“Precisamos, no mínimo, de duas legislaturas bem conduzidas para fazer os reacertos e reformulações necessários para reparar os danos causados pela intervenção da ‘troika’, para que a sociedade portuguesa não fique sob os ditames do memorando [assinado com a ‘troika’]”, disse Carvalho da Silva em entrevista à agência Lusa.
O antigo sindicalista reconheceu que, em termos políticos, têm sido dados “pequenos passos positivos de muito significado”, mas que ainda ficam aquém do que é preciso fazer.
“O contexto económico foi-nos relativamente favorável e as medidas políticas deviam ser mais ofensivas. Reconheço que houve algum esforço para retirar Portugal das condições impostas pela União Europeia, mas em termos de políticas concretas ficámos muito aquém do necessário”, considerou.
O investigador social disse não perceber por que é que se mantêm ainda algumas medidas que foram aplicadas como excecionais no período de intervenção da ‘troika’ pelo governo PSD/CDS.
“Eu não tinha ilusão de que se acertasse tudo numa legislatura, mas tem havido algumas contradições e o último acordo de Concertação Social é uma delas”, afirmou, acrescentando que “o que foi exceção não pode tornar-se normalidade”.
Reconheceu a necessidade da revisão da legislação laboral, para reverter algumas das alterações legislativas que foram feitas em 2012, no âmbito de “uma política de redução dos custos do trabalho e de empobrecimento do país”, e lembrou que o Governo socialista tinha, desde o inicio, o compromisso de fazer as correções para reequilibrar os poderes e a redistribuição.
Mas criticou o conteúdo e a orientação da proposta legislativa do Governo, por considerar que não resolve o problema da precariedade e dos baixos salários, que coloca em causa o desenvolvimento económico do país.
“As políticas de trabalho e de emprego têm uma relação profundíssima com a matriz de desenvolvimento do país. Não podemos ter emprego de qualidade com baixos salários e precariedade e isto é um problema da economia, não é só um problema dos direitos laborais ou de injustiça”, defendeu.
Carvalho da Silva considerou que o ministro do Trabalho, Vieira da Silva, tem conhecimentos para fazer as mudanças necessárias, mas precisa de vontade política para as fazer.
O ex-sindicalista considerou ainda que “não basta haver crescimento económico para garantir o desenvolvimento do país”.
Defendeu que, para isso, é preciso redistribuição da riqueza e novas dinâmicas para uma economia com valor acrescentado.
Para Carvalho da Silva, a ideia de que o excedente orçamental resolve o problema da divida “é um perfeito disparate”, tendo em conta que “a dívida é um travão para o investimento público e privado”.
“E isto num quadro de uma União Europeia com sinais muto perigosos”, disse, lembrando as eleições europeias do próximo ano e os riscos de reforço do poder das forças fascistas e de extrema direita na Europa.
As reformas estruturais do euro, que não foram feitas, e a guerra comercial desencadeada pelos Estado Unidos são também motivo de preocupação, segundo Carvalho da Silva.
“Tudo isto vai convergir nas próximas eleições europeias, com reflexos na nossa vida. Nós somos um país pequeno, temos de nos preparar, distribuindo melhor a riqueza e fazendo melhor o investimento”, concluiu.
Manuel Carvalho da Silva dirigiu durante 35 anos a CGTP e nos últimos anos tem-se dedicado à investigação social, coordenando o polo de Lisboa do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra.
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