“GameStop: a revolta dos pequenos” ou “A semana em que David desafiou Golias em Wall Street e ganhou” – seriam possíveis títulos de filmes sobre o fenómeno de bolsa a que o mundo tem assistido nas últimas semanas.

Um tema que cada vez mais a todos diz respeito. Afinal, se já existia curiosidade em investir no mercado de ações, a pandemia e a crise financeira que com que a mesma se desenvolveu trouxeram ainda mais interesse nesta área. Uma ideia confirmada ao SAPO24 por Eduardo Silva, analista e diretor da XTB em Portugal, e por Bernardo Barcelos, trader na DIF Broker.

Seja por haver mais gente a passar mais tempo em casa devido ao teletrabalho, por situações de desemprego ou por simples curiosidade e desejo de ter um rendimento extra, muitas pessoas começaram a procurar formas diferentes de conseguir fazer dinheiro e de diversificarem os seus investimentos. E, nas últimas semanas, o Reddit, pela mão do grupo "wallstreetbets", uniu muitas destas pessoas, apontando empresas em que os investimentos dariam fruto (e retirariam margem a fundos de investimentos com tradicionalmente grandes lucros na área).

Em Portugal seria possível um caso GameStop?

"Notámos um grande aumento na abertura de contas", garante Eduardo Silva sobre a corretora que dirige em Portugal, notando também um fluxo de procura semelhante ao registado nos Estados Unidos da América, onde empresas como a GameStop, a AMC ou a Nokia foram mais procuradas e negociadas em bolsa.

No entanto, o analista da XTB ressalva que não pode garantir uma correlação entre estas duas variáveis. Ou seja, apesar de se ter dado este aumento, não pode assegurar que as pessoas criaram estas contas para investirem diretamente nestas empresas.

Sobre a possibilidade de uma situação como esta se passar em Portugal, a resposta parece unânime: à partida, não. Apesar de ser teoricamente possível.

Em Portugal existem apenas quatro empresas com registo de operações de vendas a descoberto (ou "short-selling"), ao contrário do vasto mercado norte-americano, afirma, à Lusa, Carlos Rodrigues, presidente da Maxyield - Clube dos Pequenos Acionistas. A saber, NOS, BCP, REN e CTT.

Dentro destas empresas, as respetivas partes do capital social envolvidas são escassas. 0,6% na NOS e no BCP, 1% na REN e 2% nos CTT. E destas “apenas uma [a CTT] tem grande histórico relativamente a vendas a descoberto”.

Para além disto, a importância relativa de pequenos investidores nacionais é menor do que nos Estados Unidos, afirma Carlos Rodrigues, e a existência de uma regulação dos mercados mais forte na União Europeia do que nos EUA dificulta também uma situação similar em Portugal.

Tendo em conta que o episódio nos Estados Unidos teve como personagens centrais fundos "traídos" pelos seus investimentos de "short-selling" e um grande movimento de pequenos investidores em bloco, dificilmente estariam reunidas as condições em Portugal para se espoletar um fenómeno semelhante, afirma o presidente da Maxyield - Clube dos Pequenos Acionistas.

"Quando olhamos para o mercado nacional e para o tipo de ações que temos, vemos que provavelmente não vai acontecer uma situação destas em Portugal", declara também Eduardo Silva ao SAPO24.

O analista alerta ainda, tal como Carlos Rodrigues, para uma regulamentação mais apertada, para o facto dos pequenos investidores nacionais olharem mais para o mercado internacional, para a impossibilidade generalizada de vendas a descoberto ("short-selling") e para o "efeito-massa" que a atual dimensão americana facilita.

Não obstante, "tudo pode acontecer" e o diretor da XTB deixa a nota de que, em teoria, não há limites possíveis para o que pode acontecer num mercado de ações. "Nunca devemos subestimar a capacidade de criatividade das pessoas", lembra.

Já Bernardo Barcelos afirma que seria impossível uma réplica exata da situação em Portugal. Para o trader da DIF Broker, o facto de não existir um mercado de opções sobre ações em Portugal, em oposição ao que acontece nos EUA, condiciona em muito um possível crescimento do mercado de ações propriamente dito.

