Com um Manchester United-Liverpool morno, mas com um Everton-Manchester City que terminou com um surpreendente 4-0 para os azuis de Liverpool, a 21.ª jornada da Premier League já lá vai. Assim sendo, a atenção segue de imediato para este fim de semana e, em particular, para o Manchester City-Tottenham. No início do ano, apontei o Manchester City como o maior candidato ao título e, antes da época natalícia, disse que não fariam o melhor dos natais mas que começariam a ganhar terreno ao Chelsea a partir de Janeiro. Até ver só a primeira se concretizou. Esperemos para ver se a segunda também se torna realidade ou se o City de Guardiola, que já deu a sua equipa como arredada do título, não recupera mais até ao final da época.
O pior Guardiola vs. o melhor Guardiola
Seria impossível para alguém negar que Guardiola e o "seu" Barcelona revolucionaram o futebol e a forma de este ser jogado. São também inegáveis os fantásticos jogos que o Barcelona nos proporcionava contra o Real Madrid, Atlético de Madrid e outros colossos europeus. Ainda assim, para um ávido consumidor de futebol, assistir a um Barcelona-Almería em 2010 não era propriamente uma prioridade e o ‘tiki-taka’ nunca gerou consenso pelo mundo fora.
Por outro lado, assistir ao Manchester City de Guardiola, tem outro tipo de emoção. Para o treinador dos Citizens é menos interessante, mas para os adeptos torna-se menos monótono. Ver uma pessoa a errar e a perceber o que os seus jogadores conseguem assimilar e têm capacidade técnica para fazer é, ou deveria ser, considerado normal. Vai ser a errar que Guardiola chegará onde quer, será a errar que Guardiola vai colocar o City a jogar de forma mais eficaz. Contudo, também será a errar que Guardiola vai ser despedido caso não coloque a equipa a lutar pelo título o mais depressa possível.
As diferenças para os ‘melhores’
A grande diferença, e que mais tarde se reflete na forma táctica, é de mentalidade, processo das ideias e prioridades. Senão vejamos - Pochettino, Conte e Mourinho (que encaixa na perfeição nesta mesma forma de encarar o jogo e que só não está nos lugares cimeiros devido às opções de compra no mercado de verão e da qualidade da maioria do plantel) encaram o processo de jogo e as suas prioridades desta forma:
- Se perdermos a bola, o que acontece/fazemos?
- Se ganharmos a bola o que acontece/fazemos?
- Quando não temos a bola (numa situação de jogo organizado, sem contra-ataque), o que acontece/fazemos?
- Quando temos a bola (numa situação de jogo organizado, sem contra-ataque), o que fazemos?
“No primeiro treino ele [Guardiola] disse-nos: O meu trabalho é levá-los até ao último terço do terreno, o vosso trabalho é finalizar” Thierry Henry
E porque é que estes treinadores pensam desta forma? Porque as transições e a forma como defendemos (se cometemos mais ou menos erros) são estatisticamente as situações em que será mais provável o golo acontecer, tanto para um lado, como para outro. Só o Barcelona de Guardiola veio virar "tudo de pernas para o ar" e mudar o paradigma.
O que os três treinadores acima fazem é ‘play by the book’ (fazer o que dizem os livros) e, de forma a optimizar ao máximo as suas possibilidades, utilizam alas capazes de cobrir grandes distâncias durante muito tempo, centrais com ordens para não inventar, e um meio campo recheado de músculo como são os casos de Kante e Wanyama, motores do centro do terreno de Chelsea e Tottenham, respetivamente. A juntar a isto, as três equipas que comandam são fisicamente muito fortes e com uma capacidade de domínio aéreo muito superior à maioria dos adversários.
