Depois de séculos de criação e de utilização desmesurada de recursos, sem se pensar muito nas consequências, tornou-se necessário projetar o mundo para as gerações futuras, criar medidas das quais nós não iremos usufruir, mas necessárias para assegurar o futuro do planeta e da sociedade. Sustentabilidade é a palavra de ordem.
Com o crescimento do poder económico da classe média, com as novas formas de viajar e de nos movermos pelas várias cidades do mundo, surgiu a necessidade de pensar também na sustentabilidade do turismo.
Numa década em que 54% da população mundial vive em zonas urbanas (estimando-se que até 2030 este valor chegue aos 60%), em que o turismo invadiu as grandes cidades e modificou radicalmente o dia-a-dia das comunidades locais, que da habitação às infra-estruturas sofrem o impacto do crescimento desregulado do turismo, tornou-se necessário pensar sobre tudo isto. Foi nesse sentido que esta sexta-feira, 5 de abril, representantes de 15 cidades de todo o mundo — de Lisboa ao Porto, Barcelona e Madrid (Espanha), de São Paulo (Brasil), Dubrovnik (Croácia), Paris (França), Bruges (Bélgica), Moscovo (Rússia) e Seul (República da Coreia) — se reunissem em Lisboa para o "I Mayors Forum” sobre Turismo Sustentável, evento organizado pela Organização Mundial do Turismo (OMT), Ministério da Economia, Turismo de Portugal e Câmara de Lisboa.
Na conferência de imprensa que antecedeu a abertura do fórum, intitulada “Cidades para todos: construir cidades para residentes e para visitantes”, Fernando Medina, Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, definiu o termo da seguinte forma: “Sustentabilidade significa renovável, conseguir sobreviver, conseguir prolongar, conseguir manter ao longo de um período longo”. Em turismo acrescenta-se mais uma definição que o autarca usaria, diluída no discurso, nos minutos seguintes: convivência.
Falar de turismo sustentável é fundamentalmente isso: fazer conviver os turistas com os residentes. Esta convivência tem de se refletir em vários aspectos, dos transportes às infraestruturas, passando pela habitação e segurança. O objetivo é conseguir equilibrar a balança, minimizar os impactos negativos e exponenciar os aspetos positivos.
Uma relação frutuosa entre turismo, qualidade de vida e sustentabilidade, e não de convivência antagónica como muitas vezes ouvimos na praça pública, salientou Medina, “pelo contrário”.
“Não haverá sustentabilidade ambiental e qualidade de vida se não tivermos a sustentabilidade económica de um território; não haverá sustentabilidade económica de um território se não assegurarmos a sustentabilidade ambiental e a sustentabilidade em termos de qualidade de vida”, salientou o autarca, que rejeita respostas simplistas.
“As políticas simplistas perante um problema, pensar em tapar, parar, além de não ter nenhuma eficácia, não resolve estrategicamente nada. Se uma cidade como Lisboa não tivesse os benefícios económicos do turismo estaríamos confrontados com problemas bem mais difíceis, bem mais exigentes do que os do crescimento do turismo — precisamente os problemas da recessão, do desemprego e da falta de atividade económica, como já tivemos no passado”, disse Fernando Medina, recordando os tempos da crise financeira em que a câmara da capital portuguesa enfrentou várias dificuldades económicas.
O turismo é a galinha dos ovos de ouro da cidade. “Precisamos de ter uma economia forte e hoje o turismo na cidade de Lisboa representa um valor global agregado de cerca de 10 mil milhões de euros anuais, quatro vezes o que é uma empresa como a Autoeuropa. Estamos a falar de [um impacto] várias vezes o de um setor tão importante e estratégico na economia nacional como é o setor do calçado. O turismo na cidade de Lisboa representa várias vezes estas importantes realidades económicas”, realçou, relembrando também que mais de 150 mil pessoas têm empregos direta ou indiretamente ligados ao setor do turismo.
Para o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, Portugal preparou-se bem e não só está a captar turistas como a conseguir diversificar os pontos que estes turistas visitam, além de estar a precaver-se para que os cidadãos não sintam a presença de visitantes como algo que os exclui da cidade.
O ministro destacou que “os destinos que mais crescem em Portugal são aqueles que ficam fora das regiões turísticas tradicionais”, sendo Portugal um dos países com a mais baixa taxa de sazonalidade de toda a Europa, por conseguir atrair turistas ao longo de todo o ano.
Siza Viera realçou ainda que a Linha de Apoio à Sustentabilidade do Turismo já apoiou 21 projetos para envolver as comunidades no aproveitamento dos benefícios do turismo com um montante total de seis milhões de euros.
Declarar a convivência
A ideia deste encontro surgiu da Secretária de Estado do Turismo Ana Mendes Godinho. Numa reunião anterior esta tinha sugerido o tema, a discussão e o local, contou Zurab Pololikashvili, secretário-geral da OMT, que afirmou que daqui, mais do que discussão, pretendia-se trabalho. Desse trabalho resulta então uma declaração, a Declaração de Lisboa, um conjunto de sugestões a aplicar nos países das cidades que se fizeram representar na capital portuguesa.
As medidas passam por assegurar que as políticas de turismo urbano estão alinhadas com a Nova Agenda Urbana das Nações Unidas, “fazendo das cidades e comunidades inclusivas, seguras, resilientes e sustentáveis”.
No fundo, estabelecem a dita convivência que se pretende alcançar. Por um lado, através de modelos de governação e modelos de turismo urbano que envolvem administrações a todos os níveis (autoridades nacionais, locais e regionais, de turismo e outras administrações relevantes, o setor privado e as comunidades locais); por outro, através da promoção de mecanismos de comunicação e colaboração entre todas as partes interessadas, incluindo autoridades nacionais, regionais e municipais, setor privado, comunidades locais e turistas. E utilizar a tecnologia para fomentar esta ligação.
A declaração quer passar a considerar os turistas como "residentes temporários" e garantir que a política de turismo promove o envolvimento dos visitantes e residentes de uma forma holística, sem descurar as comunidades locais.
Não deixa de ser curioso que para discutir tudo isto, que tem como tema fraturantes o aumento dos preços da habitação — algo que Fernando Medina disse não estar diretamente ligado ao turismo, mas sim a um longo período de juros muito baixos que promoveu terrenos férteis para um mercado de especulação imobiliária —, que a Airbnb, plataforma que invadiu os centros das cidades e que tem sido usada como palavra sumário para a ira dos residentes contra o alojamento local, tenha sido convidada para a sessão dos trabalhos, enquanto nenhuma associação de residentes de Lisboa ou do Porto que nos últimos anos tenha reivindicado medidas para combater a especulação imobiliária e o aumento incomportável de preços no mercado da habitação, tenha sido convidada.
Talvez no futuro, disse Pololikashvili.
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