Antes do jogo começar, havia um espaço gigante entre as duas equipas. Traduzia-se em três lugares, do primeiro ao quarto, e em 16 pontos na tabela classificativa. Por essa razão, Silas, na conferência de antevisão do encontro, dizia que este encontro valia muito mais do que três pontos.
E valia.
Valia porque os leões precisavam de se vingar do último jogo grande em Alvalade, frente ao FC Porto. Uma exibição segura, atraiçoada pelo azar no momento da finalização.
Hoje, há um espaço gigante entre a equipa de Alvalade e águias e dragões e por isso, vencer o dérbi lisboeta desta noite era essencial para mostrar que o Sporting é um grande, desfasado da realidade a que pertence por uma série de fatores que ao futebol propriamente jogado não dizem respeito.
Sem Vietto e Sebastián Coates, Silas lançou um onze em que Tiago Ilori fez dupla com Mathieu, Rafael Camacho a ocupar a direita e um meio-campo entregue a Wendel, Doumbia e Bruno Fernandes.
Já o Benfica regressava ao onze que nos habituou nos últimos jogos, com André Almeida na direita da defesa, Chiquinho e Carlos Vinicius na dupla de ataque. No meio-campo, a dupla Weigl e Gabriel assumia-se como única novidade.
Logo no início da partida, Bruno Lage colocou a nu o seu plano: pressionar, pressionar alto e obrigar Wendel e Doumbia ao erro. A proposta de domínio encarnado correu bem nos primeiros 15 minutos, em que os leões, com a bola quente nos pés, somaram erros e não mostraram qualidade a sair a jogar.
Com um início de jogo forte, o Benfica teve uma oportunidade logo nos primeiro minutos com uma saída de Luis Maximiano, guarda-redes dos leões, fora de tempo a ser aproveitada por Vinícius, que cruzou atrasado para Cervi que viu o golo a ser negado por Ilori. Logo de seguida, o avançado brasileiro voltou a pegar nas rédeas do ataque das águias e disparou perto da trave da baliza leonina.
O lote de oportunidades do primeiro fulgor encarnado fechava-se com Pizzi que, com todo o espaço do mundo dentro da área do Sporting, deu um nó cego em Acuña e atirou fortíssimo para defesa de Max.
No futebol, a questão da gestão e movimentação do espaço é fundamental, sobretudo nas equipas grandes. O Benfica procurava sufocar o Sporting, que se precipitava no passe. O Benfica conseguia o espaço que nunca lhe devia ser concedido.
O holandês Johan Cruyff dizia: “os jogadores, na verdade, têm posse da bola, em média, durante 3 minutos. Portanto, o mais importante é: o que fazer durante os outros 87 minutos em que não se tem a bola? É isto que determina a qualidade do jogador.” Ouso acrescentar o implícito: é isto que determina a qualidade de um jogo.
Mas o Sporting CP não ficou à espera de ser empurrado até à linha final. Perante um Benfica a jogar alto, o espaço nas costas da defesa dos encarnados tornou-se no palco óbvio dos leões. Para meter a bola lá não havia que procurar muito. Bruno Fernandes, maestro e capitão dos verdes e brancos, a quem esta noite foi vaticinada como a última de leão ao peito, viu isso e ao minuto 13 soltou a bola longa à procura de Rafael Camacho, velocista de excelência, que perante a hesitação de Ferro, que tentou acompanhar o extremo no lance, ganhou posição e disparou sobre a baliza defendida por Vlachodimos, mas com pontaria a mais. A bola embateu no poste e a sensação de déjà vu começou a pairar no ar.
O Benfica provocava o erro no setor mais recuado do meio-campo leonino e ganhava espaço entrelinhas. Nas estatísticas estava melhor, mas faltava discernimento para conseguir o golo. A bola chegava lá, mas as jogadas eram inconsequentes. Foi apenas de bola parada que Gabriel (22') e André Almeida (42') conseguiram criar perigo. Ao cabeceamento do médio, respondeu, muito bem, Max, já a finalização do lateral direito foi embater nas malhas laterais.
À inconsequência dos ataques das águias, a verticalidade do jogo do Sporting provocava as melhor oportunidades de golo da primeira parte. Aos 34 minutos, Rafael Camacho, outra vez, respondeu de cabeça a um grande cruzamento de Acuña para uma grande defesa de Vlachodimos. Um minuto depois os leões fizeram golo, mas a posição irregular de Luiz Phellype levou o árbitro a assinalar fora de jogo.
O jogo estava dividido e se a estatística ao intervalo mostrava um Benfica mais forte em praticamente todas as variáveis, escondia que foram os leões à boleia de Camacho, que estiveram mais perto do golo.