Já Pep Guardiola monta todo o seu jogo dando primazia à última prioridade acima referida, a fase de “quando temos a bola“. O técnico catalão acredita que a sua forma é mais ‘fácil’ e ‘eficaz’ de chegar onde quer, como já teve oportunidade de o provar no passado. Sendo justo, Guardiola também é adepto do ‘play by the book’. O problema é que o seu ‘livro’ vem numa língua mais complexa para os jogadores, dificultando a sua adaptação à mesma. Muitos, é preciso dizê-lo, nunca a chegam a "dominá-la".
Por sua vez, Conte, Pochettino e Mourinho jogam o jogo das probabilidades, tentando controlar as diversas vertentes do jogo e na, maior parte das vezes, adaptando-se às circunstâncias em que estão inseridos: equipa, jogadores, campeonato, momentos de forma, entre outras situações. No lado oposto está Guardiola, que joga o jogo de futebol para que as probabilidades mudem a seu favor. Pep acredita que conseguirá ter um domínio do jogo tal que reduz os momentos mais instáveis do mesmo e faz com que a melhor equipa ganhe mais vezes - não porque domina todas as vertentes, mas porque domina o jogo, não deixando margem para a ‘sorte’ ou ‘incerteza’ das quais vivem as equipas, em teoria, não favoritas.
Um problema chamado ‘transição defensiva’
Não obstante o exposto, é um facto que o Manchester City de Guardiola não consegue ainda controlar o jogo como deseja, pelo que os tais momentos instáveis acontecem com mais frequência.
Quando falamos da Premier League, falamos de verdadeira instabilidade, com maior recurso a bolas longas e a jogadores que fisicamente colocam problemas diferentes relativamente aos restantes principais campeonatos europeus. E tudo isso faz com os problemas no jogo do City sejam diversos.
Mas foquemo-nos nos mais recentes acontecimentos, ou seja, nos quatro golos sofridos pela equipa do treinador catalão frente ao Everton.
1 - Bola perdida por Clichy na construção de jogo. A precipitação do francês, que colocou o esférico nos pés de Tom Davies, deixa a equipa exposta e o golo acontece com naturalidade.
2 - Uma bola longa do guarda-redes que Yaya Touré tenta controlar para sair a jogar, como é apanágio do City, mas que acaba nos pés de Lukaku e permite assim uma situação de 3 para 3 onde, novamente com naturalidade, o golo acontece.
3 - Mais uma perda de bola, desta feita de Iheanacho para Tom Davies. Este arranca sem pedir licença e, mais uma vez, expõe as debilidades do City em lidar com contra-ataques. Primeiro, devido ao posicionamento dos jogadores aquando da construção de jogo (obrigatório se quer tentar ter a bola mais tempo), e depois devido às suas características físicas, que não se adequam a este tipo de intensidade de transição.
4 - Uma bola direta colocada na frente pelo Everton, que pede um corte seguro para a linha lateral. Stones resolve cortar a bola para a frente, tentando que esta fique no terreno de jogo. O corte embate em Coleman que está a efectuar a pressão e cai direitinha nos pés do recém entrado Lookman que só teve que encostar.
Situações deste tipo têm acontecido em todos os jogos e mesmo que os golos não surjam destas perdas de bola, o jogo muda devido às mesmas. Desta feita, haverá mais lançamentos no meio campo do City, mais cantos para os adversários, mais faltas, mais tempo e espaço para surpresas e, principalmente, haverá menos tempo e oportunidades para a equipa de Guardiola tentar marcar, algo que se tem revelado difícil no esquema tático do técnico catalão, mesmo tendo em conta a qualidade dos seus jogadores mais avançados.
E soluções, Pep?
A primeira seria mudar o esquema táctico, talvez adaptar-se aos seus jogadores e à liga, com o objetivo de disputá-la taco-a-taco nos próximos anos com Chelsea, United e Tottenham (se conseguir aguentar o ritmo). Tendo uma melhor capacidade financeira que todos os outros, o City tem mais probabilidades de terminar na frente. Mas isso, Guardiola não fará. É uma questão de princípio, para o catalão. Assim sendo, por onde (ou por quem) passará a solução?
