Era segunda-feira, dia quatro de dezembro. Estávamos em 2000. Numa conferência de imprensa, Luís Duque, antigo presidente do Sporting Clube de Portugal, estava sentado ao lado de Augusto Inácio. Era a despedida do homem que na temporada que virou o século, com uma goleada por 0-4 no terreno do Salgueiros, em Vidal Pinheiro, colocou fim a um jejum de 18 anos em que a turma de Alvalade não venceu o campeonato, mas que tinha começado a época 2000/01 de forma desastrosa.

Os campeões nacionais, até chegarem a este dia, somavam, em todas as competições, nove vitórias, cinco empates e sete derrotas. No meio da estatística, estava um último lugar no Grupo A da Liga dos Campeões, com uns modestos dois pontos fruto de dois empates em Alvalade, frente ao Bayer Leverkusen e ao Real Madrid, uma derrota no estádio da Luz por 3-0 e um quarto lugar no campeonato, a cinco pontos do líder FC Porto, que assentava mal à equipa que envergava o escudo de campeão nacional entre as riscas verdes e brancas.

O Sporting estava mal e o nome que era apontado aos leões causava revolta entre os adeptos. “Inácio, tu até podes ir embora. O que nós não queremos é que venha o Mourinho”, ouve-se um adepto gritar naquela noite de segunda-feira. O treinador do SL Benfica estava de saída da Luz, depois de ter entrado em choque com a direção de Manuel Vilarinho que derrotou Vale e Azevedo nas eleições para a presidência do clube encarnado, afirmando que Toni, o homem que tinha dado o último título de campeão nacional às águias, em 1993/94, era o seu treinador.

José Mourinho tinha 37 anos e estava a ter a sua primeira experiência como treinador principal depois de ter trabalhado com Bobby Robson no Sporting, de ter sido adjunto do mesmo no Porto e no FC Barcelona, clube onde haveria também de ser adjunto do holandês Louis van Gaal. E já na altura era tudo menos consensual.

O técnico sadino pegou numa equipa impaciente, que não ganhava o campeonato há sete anos, com um plantel abaixo dos padrões de outrora e desmotivada depois de um terrível início de época com o alemão Jupp Heynckes, que começava a segunda época ao serviço do Benfica, dois anos depois de ter sido campeão europeu com o Real Madrid. Em cinco jogos, os encarnados conquistaram apenas duas vitórias e Heynckes deixava o clube num sétimo lugar, com os mesmos pontos do Sporting, a dois do Porto, segundo classificado, e a cinco do Sporting de Braga, líder isolado do campeonato.

Mourinho pegava numa equipa com um mau começo, mas ainda longe de ter uma época condenada. Assume a mudança de metodologias, participa na mítica conferência dedicada Sabry (que se tinha queixado à comunicação social de falta de protagonismo e que levou como resposta um "Isto é o Benfica não é o PAOK de Salónica") e o Benfica encarrila. O "novo" Benfica entusiasmava mas o último jogo do técnico setubalense ao serviço das águias seria diante do Sporting, em que venceu categoricamente por 3-0. Era domingo, o Benfica estava em sexto lugar, a dois pontos dos leões e sete dos dragões, primeiros classificados e Mourinho dizia que a sua equipa tinha sido uma “perfeição”.

Da vitória frente ao campeão nacional houve duas coisas a reter: um festejo efusivo de Mourinho para os adeptos do Sporting e uma reunião solicitada à direção do clube da Luz, aquela que tinha sido eleita dias antes mas que não foi visada numa dedicatória do agora Special One aquando da vitória do Benfica sobre o Campomaiorense (realizado já depois das eleições no clube da Luz). Mourinho foi "Mourinho" e fez questão de dedicar essa vitória a quem o convidou a assumir o comando da equipa. Ou seja, Vale e Azevedo.

Vilarinho tinha dito que Toni era o seu treinador, Mourinho queria confiança para o resto da época e, embalado pela vitória por 3-0 frente ao eterno rival, pediu a extensão do seu contrato de trabalho, e da sua equipa técnica, algo que o novo presidente viu como um ultimato e não aceitou. Enquanto esta reunião acontecia, do outro lado da Segunda Circular, na conferência de imprensa em que se comunicava a saída de Augusto Inácio do clube de Alvalade (na sequência, precisamente, da derrota por 3-0 na Luz aos pés do Benfica de Mourinho) os adeptos leoninos contestavam Luís Duque, então presidente da SAD sportinguista, perante os rumores que diziam que o treinador sadino iria atravessar a passadeira para o outro lado da estrada. Na tal conferência de imprensa dizia-se que “se ele [José Mourinho] vier, você [Luís Duque] e ele não metem mais o pé em Alvalade”.

