O setor da restauração, dos alojamentos turísticos, bares e discotecas foi um dos mais afetados economicamente com a crise pandémica. Em entrevista ao SAPO24, Ana Jacinto fala em primeiro lugar de uma luta pela sobrevivência e sobre a resistência de uma indústria que será forçada a adaptar-se a novas exigências e a reinventar-se para reconquistar a confiança de quem viaja ou de quem se senta à mesa de um restaurante ou de um bar.
A secretária-geral da AHRESP antecipa que o regresso da procura e vê potencial na retoma, mas avisa que faltam apoios e os que existem nem sempre chegam às empresas de facto. Neste sentido, alerta para o desequilíbrio entre as medidas sanitárias impostas e as medidas económicas de apoio avançadas pelo governo.
Assim, pede uma task-force que envolva associações, confederações, empresários e governo com o objetivo de pensar hoje como se vai reposicionar Portugal na linha da frente das preferências amanhã, quando tudo voltar ao normal, ou, até lá, na nova normalidade.
Olhando para os caminhos possíveis, aponta para o potencial que digitalização traz tanto para os pequenos negócios como para as grandes cadeias, sem que isso faça descurar o lado humano, tão importante na diferenciação do produto que se oferece. O digital nunca substituirá as Donas Marias nas várias “aldeias do Monsanto” existentes no país.
Antecipa uma demora na retoma do turismo de city break, onde Lisboa e Porto se têm destacado a nível europeu.
No entanto, acredita que a pessoas estão ávidas de voltar a viajar e de se sentarem à mesa, seja dentro dos restaurantes ou nas esplanadas. E quanto a esta última, se até à pandemia a esplanada era vista como uma mera extensão da sala principal, agora poderá ser olhado como um espaço muito interessante para alavancar o negócio.
Em 2008-2010 tivemos uma crise financeira e económica que afetou diversos setores, entre os quais o turismo, restauração e hotelaria. Agora, a pandemia criou uma crise, em primeiro lugar, de procura. O que muda de uma crise para a outra?
Muda tudo. Estamos a falar de uma crise que não tem comparação com nenhuma outra [de 2008-2010]. É verdade que o setor sempre deu provas de muita resiliência, capacidade de se flexibilizar, adaptar e criar novos modelos, mas a questão, como diz, é que estamos numa crise em que não há procura. Não há circulação de pessoas, turistas nacionais e internacionais. Esta crise não tem comparação. Mas sabemos que vamos dar a volta. Nada se modificou internamente na qualidade do produto. Temos cá tudo. E teremos, de novo, essa procura que alguns diziam que era excessiva.
O chamado “turismo a mais”?
Deixava-me perplexa, mas é verdade que tínhamos muitas vozes nesse sentido. Nunca seguimos essas vozes e sempre dissemos que é preciso gerir fluxos. Temos um território que não é igual e não estava a ser usufruído de igual forma. Necessitávamos era de criar estratégias para dar mais território aos turistas. O trabalho estava a ser feito e bem feito, mas fomos interrompidos.
Hoje, o setor da restauração, hotelaria e bares e discotecas está no olho do furacão desta crise que é também social e económica. Como é que conseguirão sair daqui?
Somos, juntamente com a aviação, dos setores mais impactados com a crise. Como vamos sair? É a grande dúvida. Tudo se tem vindo a agravar e essa perceção está patente nos inquéritos que fazemos mensalmente junto dos nossos associados, de norte a sul do país e ilhas. Este retrato é importante para percebermos como se está a comportar o setor. E a partir daí podemos avançar com medidas e propostas negociadas com o governo.
Estamos a falar de que medidas e de que propostas?
Não temos sido eficientes entre o equilíbrio das medidas sanitárias, que têm vindo a ser impostas, e as medidas económicas. E isso lê-se nas respostas aos nossos inquéritos. As empresas têm tido dificuldades em manter postos de trabalho e aguentar-se. Necessitamos de medidas mais robustas, que cheguem às empresas de forma imediata, e que tenham uma abrangência verdadeiramente universal no que diz respeito às nossas atividades económicas.
Mas os apoios do Estado não estão a chegar às empresas?
Das medidas anunciadas a 10 de dezembro de 2020, e disponibilizadas só no final de janeiro e início de fevereiro de 2021, recordo que o programa Apoiar.pt esgotou pouco depois de abrir, deixando milhares de empresas de fora, por falta de plafond. Se falarmos do programa Apoiar Rendas, também anunciado a 10 de dezembro, à data de hoje ainda nenhuma empresa recebeu qualquer pagamento deste apoio. Estas situações, entre muitas outras, face ao estado crítico em que as empresas se encontram, causam graves constrangimentos na sobrevivência dos negócios.
