Ao longo deste ano foram realizadas nove assembleias-gerais e três acabaram suspensas devido a desentendimentos entre acionistas, que levaram mesmo a acionar processos judiciais.
O ‘imbróglio' em que viveu o BPI foi desencadeado há dois anos, no final de 2014, quando o Banco Central Europeu (BCE) decidiu que os bancos europeus tinham de reduzir a exposição ao mercado angolano, uma vez que considera que a supervisão bancária em Angola não é equivalente à europeia. O BPI tem o Banco de Fomento de Angola, detendo 50,1% enquanto a operadora Unitel tem 49,9%.
Isto significava desde logo um problema porque o BFA é a 'joia da coroa' do BPI (garantindo pelo menos metade dos lucros anuais), mas viria sobretudo a gerar um clima de tensão difícil de esconder entre o espanhol Caixabank (que tem hoje 45,50% do BPI) e a ‘holding' angolana Santoro, da empresária Isabel dos Santos (com 18,58%) não só sobre este tema, mas sobre a estratégia para o banco e para os seus próprios investimentos.
O ano de 2015 foi já recheado de movimentações dos principais acionistas, algumas agressivas - em fevereiro de 2015, o Caixabank lança uma Oferta Pública de Aquisição (OPA) ‘surpresa' sobre o BPI e, poucos dias depois, Isabel dos Santos propõe em carta a fusão entre BPI e BCP -, e a administração do BPI fez mesmo uma proposta para a cisão dos ativos africanos. Nada iria em frente.
O assunto chegaria a 2016 sem conclusão, ano em que tudo tinha de ficar resolvido e rapidamente, uma vez que o BCE tinha colocado como prazo o dia 10 de abril, sob pena de a partir daí passar multas avultadas.
Logo em janeiro, a administração do BPI recusa a proposta feita no último dia de 2015 pela Unitel de adquirir mais 10% do BFA, o que seria ratificado em fevereiro pelos acionistas.
Em março, surgem notícias de que estavam a decorrer novas negociações entre CaixaBank e Isabel dos Santos, com intervenção do Governo, através do advogado Diogo Lacerda Machado, numa tentativa de aproximar as duas partes, e em 10 de abril - uma hora antes do fim do prazo dado pelo BCE - o BPI informou que terminaram com sucesso as negociações.
Ainda que não dessem informações sobre o que implicava esse acordo, tudo indicava que em causa estava o CaixaBank comprar a posição da Santoro no BPI e, em troca, o BPI reduzia a participação no BFA, a favor de Isabel dos Santos. Era o suspiro de alívio há meses ansiado.
No entanto, este ‘enredo' estava longe de terminar. Em 17 de abril, há um novo ‘volte face' com o BPI a anunciar que ficou sem efeito o acordo e acusando a Santoro de desrespeitar o entendimento, o que levou a que no dia seguinte o CaixaBank a ‘contra-atacar' ao anunciar o lançamento de uma nova OPA sobre o BPI.
Uma das condições que os espanhóis colocavam para a OPA avançar era a desblindagem de estatutos do BPI, a regra que impedia que qualquer acionista não pudesse votar com mais de 20% independentemente da participação. Esta regra limitava muito a ação do Caixabank já que, apesar de controlar mais de 40% do BPI, na prática a Santoro tinha o mesmo poder com cerca de 19% do capital.
O Governo publica, então, um diploma que facilita aos bancos o fim da limitação de votos dos acionistas, o que levou Isabel dos Santos a acusar o executivo de se intrometer num assunto de privados em benefício de uma das partes.
Esta questão da alteração dos estatutos faria correr muita tinta nos meses seguintes, tendo sido colocadas providências cautelares em tribunal para a travar e levado à realização de três assembleias-gerais, com a suspensão das primeiras duas.
O assunto seria resolvido só em setembro e depois de, em 20 de setembro, um dia antes de uma nova assembleia-geral que ameaçava ser novamente inconclusiva, a administração do BPI ter proposto a venda à Unitel de 2% do capital do BFA por 28 milhões de euros, considerando-a como a "única solução" para cumprir com as exigências do BCE.
Contudo, essa operação que daria o controlo do banco angolano à Unitel (já que a operadora ficava com 48,1%) teria de ter como contrapartida o fim do limite de votos no BPI, passo essencial para o Caixabank tomar o controlo do banco português, o que se verificou na assembleia-geral de 21 de setembro com o consentimento da Santoro (também controlada por Isabel dos Santos), que até aí se tinha mostrado contra.
Nos meses seguintes, o BPI voltou a alguma acalmia, mas a assembleia-geral de 23 de novembro que deveria decidir sobre a venda do BFA acabou suspensa por proposta do CaixaBank, com fontes ouvidas pela imprensa a considerarem que os espanhóis estavam com essa atitude a pressionar os angolanos a pagarem dividendos em atraso relativos ao BFA.
Na terça-feira, 13 de dezembro, os acionistas do BPI aprovaram a venda parcial do BFA à Unitel, depois de ter sido comunicada ao mercado a transferência de parte dos dividendos em falta para Portugal e também que a Unitel tinha pago ao BPI o que faltava do negócio de 2008 quando entrou no capital do BFA.
O fundador e presidente do BPI, Artur Santos Silva, disse que com esta solução estão finalmente resolvidos os problemas relativos à exposição excessiva a Angola, e o presidente executivo, Fernando Ulrich, considerou que com o banco liberto da "complexidade destes últimos dois anos" estará agora "mais focado nos clientes e nos negócios".
O BPI parece entrar agora numa fase de maior ‘normalidade' e espera-se para breve o registo da OPA do Caixabank, que entretanto se tornou obrigatória por lei, uma vez que com a desblindagem de estatutos os espanhóis exercem efetivamente os 45% de participação social que detêm.
O Caixabank oferece 1,134 euros por ação, sendo a operação sobre a totalidade do capital social.
No entanto, este processo não é imune de sofrer sobressaltos. Vários pequenos acionistas fizeram saber que o preço oferecido é baixo e que não paga a perda de controlo do Banco de Fomento de Angola.
O representante da ‘holding' Violas Ferreira Financial (com 2,7%), Tiago Violas, considerou mesmo que o que aconteceu no banco foi uma "troca direta do controlo do BPI [que deverá ficar nas mãos do Caixabank após a OPA] pelo controlo do BFA [pela empresária Isabel dos Santos] e os pequenos acionistas foram quem pagou".
Os pequenos acionistas pedem agora à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) que nomeie um auditor independente para definir o preço justo da OPA e ameaçam avançar com ações na justiça.
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