"Vamos ter claramente uma redução do preços dos combustíveis, porque o [barril] de Brent [do mar do Norte e o de referência para a Europa] vai acabar - aliás já está - por ser afetado", afirmou em entrevista à Lusa António Costa e Silva.

Os portugueses ainda não começaram a sentir "de forma profunda" essa baixa do preço nas bombas mas, segundo o gestor, nas próximas duas ou três semanas isso já irá acontecer.

O mercado português "depende muito da cotação do Brent, da Europa, e, depois, dos preços dos vários produtos refinados. Já há indicações, nos últimos dias, de que esses preços estão a baixar e poderão vir a baixar ainda mais", explicou.

Assim, "teremos sempre uma 'décalage' de duas a três semanas até que isso se comece a sentir nas bombas [em Portugal]. Mas se olharmos para os últimos dias já houve um abaixamento, quer do preço do gasóleo, quer da gasolina, e portanto essas tendências vão provavelmente refletir-se de forma mais profunda nas próximas semanas no mercado português“, reforçou.

A descida dos preços, embora difícil de prever, “pode chegar aos seis cêntimos” por litro admitiu.
“As descidas são difíceis de estimar, mas podem chegar aos quatro cinco ou seis cêntimos [por litro], depende da volatilidade do mercado e da possibilidade de termos alguma estabilidade", afirmou.
Quanto ao período ao longo do qual se estima que a redução de preços em Portugal se mantenha, Costa e Silva considerou que “pode ser significativo", porque, com a paralisação da economia e a crise global, a recuperação económica "será extremamente lenta".

Ora, sem economia a crescer não "haverá recuperação sustentada do preço do petróleo", frisou.
E concluiu: "Prevejo que neste ano e no próximo vamos ter preços baixos dos combustíveis”.

Neste contexto de pandemia e de "recessão económica", onde há excesso de oferta de petróleo e redução da procura de produtos refinados, a decisão da Galp de suspender a atividade das suas refinarias, Sines e Matosinhos, à semelhança do que fizeram outras companhias pelo mundo "faz todo o sentido", afirma o gestor, porque as companhias que não fizerem isso arriscam-se a "ter de pagar" para encontrar alguém que lhes fique com os combustíveis, ironizou.

Quanto ao facto de os acionistas da Galp terem aprovado esta sexta-feira em assembleia-geral a distribuição de dividendos e prémios aos administradores e trabalhadores da petrolífera portuguesa num contexto de recessão e de uma pandemia imprevisível, António Costa e Silva disse apenas que não faria comentários.

E continuou: ”Neste momento, evaporou-se parte significativa da procura mundial. Desapareceram entre 25 a 30 milhões de barris por dia em termos de consumo de petróleo e isso é cerca de 30%. Portanto, vai demorar tempo a reativação da economia", sublinhou.

Porém, para a economia portuguesa, os ganhos dessa quebra no preço dos combustíveis, que poderiam ser elevados, num país ainda muito dependente do preço do petróleo e com uma fatura energética pesada, desta vez serão apenas "moderados".

Para mostrar como a economia nacional tem uma fatura energética pesada, Costa e Silva recordou que já houve, pelo menos, dois anos em que as compras de petróleo, gás e carvão em Portugal atingiram o valor de dez mil milhões de euros.

"Se olharmos para o peso destas importações de combustíveis no PIB nacional, anda entre o 4 e os 6% por cento, o que é significativo". Por isso, diz, "quando o preço do petróleo baixava dez dólares, era suficiente para ter um efeito positivo no PIB do país de 0,2%".

Só que agora, no cenário de pandemia, a situação é diferente. Com a atividade económica muito paralisada "os ganhos serão mais moderados e mais limitados".

A Fundação Gulbenkian assinou, a 17 junho do ano passado um acordo para a venda da Partex à PTT Exploration and Production, empresa pública tailandesa de exploração e produção de petróleo, por 622 milhões de dólares (cerca de 555 milhões de euros).

Em comunicado divulgado na altura, a Fundação Gulbenkian informou que "a operação teria "um valor de 622 milhões de dólares, sujeita aos ajustes habituais nestas transações.

A Fundação Gulbenkian já tinha anunciado a intenção de sair do negócio da exploração de petróleo, com ativos avaliados em cerca de 457 milhões de euros, para ser mais sustentável, um negócio criado em 1938 pelo seu fundador, Calouste Gulbenkian.

Indústria petrolifera vai perder empresas, diz presidente da Partex

O presidente executivo da Partex considera que a pandemia de covid-19 vai ter consequências para a indústria petrolífera, "um bocado arrogante", obrigando-a à consolidação e reconversão, caminho em que algumas empresas desaparecerão e outras serão compradas.

"O mercado vai ditar a competitividade das empresas" e neste cenário pós pandemia “sem dúvida” que haverá companhias que vão perder-se e “pode haver também mais consolidação", afirmou em entrevista à Lusa António Costa e Silva.