Acresce que essas medidas foram pensadas num momento em que algumas empresas ainda podiam trabalhar, sendo que, entretanto, todas as empresas de restauração e bebidas foram obrigadas a encerrar e só agora foram anunciados novos apoios. Por outro lado, e quanto ao alojamento turístico, também importa recordar que, embora não estejam obrigados a encerrar por diploma legal, não têm turistas, tendo em conta todas as restrições existentes quanto à circulação, e também estas unidades têm agora um conjunto de atividades que habitualmente prestavam encerradas por diploma legal.
E os apoios anunciados a 12 de março?
Eesses apoios acolhem muitas das medidas propostas pela AHRESP e que foram por nós apresentadas em diversas reuniões de trabalho com o Governo. Há de facto uma maior abrangência dos mesmos, não obstante, obviamente, termos que aguardar pela publicação da devida regulamentação para conhecer todos os detalhes. Mas mais importante que o anunciar destes novos apoios, é fazer com que cheguem efetivamente às empresas. Os múltiplos formulários e diferentes condições de acesso têm sido um enorme constrangimento para que as microempresas (que compõem cerca de 95% das atividades da restauração, similares e alojamento turístico) e também as pequenas e médias empresas, consigam aceder, além da complexidade e de toda a burocracia associada a cada uma das candidaturas.
Perante esta situação, a AHRESP apresentou ao Governo a criação de um Mecanismo Único de Acesso os Apoios, que permitisse um acesso ágil, simplificado e concentrado, através de uma única candidatura, aos apoios disponíveis. Este mecanismo deve concentrar a totalidade dos apoios disponíveis e ser concedido através de uma única candidatura, o que permitirá, de facto, o reforço ágil, simplificado e alargado a todas as empresas.
Passou um ano desde o início da pandemia COVID-19 em Portugal, e as empresas da restauração, similares e do alojamento turístico, das mais relevantes na criação de riqueza para a economia nacional, atravessam o seu período mais crítico, sendo por isso da maior urgência que todos estes novos apoios cheguem às empresas, de forma ampla, imediata e descomplicada. Tememos que estes apoios mais uma vez não cheguem de forma atempada e generalizada e com o arrastar da situação estaremos uma vez mais confrontados com apoios insuficientes para aguentar as empresas até à desejada retoma.
Quais são os outros desafios com que o setor se depara?
O primeiro é resistir e ter a capacidade de ajudar as empresas a resistir. A seguir, passa pela necessidade das empresas se reinventarem, de se reajustarem, criarem novos modelos de negócio. Depois, na retoma, é preciso ter flexibilidade para ir ao encontro de uma procura que será diferente e que terá grandes preocupações de saúde e segurança. Temos de encontrar formas de robustecer os empresários para se ajustarem às novas realidades que terão pela frente. Este é um grande desafio para empresários e consumidores nos próximos tempos.
Estes setores vivem da junção de pessoas, partilha de espaços, entre clientes e quem está a trabalhar. Soltamos gargalhadas à mesa, dançamos em discotecas, nos hotéis partilhamos o hall de entrada, zonas lazer e restauração. Como conjugar essa vivência com a necessidade de distanciamento social?
Provavelmente teremos de reabrir com condições muito diferentes daquelas a que estávamos habituados. Não agrada, mas vamos demorar muito tempo para o regresso à dita normalidade. Vamos ter de aprender a conviver durante uns tempos de outra forma. É mais um desafio.
Na restauração, a título de exemplo, um dos grandes desafios que identifico passa por restaurar a confiança do consumidor.
Reconquistar a confiança de todos. E todos temos de estar envolvidos. No que diz respeito à segurança dos nossos espaços, temos dito desde a primeira hora (não só com a pandemia) que os empresários da restauração e alojamento turístico cumprem regras muito apertadas de segurança e higiene. Fomos pioneiros nestas matérias. O princípio do HACCP [sistema de Análise de Perigos e Controlo de Pontos Críticos HACCP, que tem na sua base uma metodologia preventiva e cujo objectivo é evitar potenciais riscos que possam causar danos aos consumidores] que cresceu na NASA é aplicado aos estabelecimentos de bebidas e restauração. Pelo menos, os princípios básicos. Temos muita formação nesta área. Sempre foram espaços seguros e na pandemia reforçaram muito essa área. A primeira nota que é necessário passar para o consumidor é que somos um país seguro e temos estabelecimentos seguros.
“Temos muitos desafios pela frente. O primeiro é sobreviver”
Será suficiente essa mensagem para a retoma?
Não chega. Necessitamos de criar incentivos à procura e ao consumo nestes setores que são os mais afetados. Por um lado, as pessoas perderam algum rendimento; por outro, há um teletrabalho que penaliza a frequência na restauração. No regresso, no início, muitos vão tomar o pequeno-almoço em casa e levarão almoço de casa, por exemplo. No entanto, acredito que aquilo que as pessoas mais querem é voltar a dançar, a beber um café e a almoçar e jantar fora. Teremos uma mudanças de hábitos e depois vamos ter de pensar em reconquistar a confiança.