Muito se fala da contratação de Lionel Messi. Excelente. O que não poderá acontecer é substituir valiosos jogadores pelo argentino e não conseguir adquirir mais ninguém. Se sair Aguero e entrar Messi, os problemas continuam a ser os mesmos. A juntar a isso, as regras de fair play financeiro impostas pela UEFA são uma realidade e será muito difícil contratar Messi e a este juntar mais três ou quatro jogadores de topo.
Assim, uma das soluções passa por avançar, de vez, Kevin De Bruyne para uma das alas, distribuindo melhor o seu esforço durante o encontro, e contratar um outro extremo de classe mundial. Fala-se em resgatar Sanchez ao Arsenal, outra excelente ideia.
Para o meio campo, contratar um médio para fazer companhia a David Silva. A posse de bola passaria a ser mais fiável e daria mais frutos a nível ofensivo.
Ainda assim, haveriam muitos problemas por resolver, principalmente no que à defesa diz respeito. Os defesas laterais serão fulcrais para ter sucesso a nível europeu mas na Premier League, com este esquema, não seriam a causa da falta de sucesso. Já os centrais, se Otamendi chega e sobra para as despesas, John Stones não é nem Piqué, nem Boateng, ambos jogadores que Guardiola teve à disposição, respectivamente, no Barcelona e no Bayern de Munique. A juntar a tudo isto, a provável saída de Aguero no final da temporada, deixando o City à procura de um matador, terá, muito provavelmente, que ser considerada.
Podemos acusar o Guardiola de muitas coisas mas uma delas não será a de não conhecer os limites dos seus jogadores e colocá-los, sem necessidade, numa posição em que não jogam no esplendor do seu potencial. O que não nos podemos esquecer é que Guardiola o faz por um motivo, por acreditar que o seu projecto, tal como a sua filosofia, é a longo prazo. Quando obriga os jogadores a jogarem de uma forma que não lhes assenta na perfeição, fá-lo em prol da equipa, fá-lo para mais tarde garantir que todo o processo funciona, mesmo que precise de trocar duas ou três peças-chave.
Imaginemos agora que Guardiola decide adaptar-se e muda temporariamente a sua maneira de jogar, de forma a proporcionar um melhor rendimento aos seus jogadores. O que aconteceria é que alguns dos seus jogadores iriam, de facto, melhorar o seu rendimento, e consequentemente a equipa iria beneficiar com isso. Contudo, por outro lado, Guardiola não saberia depois quais as peças-chave que seria necessário substituir para que o seu modelo de jogo possa funcionar na perfeição. Desta forma, falhando, ele poderá identificar quais as lacunas e voltará mais forte, jogando e comandando a equipa segundo a filosofia em que acredita e que o faz gostar daquilo que faz.
Guardiola, que já revolucionou a forma de jogar futebol, poderá em breve, caso lhe seja dado tempo para construir o seu legado no City, mudar a forma como se encara a profissão. Nascido para revolucionar, o catalão poderá ser o responsável por daqui a uns anos já não acharmos, como adeptos de futebol, que por não ganharem no imediato os treinadores não sejam bons ou adequados ao clube que representam.
A vigésima segunda jornada arranca sábado, dia 21, com um Liverpool-Swansea. O Manchester City-Tottenham encerra o dia, tendo início marcado para as 17:30. Não esquecer que no domingo, começa a infernal série de quatro jogos para o Hull City de Marco Silva (o primeiro é com o líder, Chelsea), sobre a qual escrevi aqui.
Pedro Carreira é um jovem treinador de futebol que escolheu a terra de sua majestade, Sir. Bobby Robson, para desenvolver as suas qualidades como treinador. Tendo feito toda a sua formação em Inglaterra e tendo passado por clubes como o MK Dons e o Luton Town, o seu sonho é um dia poder vir a treinar na melhor liga do mundo, a Premier League. Até lá, pode sempre acompanhar as suas crónicas, todas as sextas, aqui, no SAPO 24.
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