebol francês e europeu. E investiu para isso, através da contratação de várias estrelas mundiais, valores firmados ou promessas do futebol, no sentido de construir uma equipa que pudesse não dar hipóteses em França e rivalizar com os maiores clubes europeus nas competições continentais, nomeadamente na Liga dos Campeões.

E se a primeira parte da premissa foi cumprida (nos últimos 8 anos o Paris Saint-Germain foi 6 vezes campeão), a segunda nem por isso. O gigante francês não conseguiu chegar a uma final europeia (à semelhança do Manchester City, de resto, o único outro clube do mundo que é detido por um estado, neste caso os Emirados Árabes Unidos) apesar de todo o investimento, de Thiago Silva a Marquinhos, de Verrati a Di Maria, de Ibrahimovic a Mbappé e, claro, Neymar, o jogador mais caro da história. Então mas... e guarda-redes?

A história recente do Paris Saint-Germain mostra que o primeiro guardião a chegar ao clube depois da aquisição pelo estado qatari foi Salvatore Sirigu. Proveniente do Palermo, custou cerca de 4 milhões de euros e foi dono e senhor das redes parisienses durante 4 épocas (178 jogos realizados de 2011/2012 a 2014/2015). Apesar de ter chegado à Seleção italiana (22 internacionalizações pela Squadra Azzurra), a verdade é que não se pode dizer que Sirigu fosse um guardião de classe mundial. Ou, pelo menos, não teria o mesmo reconhecimento internacional que alguns companheiros de equipa (noutras posições) ou de setor (que alinhassem noutros clubes).

Posto isto, era então altura de investir. Apesar de um tal de Alphonse Areola estar a despontar nas camadas jovens do clube, a aposta recaiu no alemão Kevin Trapp, guardião que chegava proveninente do Eintracht Frankfurt por 9,5 milhões de euros com o objetivo de ser o dono e senhor da baliza parisiense. Enquanto isso, Areola era emprestado consecutivamente a Lens, Bastia e Villarreal, até se apresentar bater Trapp na luta por ser o último muro da defesa do Paris Saint-Germain, na temporada de 2016/2017.

Com Trapp fora da jogada, parecia que seria em Areola que recairia a aposta para ser, por muitos anos, o guarda-redes do gigante francês e até, quiçá, da baliza da seleção gaulesa (Lloris já não vai para novo e Deschamps já o chamou à titularidade por três vezes em jogos amigáveis, o último dos quais em junho passado). Até porque Alphonse Areola não é um guardião qualquer. Formado nas escolas parisienses, não "superou" apenas os três empréstimos já referidos. Ganhou a corrida a Kevin Trapp e rivalizou, na temporada passada, com um tal de... Gianluigi Buffon na luta pela baliza do Paris Saint-Germain (ambos realizaram mais ou menos o mesmo número de jogos, com vantagem para Areola, de resto).

Ora, com a saída de Buffon (que, aos 41 anos, regressou à "sua" Juventus, para, quem sabe, tentar vencer a Liga dos Campeões), parecia que era desta que as coisas estavam a encarrilar para os lados de Paris. Areola era um guarda-redes com provas dadas, para grande parte da próxima década (tem apenas 26 anos) e uma das hipóteses para tomar conta da baliza francesa num futuro não muito distante.

Assim não o entenderam os responsáveis do clube parisiense, que voltaram a girar o volante para uma direção oposta, apostando na contratação de três (!) guarda-redes neste defeso: o jovem polaco Marcin Bulka, que chegou a custo zero do Chelsea, o espanhol Sergio Rico, que chega emprestado pelo Sevilha depois ter na temporada passada ter também estado emprestado pelos andaluzes ao Fulham, e, por último, o homem que se espera lidere a defesa do gigante de Paris durante a temporada, Keylor Navas.

Navas foi contratado pelo Real Madrid ao Levante em 2014, na sequência de boas temporadas realizadas ao serviço do clube valenciano e de um bom Mundial ao serviço da "sua" Costa Rica. Não se impôs logo (passou a primeira temporada na sombra de Iker Casillas), mas depois assumiu a baliza madrilena num dos melhores períodos da sua história: as três Ligas dos Campeões conquistadas de forma consecutiva de 2015 a 2018.

Com a chegada de Courtois, na temporada passada, perdeu o espaço que tinha na equipa, mas nem por isso o Real Madrid melhorou (apesar da maior cotação internacional do guardião belga). Agora, é com o estatuto de tricampeão europeu que chega a Paris, a capital dos guarda-redes deste defeso, com o objetivo de fechar a baliza de um clube que anda à procura da "sua" final da Liga dos Campeões. As mãos de Keylor, espera-se, vão ser importantes nesse processo.