Oficial: Sporting contrata Rúben Amorim por 10 milhões de euros
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Hoje sabemos que foi Fernando Mendes quem sucedeu a Augusto Inácio, como também sabemos que Luís Duque tinha tudo certo para contratar José Mourinho. A história que circulava como facto nos meandros do futebol foi tornada pública em dezembro de 2012, quando o antigo presidente da SAD do Sporting disse que “notáveis, como Pedro Baltazar, impediram que José Mourinho fosse para o Sporting”, lamentando que o clube tenha assim passado ao lado daquela quer seria, possivelmente, a sua melhor década de sempre no futebol, e confirmada meses depois por José Veiga, antigo empresário do treinador setubalense.

"O Mourinho era treinador do Sporting quando uma pessoa responsável saiu de uma reunião connosco. Tudo mudou em duas horas, o tempo que demorámos a chegar a Alvalade. Duas horas depois, estava o Mourinho a ver a conferência de imprensa, a pensar que iria ser anunciado como treinador, mas aconteceu o contrário", revelou Veiga, no programa Linha da Frente, da RTP.

"Em duas horas deixou de ser treinador do Sporting, porque os dirigentes tiveram receio”, sublinhou.

Nessa temporada, o Boavistão sagrou-se campeão. O Sporting foi terceiro, a 15 pontos do primeiro lugar, com três treinadores diferentes (Manuel Fernandes ainda sucedeu a Fernando Mendes) e com um recorde máximo de derrotas do clube em jogos oficiais: 15 (10 no campeonato, quatro na Liga dos Campeões e uma na Taça de Portugal). O Benfica, com um sexto lugar, assinou a pior época da sua história na liga portuguesa e com Toni ao leme. Pode-se dizer que foi este o rasto deixado pela ausência de Mourinho.

Hoje, duas Ligas dos Campeões, uma Taça UEFA, uma Liga Europa, duas ligas italianas, três ligas inglesas, uma liga espanhola, uma liga portuguesa, uma Coppa Italia, uma Supertaça italiana, uma FA Cup, quatro Taças da Liga inglesas, duas Supertaças inglesas, uma Copa del Rey, uma Supertaça espanhola, uma Taça de Portugal e uma Supertaça Cândido de Oliveira depois, todos sabemos o treinador que o Sporting perdeu. Hoje, o mesmo clube que à 23.ª jornada afunda-se no máximo histórico de derrotas de 2000/01 - também igualado em 2012/13, na pior temporada de sempre dos leões em que a equipa de Alvalade terminou em sétimo lugar, num ano em que foi orientada por quatro treinadores diferentes (Ricardo Sá Pinto, Oceano, Frank Vercauteren e Jesualdo Ferreira) -, contrata Rúben Amorim na tentativa de se reerguer aos ombros de um treinador que, em poucos jogos, mostrou muito futebol.

Equiparar Rúben Amorim ao José Mourinho de hoje poderia ser o início de uma anedota a circular num qualquer grupo de Whatsapp daquela malta que se costuma juntar ao fim de semana para ir à bola. Mas comparar Amorim com aquele Mourinho com apenas 11 jogos como técnico principal ao serviço do Benfica (seis vitórias, três empates e duas derrotas) corre o risco de não ser assim tão descabido.

José Mourinho trazia o conhecimento de adjunto de Bobby Robson e Louis Van Gaal. Rúben Amorim o conhecimento de um ex-jogador de futebol, polivalente, que vestiu as cores do Belenenses, SL Benfica, Sporting de Braga e o Al-Wakrah, do Qatar e que foi treinado por homens como Quique Flores, José Peseiro, Carlos Carvalhal, Leonardo Jardim e, claro, Jorge Jesus.

