“Não tinha a devida consciência, nunca tive ideia de que aquilo poderia constituir uma tentativa de extorsão. Hoje em dia reconheço que o comportamento que tive pode ser enquadrado num crime de extorsão na forma tentada. Mas, naquela altura, agi com a maior naturalidade”, afirmou o criador da plataforma eletrónica na sessão do julgamento em curso no Juízo Central Criminal de Lisboa.

Continuando a responder às perguntas do coletivo de juízes, Rui Pinto explicou que o mail enviado ao CEO da Doyen, a insistir para que houvesse uma resolução na situação de divulgação de documentos do fundo de investimento através do Football Leaks, “foi um bluff, como tantos outros”, com vista a pressionar a Doyen.

Perante o email enviado por Aníbal Pinto a Pedro Henriques (advogado de Nélio Lucas), a levantar a possibilidade de estar em causa um crime, o jovem confessou não ter então real noção das coisas: “Em algum período terá sido usada a expressão chantagem ou extorsão, mas, na altura, não estava consciencializado do significado de extorsão. Houve uma altura, mas não me recordo se foi antes ou depois do encontro”.

O arguido afirmou inclusivamente que, para ele, extorsão era então “um palavrão como outro qualquer”, reiterando por várias vezes a “trapalhada” que esta situação representou. Por outro lado, disse não ter explicação para os valores que iria auferir no suposto contrato a estabelecer com a Doyen (25 mil euros anuais por cinco anos), muito abaixo dos 300 mil euros que caberiam a Aníbal Pinto, o advogado que o estava a representar nesta matéria.

Contudo, Rui Pinto procurou mais tarde distanciar o reconhecimento da possível ocorrência de um crime com uma suposta prática efetiva da tentativa de extorsão, quando confrontado com o email de Aníbal Pinto para Pedro Henriques.

“O email diz ‘parece configurar’… Do parecer ao ser vai uma distância muito grande, fazia todo o sentido discutirem presencialmente o que estava em causa”, salientou, sem deixar de enfatizar que o propósito do encontro entre Aníbal Pinto, Nélio Lucas e Pedro Henriques era criar “espaço para uma reunião posterior” com o CEO da Doyen, mas já com um “documento que conseguisse blindar” a identidade de Rui Pinto.

Reconhecendo ficar “embasbacado” com alguns aspetos relatados no processo no que diz respeito à tentativa de extorsão, Rui Pinto assinalou que “a própria divulgação de documentos no Football Leaks já poderia constituir crime” e admitiu até que esteve tentado a aceitar um acordo com Nélio Lucas.

“O meu comportamento foi inqualificável. Balancei e pensei mesmo em aceitar o acordo com Nélio Lucas”, disse, apesar de ter frisado anteriormente que não tinha dado indicações a Aníbal Pinto para a elaboração de um contrato com a Doyen, acrescentando: “Estava no limiar de me vender àquela gente e de trair os meus princípios”.

Alegou também que já tinha desistido daquelas conversações, mas que foi por indicação de Aníbal Pinto que enviou um outro email a Nélio Lucas “para pôr por escrito uma desistência” relativamente à tentativa de extorsão.

O julgamento do processo Football Leaks continua na próxima segunda-feira, a partir das 09:30, com a continuação das declarações do principal arguido do caso, num momento em que o coletivo de juízes ainda vai sensivelmente a meio da acusação do Ministério Público.

Rui Pinto, de 33 anos, responde por um total de 90 crimes: 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo, visando entidades como o Sporting, a Doyen, a sociedade de advogados PLMJ, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Procuradoria-Geral da República (PGR), e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por extorsão, na forma tentada. Este último crime diz respeito à Doyen e foi o que levou também à pronúncia do advogado Aníbal Pinto.

O criador do Football Leaks encontra-se em liberdade desde 07 de agosto de 2020, “devido à sua colaboração” com a Polícia Judiciária (PJ) e ao seu “sentido crítico”, mas está, por questões de segurança, inserido no programa de proteção de testemunhas em local não revelado e sob proteção policial.