“Heróis do mar,...nobre povo,...nação valente...e imortal”.

Ana Moura, trajada de preto e de costas desnudadas, cantou o hino de Portugal no Estádio Municipal de Coimbra, numa reinterpretação da letra de Henrique Lopes Mendonça e composição de Alfredo Keil.

Na terra do Choupal, a voz do fado deu início à final da Taça de Portugal, disputada fora do habitual e mítico local de romaria, o Jamor, de onde não saía desde 1983-1984.

À Portuguesa, no entanto, não responderam os adeptos até que a voz lhes doesse. O vazio do estádio foi substituído pela alma que transpirou das imagens das forças de segurança, profissionais de saúde, da distribuição e higiene urbana.

360 dias depois do pontapé de saída da época, no dia dos 85 anos da rádio pública, a televisão pública levou o 80ª edição da Taça de Portugal a todos os adeptos, que, em casa, ou nas Casas do Benfica e do Porto, onde, vestidos a rigor, à distância social exigível e de máscara, cada um testemunhava a nova e única forma de ver futebol.

O apito de Artur Soares Dias, de uma calma seráfica, marcou presença pela segunda vez numa final, na noite em que as duas equipas estrearam os novos equipamentos da época que começa em meados de setembro.

Uma camisola que pesou e uma expulsão que decidiu o jogo

O peso da camisola pesou, em demasia, nos primeiros 45 minutos, na equipa que viajou de Lisboa. Em especial em Nuno Tavares, defesa esquerdo escalado por Nélson Veríssimo para o onze das águias.

O Porto entrou a carregar pelo lado direito e Manafá, Otávio e Corona punham os cabelos em pé do jovem internacional sub-21 que aprendeu a tocar piano e violoncelo na Casa Pia antes de se transferir para os encarnados.

A primeira oportunidade de golo do jogo nasce por intermédio de Corona. A passe de Marega, o mexicano, dentro da área, esteve perto de inaugurar o marcador a favor dos Dragões, um lance em que Vlachodimos deu o corpo às balas.

Ainda não tinha passado um dezena de minutos e Luiz Diaz estreava o movimento do árbitro de ir ao bolso e levantar o cartão (amarelo), um gesto repetido, quase de imediato, perante o Dias (Rúben) da defesa benfiquista.

Neste futebol de silêncio ao redor dos 22 jogadores ouvem-se os gritos. “Não deixa, não deixa ...”. Ecoa de um dos bancos.

O Porto mostrava que queria marcar e na defesa benfiquista, o veterano Jardel ia despachando o que podia. Na retina, fica um corte de calcanhar a impedir que a bola, direcionada por Otávio, caísse na chuteira de Marega.

Aos 37’, expulsão (segundo amarelo) do Diaz de azul e branco, depois de um pé direcionado à perna de André Almeida. O Porto ficaria reduzido a 10 jogadores.

Mas as saídas mais cedo para o balneário do lado do FC Porto não se ficaram pelo onze em campo. Pouco depois do avançado colombiano, Sérgio Conceição recebeu ordem de expulsão. Bem dentro do seu jeito peculiar, antes de virar costas ao retângulo, apontou o dedo indicador a Manuel Mota, o 4.º árbitro.

O herói que fala francês

As idas dos presidentes dos clubes de futebol aos balneários das equipas acontecem, por norma, no final dos jogos, após derrotas ou em situações em que a arbitragem parece ser o alvo de todas as culpas.

Jorge Nuno Pinto da Costa, presidente que soma 22 campeonatos nacionais e 12 Taças de Portugal durante o seu reinado de 38 anos de exercício, deslocou-se ao local reservado a jogadores e treinadores. Talvez estivesse com saudades do cheiro.

Na 2ª parte, quando se esperava que as águias tomassem os comandos da partida, Mbemba, central congolês do Porto, 25 anos, decidiu ser o herói inesperado. De uma rajada, por duas vezes, de cabeça, em dois lances de bola parada, marcou dois golos. No primeiro, após o centro de Alex Telles, beneficiando de um falhanço do guarda-redes benfiquista, no segundo, surgiu sozinho na área, e deu seguimento à bola endereçada por Otávio.

“Porto...Porto...Porto”, começou a ouvir-se das bancadas. Um apoio vindo de meia dúzia de funcionários da estrutura do futebol devidamente autorizados aquecia os ouvidos de quem acompanha o jogo pelo pequeno ou grande ecrã.

Taarabt (entrou para o lugar de Chiquinho), Vinícius (Weigl) juntam-se a Rafa (Cervi) para tentar inverter o que se passava em campo, mas o Porto, que jogou 52 minutos (mais oito minutos de descontos, nos dois tempos) em inferioridade numérica, manteve-se sempre organizado na linha defensiva.

O melhor marcador do campeonato nacional, Vinícius reduziu, aos 82’, para 2-1, através de grande penalidade (falta de Diogo Leite sobre Rafa). Foi quase o último grito de animação no ataque benfiquista que quase ganhava outra dimensão com um pontapé, ao poste, de Jota, um minuto depois do tempo regulamentar.

créditos: PAULO CUNHA/LUSA

Casillas levantou a taça na noite que Sérgio chorou

Soares Dias apitou para o final.

Veríssimo deixa “a equipa que temos” para Jorge Jesus e na época mais longa de sempre, depois do campeonato, o Porto conquistou a Taça de Portugal, a 17ª do seu historial e somou a oitava dobradinha. Sérgio Conceição, conquista a sua primeira Taça enquanto treinador, depois de perder duas finais, e, no final, depois do troféu entregue por Marcelo Rebelo de Sousa, Danilo (que havia perdido duas finais), esperou por Iker Cassilas para a levantar aos céus.

“Gosto de ganhar aqui, no Cazaquistão ou na China. A vontade de ganhar é a mesma. Tenho um gosto enorme que o jogo seja em Coimbra, traz-me boas recordações da infância, mas nada mais que isso. Para já, não foi mau, ganhámos o campeonato, mas ainda falta a Taça”, tinha proferido Sérgio Conceição, na antevisão do jogo. Ganhou, na terra vizinha onde um estádio foi erguido com o seu nome (Taveiro). E chorou enquanto abraçava, um a um, todo o plantel. Casillas, incluído.