Tanto em Vila Real, na região de Trás-os-Montes, como em Lisboa, no dia 13 de Junho é feriado de Santo António, e isso é tudo o que assemelha as duas cidades. Sair de Vila Real, uma cidadela onde todos se conhecem, em meados dos anos 80, e ir viver para Lisboa, era como carimbar um passaporte para o anonimato. Carla da Silva Pinto, hoje directora executiva no banco que é o 'braço' brasileiro da Caixa Geral de Depósitos (CGD), então com 14 anos, viveu essa experiência ao mudar-se com os pais e irmãs.
Embora não fosse fácil viver numa Lisboa que se acreditava à frente de seu tempo, Carla saiu-se bem logo de chegada. “Nós vivíamos numa cidade pequena, o meu pai projectista, a minha mãe professora, as minhas irmãs e eu. Conhecíamos todos na cidade e éramos conhecidos por todos. Entretanto os meus pais nutriam uma preocupação latente com a nossa formação e acreditavam que só indo para Lisboa teríamos acesso a mais oportunidades. Já na escola notei que não era bem assim. Embora passasse a ter aulas extracurriculares que não tinha na minha cidade natal, a base que nos foi dada em Vila Real tinha sido mais intensa e abrangente, provavelmente pela falta de outras opções ou pela necessidade de nos preparar para uma vida fora de lá.”
Ao recordar uma passagem de sua história, ainda no liceu e recém-chegada a Lisboa, Carla dá-nos uma ideia de como Vila Real moldou a sua personalidade para os anos que se seguiram: “Eu estava sentada a almoçar com três colegas até que um deles disse: ‘Então, transmontana, o que sentiste quando chegaste a Lisboa e viste estes prédios enormes, estes carros velozes, este grande movimento...’". O tom da pergunta, relata Carla, era ao mesmo tempo de curiosidade e de gozo, ao que respondeu: "Olha, nem há tantos prédios e automóveis como em Paris”. Quando o colega disse não conhecer Paris, Carla sorriu e fechou a conversa: “Pois. Eu conheço”.
Hoje, aos 45 anos de idade, mais de 20 deles vividos ao serviço da CGD em Portugal, Carla não acredita no destino, mas na construção da história pelo esforço contínuo, com resiliência e foco nas relações pessoais como bem maior. “O meu pai sempre me disse que a sorte dá muito trabalho, mas que o trabalho também dá muita sorte. E é nisso que acredito. Há quem possa pensar que a minha trajectória se deu por sorte, mas a verdade é que essa sorte me deu muito trabalho. E muita satisfação, claro". A executiva não planeou chegar aonde chegou, nem desejou especialmente que assim fosse. Tanto assim que, em dado momento, a viver em Lisboa com o marido e as três filhas em condições confortáveis, resolveram que seria melhor para a família uma vida no interior.
Partiram para uma cidade mesmo ao centro do país e aceitou que o preço a pagar seria, de certa forma, uma suspensão na progressão na carreira. Recuou nas funções que desempenhava para colocar em prática o projecto familiar. “Fomos para uma cidade mais pequena, para viver com mais tempo para nós mesmos e por acreditarmos que seria o melhor para todos. As nossas filhas adaptaram-se rapidamente e isso foi muito bom”. Entretanto, aquilo que parecia bom demais para ser verdade, mostrava-se mesmo bom demais para ser verdade: “O meu marido e eu vivemos um choque de realidade”. Carla percebeu que tinha feito o caminho inverso da sua chegada a Lisboa quando adolescente, desta vez passaria de anónima a uma pessoa conhecida. É fácil ser uma pessoa conhecida numa cidade pequena. “Estávamos habituados ao anonimato, a sermos nós na hora de lazer, a usar calças rotas, sem que nos notassem ou julgassem por isso. Não deu certo, voltamos para Lisboa e para a liberdade do anonimato.”
Até que surgiu a oportunidade de ambos trabalharem no Brasil, cada um em seu banco. Ela levaria na bagagem a experiência adquirida em diversas áreas da CGD e ideias, muitas ideias para transformar relações, manter lucro e fazer crescer operações sem se distanciar do que considera premissa do banco: “a Caixa é um banco público, seu foco é o desenvolvimento económico do país e do povo português, esteja ele onde estiver”.