Na segunda parte, a necessidade da gestão de espaços tornou-se mais evidente, mas neste caso na bancada atrás da baliza defendida por Max, após um momento que envergonha o futebol e que não pode ser qualificado nem de apoio nem de protesto. Falo de uma chuva de tochas por parte das claques leoninas que obrigou à interrupção do jogo por cerca de cinco minutos.
Volvidas as condições para retomar a partida, o Sporting mostrou-se mais acutilante, partindo para cima do Benfica e pressionando o adversário à procura do golo. O plano de Silas foi eficaz. Apesar de a melhor situação dos leões ter sido um remate de Doumbia, que obrigou o guarda-redes grego das águias a uma grande defesa com a ponta dos dedos, a equipa encarnada via-se incapaz de causar perigo.
A diferença neste momento prendia-se com as soluções que cada equipa dispunha no banco e como Silas fez questão de sublinhar na conferência de antevisão antes do encontro, o Benfica tinha muitas. E o Sporting, poucas.
Lage tinha um espaço vazio no ataque encarnado e que por aquela altura se dava pelo nome de Chiquinho que fez esta noite uma das exibições mais apagadas da temporada com apenas 17 passes certos e um único drible completado. Para a saída do português entrou Rafa que depois dos primeiros minutos no jogo da Taça de Portugal diante do Rio Ave, após uma longa paragem por lesão, voltava a atuar na liga e preparava-se para tirar os holofotes do seu homónimo que atuava de verde e branco.
O ribatejano entrou aos 74 minutos e aos 80, depois de um lance de confusão na área leonina ganho por Carlos Vinicius que não se deixou travar, estava no sítio certo, 25 centímetros no sítio certo, para ser mais preciso, para inaugurar o marcador da partida com um remate cruzado e rasteiro.
Os dez minutos de compensação, causados em grande parte pela demora do VAR em confirmar que Rafa estava no sítio certo, e pelas tochas, permitiram ao extremo que saltou do banco bisar na partida.
Já com Seferovic em campo, o suíço aproveitou um mau alívio de Tiago Ilori para colocar a bola em Rafa, que mais uma vez estava no sítio certo. Desta feita, sozinho, atirou de trivela para o fundo da baliza de Max.
Na senda da vitória do Sporting de Braga no estádio do Dragão, o Benfica aumentou assim o espaço para o FC Porto, de quem passa a estar a sete pontos, e para o Sporting (19 pontos), ao mesmo tempo que Bruno Lage consegue a melhor primeira volta de sempre no campeonato nacional (disputado a 18 equipas), somando 48 pontos em 51 possíveis.
Além do registo na liga, o Benfica conseguiu um feito que não alcançava desde a temporada 1950/51, passando a liderar os confrontos, a contar para o campeonato, diante do Sporting em Alvalade, ao mesmo tempo que também bateu o recorde de vitórias consecutivas fora de casa, ao alcançar a 17.ª esta noite.
Estes recordes, somados à pior campanha de sempre dos leões em casa nos oito primeiros jogos caseiros (quatro derrotas) na Liga NOS, poderão ser perigosos, desvirtuando os factos de um encontro que foi maioritariamente equilibrado e ao qual faltou um golo mais cedo para lhe dar outro ritmo. Mas é a consequência natural da gestão dos espaços, o da equipa que gere o espaço de luta pelo título e da outra que gere o mal menor.
E se pensarmos no espaço aberto que Bruno Fernandes poderá deixar, caso se confirme que este foi o último jogo do capitão pelo Sporting, esta crónica nunca mais acabava.
Bitaites e postas de pescada
O que é que é isso, ó meu?
Versão possível e censurada dos pensamentos de Mathieu a ver Doumbia, Wendel e Ristovski jogarem esta noite à sua frente.
Rafa, a vantagem de ter duas pernas
Primeiro era para ser a festa de despedida de Bruno Fernandes, depois o jogo de afirmação de Rafael Camacho. Rafa chegou, fez um ‘bis’, resolveu o jogo e estragou qualquer uma das outras duas brincadeiras.
Fica na retina o bom jogador de futebol
Esperemos que Bruno Fernandes fique na retina dos adeptos do Sporting e do futebol português durante muitos anos porque depois do que se viu hoje das restantes opções do meio-campo leonino, o internacional português vai deixar muitas saudades.
Nem com uma auréola entravam no estádio
O lançamento de tochas vindas da zona das claques do Sporting não só envergonham um grande clube, como o futebol português. Exigem-se medidas maiores e mais concretas para a fossa do estádio José Alvalade não tenha de ser transformada em trincheira.
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