As apresentações de resultados semestrais dos principais bancos portugueses, que aconteceram no fim de julho e início de agosto, ficaram marcadas por uma queixa recorrente dos banqueiros: o prolongamento das baixas taxas de juro vai penalizar as receitas, pondo em causa objetivos estratégicos.
Contactados pela Lusa, os analistas admitem que o acentuar do terreno negativo das taxas de juro — após as indicações do Banco Central Europeu (BCE) de que pode voltar a cortar taxas diretoras em setembro — dificultará a vida aos bancos, mas lembraram também as vantagens da atual política monetária para o setor financeiro.
Segundo Filipe Garcia, da IMF — Informação de Mercados Financeiros, há que ver “as duas faces da moeda”. Por um lado, as taxas negativas implicam um custo sobre as reservas de dinheiro e implicam margens de lucro mais reduzidas no crédito.
Contudo, afirmou, as medidas do BCE também têm ajudado, possibilitando financiamento mais barato aos bancos, redução do incumprimento do crédito e valorização das carteiras de ativos (como de dívida pública).
“Não se fala de colapsos de bancos, de reestruturação de dívidas soberanas, do fim do euro. Tudo isso é positivo para a banca”, afirmou.
As taxas baixas permitem ainda mais procura por crédito, o que gera comissões importantes bancárias, recorda.
Sobre mudanças mais profundas no setor, Filipe Garcia considera que podem surgir mais operações de concentração, até porque as autoridades europeias têm dado a entender que as apoiam.
“Tendo em conta a intensificação da digitalização e as alterações nos serviços bancários, muito devido à atividade das ‘fintech’ [empresas financeiras tecnológicas], a necessidade de racionalizar custos e ganhar escala deverá levar a mais operações de concentração. São, no entanto, processos sempre complexos e lentos”, afirmou.
Para Carla Santos, analista da corretora XTB, “a banca encontra-se numa fase turbulenta” a nível internacional, face ao abrandamento global da economia e “com as empresas a questionarem-se quanto à necessidade em investirem no crescimento do negócio”.
A rentabilidade do negócio pode ainda diminuir face aos cortes das taxas de juro pelos bancos centrais (EUA, Tailândia, Índia e Nova Zelândia já cortaram e, na Europa, o BCE indicou que pode cortar).
A responsável da corretora XTB considera ainda que se assiste a “uma disrupção no setor financeiro” face à necessidade de modernização das plataformas digitais, “de forma a competirem com os custos baixos e a facilidade operacional das ‘fintechs'”.
Para a analista, o “agravamento do setor poderá levar à continuação da tendência” de concentração bancária, “com os bancos mais poderosos a tornarem-se mais poderosos”, defendendo que pode ser mesmo a União Europeia a fomentá-la “de forma a ter uma banca europeia mais forte”.
Vários responsáveis europeus têm dado a entender que veem com bons olhos a consolidação como forma de aumentar a rentabilidade e eficiência dos bancos e de permitir aos bancos europeus competirem com grandes bancos não-europeus.
No início de julho, numa conferência internacional em Lisboa, a vice-governadora do Banco de Portugal, Elisa Ferreira, disse que as autoridades não devem interferir na consolidação bancária e criar um problema ainda maior ao resolver um existente, devido às fragilidades da União Bancária.
“Neste contexto, reguladores e supervisores não devem ajudar nem impedir fusões e aquisições”, afirmou.
No mesmo evento, o presidente do Mecanismo Único de Supervisão do Banco Central Europeu (BCE), Andrea Enria, considerou que a dimensão adequada do setor bancário é “difícil de avaliar”, mas que “parece ser claro que o setor bancário europeu continua a ser muito grande” e a precisar de consolidação.
Um dos recentes casos de consolidação bancária na Europa é do grupo bancário espanhol Santander.
Em 2018, comprou por um euro o espanhol Banco Popular, no âmbito da resolução deste.
Já em 2015, em Portugal, o Santander Totta (detido pelo Santander) comprou a atividade bancária do Banif (no âmbito da resolução deste). Em 2018, no âmbito da operação referida, ficou também com a operação do Banco Popular Portugal.
Já este ano foi muito falada a fusão entre dois grandes bancos alemães, o Deutsche Bank e o Commerzbank, mas após conversações a operação acabou por ruir.
Também David Silva, analista da corretora Infinox, considera que não só a banca portuguesa como toda a banca europeia têm de adaptar-se “à política monetária imposta pelo BCE”.
“A banca em Portugal atravessa um período mais complexo, principalmente no que diz respeito aos referentes afetarem bastante os rendimentos dos depósitos como do crédito”, afirmou.
A somar a isto, acrescentou, o desafio tecnológico e a entrada de novas empresas que operam nas mesmas áreas que os bancos (como área de pagamentos) vêm criar “dificuldades”.
Uma das soluções dos bancos tem sido a redução de trabalhadores, para cortar custos no imediato, e o analista considerou que se deverão manter medidas de redução da massa salarial.
Nos últimos anos os bancos a operar em Portugal cortaram vários milhares de trabalhadores e já este ano no primeiro semestre, os cinco principais (CGD, Novo Banco, BCP, Santander Totta e BPI) reduziram, no total, mais de 400 postos de trabalho, apesar de ao mesmo tempo contratarem trabalhadores jovens para a transformação digital do negócio.
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