Eduardo Catroga depôs hoje como testemunha de caráter de Ricardo Salgado no processo que julga, no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém, os pedidos de impugnação às contraordenações aplicadas pelo BdP ao ex-presidente do BES (4,0 milhões de euros) e ao ex-administrador Amílcar Morais Pires (600.000 euros,) por, apesar de conhecerem a situação líquida negativa da Espírito Santo Internacional (ESI), terem permitido que fossem comercializados títulos de dívida desta instituição junto de clientes do banco.
Eduardo Catroga afirmou que a decisão do BdP de “criar uma muralha em volta do BES”, cortando com o Grupo só poderia levar ao “colapso do resto”, dadas as relações de financiamento que existiam entre as várias empresas do GES.
“Ou o Banco de Portugal já tinha gerido ou fazia um plano de médio e longo prazo e não um ‘ring-fencing’ (blindagem ou perímetro de proteção)”, imposto no final de 2013 ao grupo BES/GES e que os seus responsáveis consideram ser “a causa e razão dos prejuízos suportados pelos clientes do BES que subscreveram os títulos de dívida da ESI”.
Para o atual presidente do Conselho Geral e de Supervisão da EDP, esta decisão do supervisor revelou ser “um erro de perceção estratégica”, pois avançar para “um corte abrupto ia levar ao colapso” do grupo, tendo em conta que se vivia um momento “em que não havia alternativas financeiras”.
Esta declaração de Eduardo Catroga levou o advogado do BdP Pedro Pereira dos Santos a declarar o seu “espanto” por um “juízo tão definitivo”, sobretudo reconhecendo não conhecer os factos concretos em discussão neste processo nem o que se passou nas reuniões promovidas pelo supervisor.
O economista disse que o que conhece do processo vem do que leu nos jornais, das análises e dos livros que foram publicados e do seu conhecimento do ‘ring-fencing’.
Questionado pela juíza sobre as medidas que adotaria para salvaguardar o banco, Eduardo Catroga reconheceu ser “muito difícil”, mas considerou que se deveria ter olhado para “exemplos estrangeiros”, como foram as intervenções estatais no Lloyds, no Reino Unido, e na Chrysler, nos Estados Unidos.
“Hoje compartilho as análises técnicas de que o modelo de solução foi um desastre. Podia haver modelos alternativos, mesmo que no final a família [Espírito Santo] ficasse sem uma ação no banco”, declarou.
O ex-ministro das Finanças de Cavaco Silva (de dezembro de 1993 a outubro de 1995, como independente) afirmou que a solução encontrada, nunca antes utilizada, foi um “processo cobaia”.
Na sua “perceção”, o BES “era bem gerido” e “estava equilibrado e o grupo é que estava desequilibrado”, sobretudo devido aos problemas no setor não financeiro.
Catroga frisou o facto de o BES ser uma “referência histórica” no país, confessando a sua “admiração” pela forma como o grupo, na reprivatização, “ressurgiu a partir do exterior, por ser um nome reputado internacionalmente” e por o BES se ter “diferenciado” pelo apoio ao tecido produtivo do país.
Sobre Ricardo Salgado, que conheceu na Faculdade na década de 1960, afirmou ter uma relação de amizade, não de “visita de casa” mas “no sentido de que sabia que ele estava lá”.
“Não tenho amigos que não mereçam a minha amizade”, declarou, acrescentando que, como profissional, Ricardo Salgado sempre revelou “grande profissionalismo, uma visão estratégica da economia” e do “mundo financeiro”.
Questionado pelo advogado de Ricardo Salgado, Pedro Proença de Carvalho, sobre a imagem que se procura passar de que o ex-presidente do BES detinha um “poder absoluto”, Catroga disse nunca ter encontrado “qualquer referência” que o levasse a concluir isso, atribuindo antes a articulação dos “cinco ramos da família” ao “comandante [António] Ricciardi”.
Na sessão de hoje depuseram ainda um antigo funcionário do BES e o padre Avelino Ferreira Alves, que há 15 anos celebra a eucaristia na capela da família Espírito Santo.
Avelino Alves definiu Ricardo Salgado, que conheceu “primeiro pelo interior e depois pelo exterior”, como uma pessoa com uma “postura sempre digna, muito nobre”, revelando “grande humanismo e carisma pessoal”.
“Se fosse muito rico e tivesse um banco, pedia que fosse ele a gerir. É um homem de confiança”, afirmou.
Funcionário do BES desde 1997, Rui Angélico contou ao Tribunal que aderiu ao programa de rescisões do Novo Banco em maio porque “com as alterações não se sentia bem na relação com os clientes e internamente”.
“É comum dizer-se nas reuniões que ficámos como órfãos. Como não há norte, com as notícias que há, os clientes mais agressivos, colegas que se atropelam… Já não somos tratados como pessoas”, disse, explicando a sua saída.
O ex-gerente bancário negou que alguma vez Ricardo Salgado tenha condicionado o seu trabalho, referindo sim intervenções de “outros administradores” junto de colegas seus.
O julgamento dos pedidos de impugnação apresentados por Ricardo Salgado e Amílcar Pires junto do TCRS iniciou-se em 06 de março e tem audiências agendadas até 14 de julho, sendo previsível que a produção de prova testemunhal prossiga depois das férias judiciais, em setembro.
[Notícia atualizada às 15:17]
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