Mourinho teve um início de carreira tremido. Rúben Amorim também. Como treinador estagiário do Casa Pia, o antigo médio internacional português, foi alvo de um processo do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol por ter dado indicações para dentro de campo, num jogo frente ao Oriental a contar para a segunda liga. A queixa, apresentada pela Associação Nacional dos Treinadores de Futebol, sublinhava que Amorim tinha apenas o Grau I do curso de treinador de futebol e que portanto estava impedido de desempenhar as funções de treinador principal. Uma multa duríssima (14 mil euros), menos seis pontos e cinco jogos à porta fechada para o clube lisboeta e uma suspensão de três meses, uma multa de 2.600 euros e a inibição de ser inscrito como treinador durante um ano para o ex-jogador, levaram a que experiência no Casa Pia fosse mais curta do que o esperado, apesar do bom futebol e dos bons resultados. No início desta temporada, ainda com o grau de treinador de nível II, Amorim assumiu o comando da equipa B do Sporting de Braga, com Micael Sequeira, o seu adjunto, a fazer as vezes de treinador principal, enquanto o antigo médio voltou a estar remetido ao banco. Na segunda turma dos arsenalistas, brilhou com oito vitórias, dois empates e uma derrota e com um futebol assente num sistema de três defesas, linha defensiva subida e trabalhado nas entrelinhas no último terço do campo, o que lhe valeu a chamada à equipa principal do Braga após a saída de Ricardo Sá Pinto.

O Braga de Rúben Amorim (ou como a invencibilidade é sobrevalorizada)
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Rúben Amorim assumiu uma equipa na 10.ª posição do campeonato a 21 pontos do primeiro classificado, o Benfica, na altura. Oito jornadas depois, o Sporting de Braga galgou a tabela calssificativa até à terceira posição. Pelo caminho venceu o FC Porto, no estádio do Dragão (1-2), venceu o Sporting, na Pedreira (1-0), e o Benfica, no estádio da Luz (0-1). Venceu a Taça da Liga, competição onde somou mais duas vitórias sobre os grandes, leões e dragões desta feita. No curto currículo, assinala-se "apenas" o infortúnio da eliminação do Braga nos 16-avos da Liga Europa, aos pés do Glasgow Rangers, com duas derrotas (3-2 e 0-1), as únicas desde que assumiu o comando dos arsenalistas, mas onde deixou muito boa impressão com um futebol de ataque, construtivo e maduro.

Em poucos jogos, o antigo jogador da seleção portuguesa, mostrou ser uma lufada de ar fresco para o futebol português, com muitos a culparem a influência de Jorge Jesus nos tempos em que Amorim, enquanto jogador, foi comandado pelo treinador natural da Amadora, quer no Belenenses, quer no Benfica. No entanto, e apesar de admitir que o perfeccionismo de JJ está lá - para além de algumas das suas ideias, como é exemplo a utilização da linha defensiva -, Amorim diz que a sua referência é outra: José Mourinho.

"Há treinadores que têm uma forma de ver o jogo que eu gosto, como o Guardiola, mas, para mim, a referência é o Mourinho, porque vejo a bola de forma mais parecida com o mister Mourinho, ou seja, analisa muito bem os adversários e mete a sua equipa, não só com um determinado modelo de jogo, mas a pensar muito como é que se adapta para ganhar. E eu sou um bocado assim", confessou em entrevista à Tribuna Expresso.

José e Rúben, Amorim e Mourinho são duas personalidades distintas. Um é um homem de balneário, o outro mestre dos mind games nas conferências de imprensa, mas para além dos inícios de carreira promissores, há algo que no momento em que são aproximados do Sporting os distingue: estão longe de ser unânimes entre os adeptos leoninos.

Se ambos mereciam a natural desconfiança do risco pela curta experiência como técnicos principais, uma das razões que fez e faz a comunidade verde e branca rejeitá-los tem um só motivo: a ligação ao Benfica. Se José Mourinho com os festejos exuberantes na vitória por 3-0 a três de dezembro de 2000 causou o tumulto entre adeptos numa conferência de imprensa, Amorim está a causar os tumultos possíveis 20 anos depois com a sua entrevista ao podcast Maluco Beleza, há dois anos, em que revela que, desde sempre, foi “fanático” pelo Benfica. Contudo, no caso de Amorim, o valor de 10 milhões de euros com que o Sporting irá compensar o SC Braga por um treinador com apenas 13 jogos de experiência ao mais alto nível levam também ao levantar de alguns sobrolhos.

Em 2000, a contestação foi decisiva para Mourinho não treinar mais nessa temporada. Hoje, a decisão da direção do Sporting venceu a opinião de muitos e prepara-se para colocar Rúben Amorim no top-3 de transferências mais caras de treinadores da história do futebol para contar com aquele que espera que seja "o novo Mourinho".

Artigo atualizado no dia 5 de março às 12h, após a oficialização na CMVM de Rúben Amorim como próximo técnico do Sporting