A entidade liderada por Carlos Costa enviou no início de janeiro ao Governo o seu parecer sobre a iniciativa parlamentar para obrigar o banco central a divulgar ao parlamento os grandes devedores dos bancos que beneficiem de ajuda pública. Este diploma foi aprovado esta semana na Comissão parlamentar de Orçamento e Finanças com votos favoráveis de PSD, PCP, BE e CDS e abstenção do PS.
No documento de oito páginas, a que a Lusa teve acesso, o Banco de Portugal levanta muitas dúvidas jurídicas sobre o texto, considerando que está “em desconformidade com o direito europeu”, e defende que a melhor forma de as ultrapassar é atribuir aos bancos o dever de comunicar aos deputados os seus grandes devedores.
“A única forma legalmente admissível de disponibilizar informação à Assembleia da República ao abrigo do Regime Especial, com respeito ao direito europeu, é através da criação de uma nova exceção ao dever de segredo bancário. Assim, incumbiria às instituições abrangidas o reporte direto da informação à Assembleia da República ou a um organismo inserido na orgânica do Ministério das Finanças que seja adequado de capacidade operacional adequada para receber, organizar e transmitir à Assembleia da República”, lê-se no parecer.
Para o Banco de Portugal, a legislação como está feita suscita dúvidas de compatibilidade com o direito europeu, até porque há informações que lhe são pedidas que não tem e não pode “instituir deveres de reporte relativamente a instituições [bancos] supervisionadas diretamente pelo BCE”.
Em Portugal, CGD, BCP e Novo Banco – pela sua dimensão – são diretamente supervisionados por Frankfurt e é o BCE que tem a responsabilidade de lhes pedir informação.
O banco central considera que, sendo assim, o BCE deveria pronunciar-se “necessariamente” sobre este diploma para avaliar a compatibilidade com o regime jurídico CRD IV, aplicado aos bancos europeus.
A entidade liderada por Carlos Costa admite, contudo, que possa ser invocado que a recolha e publicação desta informação não está ao abrigo das regras da CRD IV, por não ser uma função de supervisão, mas diz que mesmo esse argumento implica “atribuir ao banco central nacional uma nova função, distinta das que lhes são legalmente conferidas na lei orgânica e nos estatutos do SEBC/BCE”.
Além disso, refere, é preciso saber se essa função se enquadra no princípio de independência do banco central e se é compatível com as funções atribuídas pelo BCE, o que “teria de ser aferido” por este.
O Banco de Portugal considera, assim, que as dúvidas legais seriam bem menores se a obrigação de comunicar os grandes devedores ao parlamento fosse dos bancos, até porque a informação chegaria aos deputados “de forma mais célere e eficiente, nos prazos de comunicação apertados que o projeto prevê”.
A outra opção, refere o banco central, seria enviar a informação para um organismo especial dentro do Ministério das Finanças ou do parlamento “com capacidade operacional adequada para a receber” e transmitir aos deputados.
Ainda assim, vinca, “a confiança dos clientes bancários no sistema bancário português tem proteção constitucional, pelo que qualquer alteração legislativa deverá ter isso em consideração”.
No documento que enviou ao Secretário de Estado Adjunto e das Finanças no início de janeiro, o Banco de Portugal mostra-se preocupado quando à eventualidade de os deputados divulgarem informação sujeita a segredo bancário, ressalvando que “a violação do dever de segredo constitui crime” e que “seria conveniente o estabelecimento dos procedimentos necessários para a salvaguarda da confidencialidade da informação no âmbito da Assembleia da República”.
Isto poderia implicar alterações de lei para que os deputados que divulgassem dados em segredo bancário estejam também sujeitos sanções, como multas ou mesmo penas de prisão.
Na quarta-feira, os deputados da Comissão de Orçamento e Finanças aprovaram a lei que prevê a divulgação pelo Banco de Portugal ao parlamento dos grandes devedores dos bancos que beneficiem de ajudas públicas (qualquer que seja o tipo de ajuda e concedida diretamente pelo Estado ou através do Fundo de Resolução bancário).
O banco central terá ainda de publicar informação sobre o mesmo tema na sua página na internet, mas em dados agregados e anónimos.
A lei aprovada na especialidade clarifica ainda que as funções atribuídas ao Banco de Portugal no caso da divulgação dos grandes devedores são independentes das suas funções de autoridade de supervisão, de modo a que não colidam com o estabelecido na diretiva europeia CRD IV.
A lei tem ainda de ser votada em plenário promulgada pelo Presidente da República, antes de entrar em vigor.
Banco de Portugal diz que não é exequível prazo para fazer relatório sobre bancos intervencionados
O Banco de Portugal considera que “não é exequível” o prazo de 100 dias para elaborar um relatório extraordinário sobre os bancos que nos últimos 12 anos beneficiaram de ajudas públicas, num parecer enviado ao Governo a que a Lusa teve acesso.
O parecer do banco central que chegou ao Governo no início de janeiro é sobre a legislação que obriga o banco central a divulgar ao parlamento dados sobre os grandes devedores dos bancos que beneficiem de ajuda pública, que foi aprovado esta quarta-feira na especialidade no parlamento (com votos a favor de PSD, PCP, BE e CDS e abstenção do PS).
Esse diploma – que para entrar em vigor ainda tem de ser aprovado em plenário e promulgado pelo Presidente da República – prevê que no prazo de 100 dias após a publicação da lei o Banco de Portugal tenha de entregar ao parlamento um relatório extraordinário sobre os grandes devedores dos bancos que nos últimos 12 anos beneficiaram de ajudas públicas.
Em causa estão Caixa Geral de Depósitos (CGD), BES/Novo Banco, Banif, BPN, mas também BCP e BPI, que recorreram a instrumentos de capital do Estado para atingir rácios de capital mínimos na altura da intervenção da ‘troika’.
Segundo o parecer, “atualmente as instituições não reportam ao Banco de Portugal a totalidade da informação relevante prevista no projeto”, pelo que para cumprir essa obrigação com os detalhes pedidos teria de ser criado “um novo reporte para as instituições”, referindo ainda que o diploma não lhe confere habilitação regulamentar para tal.
O banco central levanta ainda outro problema, ao referir que não tem competências de pedir esse reporte de informação aos maiores bancos que operam em Portugal, uma vez que a sua supervisão é feita pelo Banco Central Europeu (BCE) e é essa entidade que pode criar novos reportes para instituições significativas.
Os bancos designados como instituições significativas são aqueles que, por serem de grande dimensão, são supervisionados diretamente pelo BCE e não pelos bancos centrais nacionais. Em Portugal, Caixa Geral de Depósitos, BCP e Novo Banco estão sob supervisão direta de Frankfurt.
Segundo o Banco de Portugal, tendo em conta que a informação a ser pedida aos bancos pode não estar logo disponível com o detalhe requerido pelo parlamento, deveria ser dado um período de adaptação às instituições para transmitirem a informação.
Ao mesmo tempo, o banco central diz que precisa de mais tempo, até para recrutar os trabalhadores necessários a essas tarefas, para conseguir recolher todas as informações e criar uma base de dados, o que, diz, “implicaria iniciar os procedimentos exigidos pelo regime de contratação pública”.
“Face a todo o exposto, o prazo de 100 dias para o Banco de Portugal dar cumprimento a esta obrigação não seria manifestamente viável”, lê-se no parecer enviado ao Secretário de Estado Adjunto e das Finanças, Mourinho Félix.
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