Segundo a carta a que a Lusa teve acesso, enviada ao presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, e aos deputados da comissão de orçamento e finanças, em que a proposta de lei está a ser discutida, as associações que representam cerca de 3.000 clientes lesados consideram que a legislação fere o princípio da igualdade ao estar formatada para compensar parcialmente os clientes que compraram papel comercial ao BES e não todos aqueles que foram vítimas de vendas fraudulentas de produtos financeiros (‘misselling’).

“[…] A presente proposta de lei, na sua redação atual, apresenta vícios graves, designadamente pela violação do princípio constitucional da igualdade, para além de não respeitar a hierarquia de credores”, considera a carta subscrita pela ALBOA – Associação de Lesados do Banif, ABESD – Associação de Defesa dos Clientes Bancários, AMELP – Associação Movimento Emigrantes Lesados Portugueses, Associação de Emigrantes Portugueses Lesados na Venezuela e AIEPC – Associação de Lesados do Papel Comercial.

Estas associações pedem, assim, um “alargamento do âmbito do diploma”, considerando que é a “única forma de conferir justiça a este processo abrangendo todos os lesados sem exceção”.

Em abril, o Governo enviou ao parlamento a proposta de lei n.º 74/XIII/2 que visa a criação de uma nova figura jurídica, os fundos de recuperação de crédito, uma solução criada para indemnizar parcialmente os 2.000 clientes que investiram, aos balcões do BES, 434 milhões de euros em papel comercial das empresas Espírito Santo Financial e Rio Forte, e cujo investimento perderam com o colapso do Grupo Espírito Santo (no verão de 2014).

O mecanismo para compensar os lesados do papel comercial do BES foi acordado ao longo de mais de um ano por um grupo de trabalho constituído por Associação de Indignados e Enganados do Papel Comercial, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), Banco de Portugal, ‘banco mau’ BES e Governo, através do advogado Diogo Lacerda Machado.

A solução acordada propõe que os lesados recuperem 75% do valor investido, num máximo de 250 mil euros, isto se tiverem aplicações até 500 mil euros. Já acima desse valor, irão recuperar apenas 50% do valor investido.

A legislação que enquadra esta solução para os lesados do papel comercial deverá ir a votação final na especialidade na sexta-feira, na Assembleia da República, cumprindo uma promessa política do atual primeiro-ministro, António Costa.

Contudo, este processo tem sofrido muitos atrasos. A expectativa mais recente era que o primeiro pagamento chegasse aos lesados em junho, mas esse prazo já derrapou novamente, porque ainda falta constituir o fundo, um processo demorado, já que, além de ter de ser aprovada no parlamento a lei que o enquadra, também é necessário escolher a equipa que irá fazer a gestão do fundo.

Desde que a solução começou a ser pública, vários outros clientes que se sentem lesados pelo BES e Grupo Espírito Santo em condições semelhantes, que não são incluídos nesta solução, reclamaram soluções semelhantes.

Em causa estão emigrantes portugueses em países como Venezuela, África do Sul, França ou Suíça e mesmo residentes em Portugal que subscreveram papel comercial, mas em sociedades localizadas em outras jurisdições (como sucursal exterior da Madeira), ou emigrantes que compraram outros produtos financeiros ao BES (nomeadamente em França e na Suíça) e que também perderam o dinheiro com a resolução deste.

Também os lesados do Banif têm pedido um mecanismo de compensação para o seu caso.