Um contrato de opções é um instrumento financeiro que pode funcionar com um "seguro" em que os investidores se podem apoiar quando investem no mercado de ações. Independentemente do tipo de investimento em ações que esteja em cima da mesa, um contrato de opções permite adquirir um direito a comprar ou a vender uma ação no futuro a um preço previamente definido. Desta forma, este mercado pode servir como proteção e limitação de risco dos investidores, explica o trader.

“Em Portugal não existe. Já existiu, mas atualmente já não existe”, explica Bernardo Barcelos sobre o mercado de opções. Não obstante, o trader duvida que mesmo que este tipo de mercado existisse a nível nacional houvesse interesse no mesmo.

Assim, concorre também o facto de os investidores portugueses estarem mais atentos aos mercados internacionais e não ao português. E isso tem uma explicação fácil de entender: comparando a bolsa norte-americana com a bolsa portuguesa, enquanto o S&P 500 (índice das 500 maiores empresas norte-americanas cotadas em bolsa) cresceu 490% desde março de 2009, o PSI-20 (índice que agrega até as 20 melhores empresas cotadas na bolsa portuguesa) caiu 15%,o que justifica que o mercado português não tenha a mesma atenção e interesse por parte dos investidores nacionais.

No entanto, tal como Eduardo Silva, Bernardo Barcelos afirma que em teoria tudo pode acontecer e, havendo interessados em comprar ações, o mercado português pode sempre evoluir.

O que vai mudar no mercado de ações?

Questionado sobre possíveis consequências que estes acontecimentos possam trazer para o futuro do mercado de ações - uma ação da Gamestop começou por valer menos de 20 dólares no início do ano, chegou aos mais de 400 dólares no final do mês de janeiro e atualmente vale cerca de 45 dólares, sendo que esta "montanha russa" deixou um rasto de "destruição" em muitos fundos de investimento) -, Eduardo Silva auspicia já algumas conclusões.

Desta forma, poderá passar por um impacto "na gestão do risco dos fundos que nunca pensaram que havia um risco até ao momento" e que agora olham estes investimentos como potencialmente "explosivos". Assim, poder-se-á dar o caso de que os fundos de investimento que executem vendas a descoberto (o tal "short-selling") passem a proteger-se mais de eventuais perdas.

Se as ações em que se está a investir na modalidade de "short-selling" já estão a permitir um lucro, então o "seguro" poderá passar por "fechar a posição" nesse momento, não esperando que essas ações propiciem ainda mais dinheiro. Se a ação já está a dar lucro, não valerá a pena arriscar ganhar mais e perder tudo. Tal prática de ganhos mais silenciosos poderá afastar o "radar" dos grupos do Reddit, diz Eduardo Silva.

Ademais, quem investe em "short-selling" poderá também passar a assinar com mais frequência acordos que permitam a possibilidade de recompra de ações a um certo preço fixo (o já explicado mercado de opções). Deste modo, e apesar destes acordos custarem dinheiro a quem os assina, fica dirimida a eventualidade de perca de lucro se o valor das ações não corresponder ao esperado. Funciona como uma obrigação eventual: se, porventura, a ação não estiver a valer um preço agradável, então, quem tem estas opções pode fazer negócio a um outro preço mais favorável e diferente do valor de mercado.

Contudo, "a poeira ainda não assentou" e só o tempo provará se estas possibilidades, de facto, se concretizam, salienta o diretor da XTB em Portugal.

Bernardo Barcelos também postula a ideia de que os fundos de investimento irão estar mais atentos a estas situações e proteger-se mais, evitando assim um novo "efeito-surpresa" por parte de pequenos investidores a atuarem em bloco.

No entanto, alerta para a necessidade de investimento em literacia financeira do lado dos pequenos investidores que investem em plataformas livres de custos de comissões. "A democratização dos mercados tem de ser acompanhada de formação", afirma.

Porque o seu tempo é precioso.

Subscreva a newsletter do SAPO 24.

Porque as notícias não escolhem hora.

Ative as notificações do SAPO 24.

Saiba sempre do que se fala.

Siga o SAPO 24 nas redes sociais. Use a #SAPO24 nas suas publicações.