"Penso que caminhamos para aí indubitavelmente, portanto também haverá companhias que vão ser compradas”, acrescentou.

O gestor prevê que o preço do barril de petróleo "provavelmente" vai descer "até aos dez ou 15 dólares".

"Estou a falar do Brent [petróleo do Mar do Norte, o de referência para a Europa] e depois esperamos que haja alguma estabilidade do mercado", sublinhou.

Neste contexto, Costa e Silva acredita que "a indústria vai aprender ou vai tentar adaptar-se à nova situação".

Porque a paralisação da atividade económica provocada pela pandemia já mostrou, "neste primeiro ensaio, aquilo em que a indústria petrolífera nunca acreditou, que é que pode haver um colapso da procura mundial de petróleo”.

“A indústria não acreditou, quando havia a questão climática e se discutia o pico da procura que devia ocorrer. (...) Era um bocado arrogante”, porque, de facto, nos últimos 35 anos a procura esteve sempre a subir - só em dois destes anos declinou, disse.

As companhias já estão a fazer "cortes brutais" nas despesas de investimento e nas despesas operacionais, uma revisão da estrutura de custos. "Se olhar para uma Saudi Aranco [Arábia Saudita], há cortes de 30% no investimento, há cortes significativos também na parte operacional. Mas há outras companhias no Médio Oriente que também estão a fazer cortes dessa natureza, da ordem dos 20 a 25% (…)", apontou.

Mas, além disso "vai haver também uma revisão grande do portefólio de projetos” em que estão envolvidas, sobretudo, daqueles “com altos custos de produção e alta intensidade de carbono".

Porque "é evidente que a indústria face a esta situação vai ter mais dificuldades em atrair investimento e em atrair capital", sublinhou.

E como esta é uma crise global e o consumo de petróleo vai durante muito tempo ser baixo e a recuperação “muito lenta”, as companhias ainda terão de fazer mais do que isto para se manterem.

Costa e Silva defende que as empresas vão precisar também de se reconverterem e passarem a ser "companhias de multienergia".

"Já digo há muito anos que esta é única maneira de as companhias sobreviverem no futuro. Têm que investir mais nas energias renováveis, participar nos segmentos da eletricidade, diversificar os seus portefólios, apostar em novas tecnologias, tem que eventualmente crescer e competir na parte da mobilidade, sobretudo na elétrica", afirmou.

Para Costa e Silva, as companhias "têm de se converter. (…) E se não fizerem isso, coisa em que não acreditavam até aqui, podem arriscar-se a perder a chamada licença social para operar. E a indústria [passa] a ser vista, não como construtora de soluções, mas como promotora dos problemas".

No caso da Partex, exemplificou, há muitos anos que decidiu deixar de ser apenas uma empresa de petróleo e gás e passar a ser uma empresa multienergia.

"A outra coisa que decidimos era que o nosso portefólio, basicamente petróleo, tinha de ter cada vez mais gás, que é o mais limpo dos combustíveis fósseis e será fundamental para a transição energética, para respondermos aos desígnios da conferência do clima de Paris".

E isto, apontou, “também já é visível nos próprios Estados Unidos", onde para somar a todo o cenário existente se jogam interesses eleitorais.

"Muitas das indústrias do petróleo de xisto, que foi a revolução nos Estados Unidos, (...) estão hoje em situação difícil”. E acredita-se que “cerca de 19% da produção americana vai ser afetada até ao fim do ano”, ou seja, “cinco a seis milhões de barris".

Na opinião de Costa e Silva, "se isto acontecer vamos ter uma reconversão da própria indústria nos Estados Unidos”, sublinhou.

Mas em ano de eleições, o Presidente Donald Trump está a jogar com várias medidas, "está a usar as reservas estratégicas do país, para comprar o petróleo barato e retirar parte dos constrangimentos da capacidade de armazenagem, está a pensar em leis para apoiar as companhias, portanto o governo vai dar empréstimos diretos a algumas das empresas".

Assim, uma das grandes questões que se coloca hoje no mercado petrolífero é saber até que ponto o presidente norte-americano vai fazer isso “com fins claramente eleitorais”.

“Se tivermos aqui uma intervenção cega do Estado no mercado, que sustenta todas as companhias, incluindo aquelas que não são produtivas, com custos elevados de produção e ineficientes, arrisca-se a distorcer o mercado. Esperamos que isso não aconteça”, disse António Costa e Silva.

Golfo Pérsico e Rússia "vencedores", Brasil e Angola perdem

Os países do golfo Pérsico e a Rússia serão os "vencedores", num contexto de preços do petróleo baixos, enquanto países como Brasil e Angola perdem atratividade para investimentos na produção, afirma o presidente executivo da Partex.

