Tal como Picasso ou qualquer outro artista de eleição, Bernardo é obcecado com a forma como joga, e rentabiliza da melhor forma todos os atributos que desenvolveu ao longo dos anos. Mas mais que isso, Bernardo sabe que o talento não existe, ou pelo menos não faz parte das contas finais, a não ser que seja acompanhado de trabalho árduo.

Quando o jogador encaixa na perfeição na filosofia

Depois de se juntar ao clube no verão de 2017, e de se tornar opção regular de Pep Guardiola em dezembro do mesmo ano, Bernardo Silva ajudou o City a disparar para o título na temporada passada e tem sido um dos principais catalisadores, se não o principal, deste Manchester City que tem feito uma época, mais uma vez, fantástica. Com a ausência de De Bruyne durante praticamente todo o ano, Bernardo, que já jogava e fazia jogar, teve a oportunidade de assumir um papel diferente na equipa.

Com o companheiro David Silva — que apesar de já não ir para novo insiste em mostrar ao discípulo que por muita técnica que se tenha o trabalho árduo não só ajuda como muitas vezes é o que facilita todo o processo de criação — Bernardo tem feito uma época de sonho.

A influência e cumplicidade de Bernardo e David permitem ao City, hoje em dia, de estar no topo da liga, de já ter vencido duas competições — a Supertaça inglesa frente ao Chelsea no início da temporada e mais recentemente, também frente ao Chelsea a Taça da Liga —, e são o que faz os adeptos acreditarem numa época histórica, podendo ainda vencer o campeonato, a Taça de Inglaterra e a Liga dos Campeões.

Tudo isto somado, faz com que o Manchester City não hesite em segurar o craque (e um dos mais importantes jogadores da seleção portuguesa de futebol) e esteja disposto a renovar o seu contrato por um período de seis temporadas. (Podendo, inclusivamente, segundo a informação que tem vindo a lume, duplicar o seu salário.) Apesar de ambas as partes ainda estarem em negociações, não se prevê que o City se acanhe em pagar o que tiver que pagar para manter um dos jogadores mais influentes do plantel, assim como Bernardo parece não só extremamente feliz em Manchester como não faria sentido, nesta fase da carreira, trocar Pep Guardiola por qualquer outro treinador que seja. A filosofia de um e a genialidade de outro fazem mais sentido juntas.

Bernardo Silva
Bernardo Silva créditos: Paul ELLIS / AFP

O segredo de Bernardo Silva

Todos já percebemos que, quando a qualidade das equipas é muito parecida, a diferença faz-se nos detalhes. Mas os detalhes são algo de peculiar. Estes só afetam o jogo se o trabalho árduo estiver presente. Ora, vejamos um exemplo de um desporto que, apesar de totalmente diferente do futebol, demonstra na perfeição o que quero dizer: o ténis.

Quantas vezes já vimos um jogador dominar o encontro durante dois sets, estar em total domínio e de repente o jogo muda? E o mesmo jogador que há pouco tinha o controlo total do encontro e parecia estar perto da vitória em três sets (no caso dos encontros disputados à melhor de 5), começa, sem que nada o fizesse prever, a fazer mais erros-não-forçados, a falhar bolas que até ao momento não tinha quaisquer problemas em concretizar? Muitas das vezes o principal elemento para que tal aconteça é a pressão, mas noutras tantas, trata-se nada mais nada menos do que preparação física. Num jogo em que o detalhe é essencial, o chegar um milésimo de segundo atrasado à bola é a diferença entre a bola ultrapassar a rede ou bater na tela e não passar para o lado do adversário.

No futebol hoje em dia os detalhes funcionam muito da mesma maneira. O poder de conseguir estar no sítio certo à hora certa tem muito a ver com a condição física e com o trabalho árduo. Os jogadores que mais afetam os encontros são, nos dias que correm, máquinas de atacar, mas são igualmente máquinas de pressionar alto e de fazer sprints em transição defensiva de modo a ganhar a posse de bola o mais cedo possível.

