Para começo de conversa, e para evitar boatos e maledicências - que eu já sei como é que vocês são -, acho importante sublinhar que a minha escolha de jogador para este texto em nada se prende com as características físicas do mesmo. Se alguém ousar insinuar que escolhi o Samaris por ter aquela cara de deus grego, aquele corpo de coluna jónica ou aquele rabo que parece ter sido esculpido à mão por Miguel Ângelo (como todos pudemos ver no jogo contra o Rio Ave. Obrigada, Coentrão, nunca o teu feitio de merda teve tanta utilidade), eu nego tudo. Se disserem que eu era capaz de largar um casamento de dez anos só para ir conhecer o Partenon pela mão do nosso 22, eu continuo a negar tudo. Que me caia aqui o Samaris em cima se eu não estou a falar a verdade!

Pronto, agora que isto ficou devidamente esclarecido - Deus nos livre de mal-entendidos - penso que já podemos debruçar-nos sobre o jogador. Sobre as características do jogador, as CA-RAC-TE-RÍS-TI-CAS. Valha-me Deus, parem de ser retorcidos! E há muito para dizer sobre o assunto. Samaris deixou o Olympiacos e aterrou no estádio-mais-bonito-do-universo, em 2014, com duas missões praticamente impossíveis: substituir o magnânimo (e igualmente gostosão) Fejsa, encostado por uma lesão, e perceber o dialecto de Jorge Jesus. A verdade é que superou as duas provas com sucesso: não só se adaptou ao relvado da Luz como se lá tivesse nascido, como ao fim de muito pouco tempo já dominava suficientemente bem o português para poder dar lições de gramática a Jesus. Um génio.

E tudo corria bem. Os adeptos estavam felizes, as adeptas ainda mais, todos estavam rendidos ao sorriso do nosso iogurte grego, à classe com que se instalou no meio campo e tomou conta daquilo tudo. Porque Samaris é confiança, é tipo o nosso condutor 100% cool. Sabemos que podemos fazer merda com fartura que, no final, haverá sempre alguém para nos levar em segurança.

E depois chegou Rui Vitória. O homem que nos deu dois campeonatos, uma Taça de Portugal, uma Taça da Liga, duas Supertaças e… o Filipe Augusto. Eu sei que há uma tendência natural para apurarmos a nossa memória selectiva e eliminarmos da mente acontecimentos que nos traumatizaram, mas eu  não me esqueço: Rui Vitória achou que era uma ideia incrível encostar Samaris, o lindo, para dar lugar a Filipe Augusto, a nódoa. Isto aconteceu, pessoas! E o que fez Samaris? Partiu aquilo tudo? Não! Fez as malas e apanhou o primeiro autocarro para Atenas? Não! Arranjou um bonequinho de voodoo com a cara do Filipe Augusto e espetou-lhe alfinetes nos rins? Não sabemos, é provável que sim.

O que sabemos é que de Samaris nunca se ouviu, publicamente, uma mensagem de descontentamento. O que sabemos é que Samaris, no banco, era o primeiro a invadir o relvado de cada vez que os colegas marcavam golo, como se fosse benfiquista desde pequenino. O que sabemos é que esperou pacientemente que Bruno Lage voltasse a dar-lhe uma oportunidade. O que sabemos é que quando o Fábio Coentrão se armou em parvo, a única coisa que Samaris fez foi apontar para o emblema que trazia ao peito, como quem diz “respeitinho, isto aqui é o Benfica”. Gesto que, no mínimo, devia ter dado direito a estátua ao lado da do Eusébio e a renovação automática logo ali no relvado. A renovação não chegou ali, mas chegou dias depois: Samaris é nosso até 2023.

Obrigada, Samaris.