"Vai haver um colapso muito grande no mundo da procura e é evidente que quem vender petróleo e gás a preços mais baixos e mais competitivos serão os vencedores. E estes serão tradicionalmente os países do Golfo Pérsico, com custos de produção muito baixos, e a Rússia", afirmou à Lusa António Costa e Silva.

Como exemplo, o gestor apontou a Arábia Saudita onde o custo do petróleo "é da ordem dos 3,3 dólares por barril".

Portanto, a Arábia Saudita tem sempre, com os Emirados Árabes Unidos e o Kuweit, "vantagens competitivas", reforçou, e a Rússia também, porque embora tenha custos de produção mais elevados, tem certas vantagens, uma delas é o facto de "o rublo (moeda russa)não estar indexado ao dólar, ao contrário das moedas de todos os países da Península Arábica".

“Há vantagens e inconvenientes neste cenário global, mas claramente os grandes produtores mundiais do Golfo Pérsico e a Rússia serão ganhadores", rematou.

Ao contrário, "muitos dos outros países que têm custos de produção mais elevados, como a Argélia, ou têm problemas muito difíceis de fragmentação política, como a Líbia, o Iraque, a Venezuela - que está numa situação extremamente crítica- e países como a Nigéria e Angola, que têm muita da sua produção 'off-shore' [em mar], e em que já não tem havido investimento nos últimos anos, não tem havido novos campos para repor a produção e os custos são elevados, vão ter bastantes mais dificuldades para se continuarem a afirmar no mercado mundial", considerou .

Angola, que aderiu recentemente à OPEP [Organização dos Países Exportadores de Petróleo], "nem sequer conseguiu produzir ao nível da quota estabelecida, isto é, a sua produção, já muito sacrificada hoje, vai ser mais com a falta de investimento", assinalou.

Também em África, o caso da Nigéria, em que o crude "já não era muito apetecível nos mercado internacionais, não consegue exportar para os Estados Unidos". E, nos últimos dias, "há indicações de que cerca de 20 navios que estavam previstos para levar crude nigeriano nem sequer tiveram hipótese de o colocar no mercado".

Para Costa e Silva, este é outro problema para a indústria e para o mercado, "é que não é só o armazenamento terrestre [de petróleo] que está no limite da saturação, é também o armazenamento marítimo. São superpetroleiros, que têm milhões e milhões de barris de petróleo e não conseguem colocar o produto no mercado".

Quanto ao Brasil, considerou-o como um caso “muito complexo”.

"O Brasil é um produtor de petróleo e de gás, mas tem problemas e constrangimentos muito grandes. E não podemos esquecer que muita da produção é 'offshore' [no mar] que é sempre mais cara do que 'on-shore' [em terra]".

Costa e Silva prevê que a queda da procura será "prenunciada" e depois haverá "uma recuperação extremamente lenta". Por isso, "vamos ter 2020, 2021 e provavelmente 2022 de preços relativamente baixos" do petróleo, afirmou.

Até porque o consumo mundial depende muito da mobilidade e o que "este novo coronavírus veio trazer é uma restrição total da mobilidade".

Além disso, ao contrário do que existia no passado, quando as crises eram mais ou menos localizadas, havia outras áreas do mundo em desenvolvimento, como a Ásia, e dentro deste continente a China, que podiam puxar pela ecomomia mundial.

Agora, "vamos ver como é que vai ser o comportamento da China", o maior importador de petróleo do mundo, com 10 milhões antes da crise. Para já, começou a reativar as importações de petróleo, porque "os chineses têm um pensamento estratégico claro e querem comprar petróleo barato, como fizeram na crise anterior, de 2014, para preencherem as suas reservas estratégicas. Isso pode ser um fator importante para tentar estabilizar o mercado no futuro", destacou Costa e Silva.

Além disto, o que poderia ajudar "era que o acordo da OPEP funcionasse", disse.

Para Costa e Silva, “o acordo é curto, embora seja o maior acordo da história, da chamada 'OPEP +, com a Rússia e outros países".

Porém, "um corte de 9,7 milhões de barris por dia, com a capacidade saturada do armazenamento no mundo não é suficiente para corrigir este problema", assegurou Costa e Silva, considerando que "o corte de 20 milhões de barris por dia, falado no âmbito da cimeira do G20 (...) seria o ideal".

A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e outros produtores chegaram a um acordo, a 12 de abril para cortar a produção em 9,7 milhões de barris diários.

A nível global, segundo um balanço da agência de notícias AFP, a pandemia de covid-19 já provocou mais de 204 mil mortos e infetou mais de 2,9 milhões de pessoas em 193 países e territórios.
Perto de 800 mil doentes foram considerados curados.

Em Portugal, morreram 903 pessoas das 23.864 confirmadas como infetadas, e há 1.329 casos recuperados, de acordo com a Direção-Geral da Saúde.

A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de dezembro, em Wuhan, uma cidade do centro da China.

* Ana Tomás Ribeiro, da Agência Lusa

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