Mais mais que um génio com a bola, como Mendy nos relembra (e bem!), Bernardo Silva demonstra a cada jogo que realiza uma capacidade muito acima da média de afetar o jogo pelo seu trabalho árduo.

A 3 de janeiro deste ano, acabados de passar o ano, Bernardo mostrou-se mais preparado que qualquer outro companheiro de equipa ou colega de profissão. Num jogo que poderá ter feito a diferença para vencer o título, o médio português correu nada mais nada menos que 13.7 quilómetros, batendo o recorde da liga, que já lhe pertencia, num jogo frente aos Spurs em outubro de 2018, provando mais uma vez que a fantasia e a técnica individual são importantíssimas mas que aliadas à força e capacidade de trabalho, tornam-se invencíveis. Nesse dia foi mesmo isso que aconteceu, tendo o Manchester City derrotado o Liverpool por duas bolas a uma.

Bernardo Silva: "Eu tento estar o mais preparado fisicamente possível, comendo bem e dormindo melhor, porque eu sei o quão intensa é a Premier League (…) Se pensares rápido e tentares ganhar a bola com outras solução que não a força, começas a aprender. Essa é a história da minha vida desde que jogo futebol"

Mais que apenas uma exibição de gala, excecional, Bernardo tem feito da Premier League o seu escritório e a capacidade de trabalho tem sido nada mais que uma constante na hora de expediente. Bernardo tinha, em fevereiro passado, uma média de 12.26 Km/90min de jogo, fulminando a concorrência, deixando para trás jogadores como N’Golo Kante (11.87Km/90min) do Chelsea. Já seria impressionante se Kante fosse um jogador ‘apenas’ à semelhança de Claude Makélélé, cuja função era fundamentalmente ’varrer’ o meio campo de um lado ao outro impedindo as movimentações adversárias, mas N’Golo Kante é um jogador muito mais completo cujas funções ofensivas o levam, principalmente esta temporada, de área a área. O que tornam os número do português Bernardo Silva ainda mais impressionantes, não deixando margem para surpresa o facto de nos últimos 18 meses este se ter tornado num dos jogadores de eleição de Pep Guardiola. E na realidade não é só de Pep, mas também dos adeptos.

Recentemente no encontro frente ao Schalke 04, na Alemanha, a contar para a Liga dos Campeões, os Citizens fizeram de Bernardo Silva o porta-estandarte da campanha europeia, fazendo do português a personagem principal da sua caminha até à final da Liga dos Campeões, este ano, a realizar-se no estádio do Atlético de Madrid.

“Bernardooooooo,
Running down the wing, Silva!
Makes the blue boys sing, Silva!
We are going to Madrid!”

Bernardo está a tornar-se num sério candidato a melhor jogador da Premier League esta temporada e, em minha opinião, não só é merecido, como é muito provável que o consiga. Caso o Manchester City vença a corrida pelo título ao Liverpool, o português poderá mesmo suceder a Mohamed Salah como o rei da liga inglesa. E, a confirmar-se, torna-se no segundo português a conseguir vencer o prémio depois de Cristiano Ronaldo o ter conquistado nas temporadas de 2006/07 e 2007/08.

Esta semana na Premier League

Como escrevi há pouco tempo, o Manchester United apresenta-se em qualquer estádio sem pressão alguma. A prova disso foi não só o empate em casa com o poderoso Liverpool mas também a vitória e consequente passagem aos quartos-de-final a meio da semana para a Liga dos Campeões. Porém, esta semana, as coisas poderão ser diferentes. Depois de tamanha libertação de energia, com a emoção e esforço físico colocados no jogo realizado e Paris, as consequências são, normalmente, um menor rendimento para o campeonato. Poderá não ser a regra, mas acontece com alguma regularidade. A rivalidade já vem de longe mas não só a equipa vem de uma vitória desgastante como os principais protagonistas da vitória no final de Janeiro — Arsenal 1 Manchester United 3 a contar para a FA Cup — estão lesionados. Ou seja, será sem Jesse Lingard e Anthony Martial que o United irá defrontar o sempre difícil Arsenal. A não perder, no domingo, dia 10, pelas 16h30.