Parece ser, entretanto, o que pensam os executivos focados na operação da CGD no Brasil onde responde pelo nome Banco Caixa Geral Brasil (BCG), e tem como presidente o executivo Fábio de Sarandy Raposo. Desde 2008 no Brasil (a Caixa já esteve no país quando comprou um banco brasileiro, mas desistiu daquele modelo de negócio), com operações direccionadas para os clientes empresariais, comércio exterior, investimentos e financiamentos, queria sobretudo relacionar-se com empresas portuguesas que estavam a investir no Brasil e brasileiras com os olhos em Portugal ou África. Foi uma iniciativa estratégica que resultou com números muito positivos.
Após consolidar a atividade com os clientes empresariais, a Caixa deu um passo em frente, visando os clientes particulares. E foi aí que Carla entrou: “Entendemos que não seria o nosso papel fazer frente aos bancos brasileiros e estar a disputar o mercado nacional. Não era o nosso propósito. O que visualizámos foi um grande interesse da comunidade luso-brasileira em ser orientada financeiramente por uma mesma instituição tanto no Brasil quanto em Portugal. Há uma intensa remessa de valores dessa comunidade entre os dois países e só o facto de se ter um banco português a oferecer essas transferências, sem cobrança de taxas, já seria um alento para toda a gente, mas há muito mais”.
“Nós literalmente conhecemos nossos clientes pelo nome. Sabemos quem são, onde moram, como vivem, o que precisam, e de que forma podemos ajudá-los. São pessoas que têm uma história de muita luta. Muitos chegaram ao Brasil sem dinheiro e hoje possuem bens e negócios pelo país. Cresceram na adversidade, com trabalho, sem jamais abandonar os vínculos com Portugal. São investidores potenciais para o mercado imobiliário português, por exemplo. Por esse motivo temos uma série de produtos focados nesse perfil e um sistema de crédito no qual o cliente faz uma aplicação no BCG e consegue facilidades para financiamento na CGD, e vice-versa". A directora explica que hoje é possível um cliente de Portugal abrir uma conta particular no Brasil, denominada “conta não residente”, e investir naquele país, “a taxa de juros do CDB em Portugal é quase zero, no Brasil quase 10%. Além disso somos um banco de nicho, pequeno no Brasil mas com um valor acrescentado que nos diferencia da concorrência por sermos uma subsidiária de um banco português".
Com um largo sorriso, voz firme e o aperto de mão de quem diz ao que veio, esta transmontana carrega a experiência de ter actuado em várias áreas na CGD em Portugal, o que lhe garantiu experiência para encurtar o caminho em busca de soluções dentro da estrutura que bem conhece. Embora esteja há mais de 20 anos no banco, diz que já foi “admitida” em vários empregos, uma vez que sempre participou de ofertas de recolocação interna - que funcionam como um concurso. Até que um dia decidiu apresentar um projecto de actuação para o BCG que foi aceite pelo então presidente. “É verdade, eu conheço atalhos para simplificar operações e dar respostas mais rápidas aos clientes e aos meus superiores. Isso é uma mais-valia para a condução dos negócios fora de Portugal”. Mas o que ela mais ressalta é o seu interesse nas relações pessoais com a sua equipa e com os clientes, talvez tenha aí um pouco do ADN de Vila Real, onde todos se conheciam e eram próximos.
“Não somos private banking mas vamos aonde está o cliente. A nossa relação é muito próxima. Levamos formulários à casa do cliente para serem assinados. O nosso lema é: estamos onde você estiver". Carla da Silva Pinto é hoje conselheira da Câmara do Comércio de Lisboa, directora da Câmara do Comércio do Rio de Janeiro e conselheira no Conselho das Comunidades Luso-brasileiras. Oferece também tempo a uma entidade que se dedica a ajudar portugueses em condições difíceis. Montou um programa de voluntariado que permite aos funcionários usar horas numa entidade de ajuda a esses portugueses, especialmente os mais antigos, pertencentes ao grupo chamado "colónia portuguesa". Não é por acaso que "olhos nos olhos" é uma expressão que gosta quando fala daquilo que faz.
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