Está confiante de que a procura regressará?
Temos vindo a ganhar prémios sucessivos. Veja-se o caso de Braga (Melhor Destino Europeu 2021). Vamos voltar a ter procura, vamos voltar a viajar. As pessoas estão ansiosas de viajar e de voltar ao nosso país. Que tipo de oferta teremos para essa procura? Quem é que vai ficar [pelo caminho] e quem irá resistir? Essas são as grandes questões. E já o disse: temos muitos desafios pela frente, mas o primeiro é sobreviver. Necessitamos das microempresas, das pequenas, médias e grandes empresas. Todas elas oferecem produtos diferenciados.
Mas umas sofreram e vão sofrer mais do que outras?
Claro. Mas o papel da AHRESP, do governo e de todos nós é tentar segurar o mais que pudermos o setor, porque todas as empresas contribuem de forma decisiva para termos o produto singular que todos dizem que temos. O produto oferecido por estas empresas não é igual e é o conjunto que faz a nossa oferta [enquanto país] especial.
Quem terá capacidade para sair mais rápido da crise. As micro ou as grandes empresas?
Tudo depende da capacidade do governo em apoiar. Mas já lá vamos. Prometo não fugir à sua questão e gostaria de regressar aos desafios que temos colocado em cima da mesa de forma sistemática.
Recuemos então, estava a falar sobre a necessidade de segurar todas as empresas, pequenas e grandes.
Sim, a necessidade de aguentarmos todas as empresas, das micro às grandes, todas com dificuldades diferentes. É importante segurar agora, mas é também importante não perder de vista que amanhã continuarão a precisar de ser ajudados. Se não, sobrevivem nesta fase, mas depois acabam por não ter capacidade de se aguentar. Temos que ter este horizonte em cima da mesa.
Depois, há temos um segundo desafio: a flexibilização. Não chega segurar as empresas agora porque mais à frente vão ter outro tipo de problemas se não se capacitarem, ajustarem, flexibilizarem os seus modelos negócios. Estamos convencidos, podemos estar enganados, que o amanhã não será exatamente o mesmo de antes da pandemia. Vamos ter outro tipo de turistas, outro tipo de turismo e outras exigências.
"É importante envolver associações, confederações, empresários e governo numa task-force para que se perspective hoje, já, e não amanhã, o que vamos fazer para reposicionar Portugal na linha da frente"
Um novo normal também no turismo?
Exatamente. Então aproveitámos este momento de menos trabalho no setor para, através das academias de formação, dotar as empresas, capacitá-las e olhar para aspectos que até já eram importantes antes da pandemia.
E teremos que nos reposicionar?
Antes de mais, é necessário que os empresários tenham confiança e passem essa confiança para os colaboradores e, acima de tudo, ao consumidor, nacional ou estrangeiro. Depois necessitaremos de voltar a fazer tudo para nos posicionarmos da linha da frente da oferta no turismo e na restauração. Não estamos sozinhos no mundo e os outros países estão em iguais circunstâncias. Daí ser importante, numa task-force, envolver associações, confederações, empresários e governo para que se perspetive hoje, já, e não amanhã, o que vamos fazer para reposicionar Portugal. E apostar na digitalização, que hoje ganha maior importância.
É pela digitalização o caminho da retoma?
Parece que não há outra solução se não encontrarmos compromissos inteligentes entre soluções inovadoras e a utilização da digitalização para criar outros produtos e outras ofertas. Se não dermos esse salto, é evidente que não é fácil criar um produto novo.
Mas essa digitalização cava o fosso entre quem tem uma maior capacidade financeira e quem não tem. De um lado, as grandes cadeias de restauração e hotelaria, do outro, empresas familiares, donos de um restaurante ou alojamento na Aldeia do Monsanto, um negócio gerido pela Dona Maria. Estarão todas as empresas preparadas para essa digitalização?
A nossa missão é exatamente ajudar essas microempresas. Estamos a fazê-lo. É evidente que não estão todas no mesmo patamar. É por isso que temos defendido que é preciso alcançar todos os patamares. E isso não está a ser bem-sucedido: os apoios são tardios e muito complexos para esse tecido empresarial. Tememos que as microempresas não consigam sobreviver porque não estão a conseguir ser apoiadas. Em causa está a complexidade e a segregação que os apoios fazem. Uma coisa é anunciar a medida e dar a conhecer a sua dotação orçamental. Coisa diversa é: esse dinheiro entra nas empresas ou não? Quanto entra está condicionado a muitos critérios de elegibilidade que, no terreno, acabam por deixar de fora muitas empresas.
“Não acredito que a digitalização vá substituir o lado humano na hotelaria ou na restauração. (...) O turista quer, cada vez mais, são as experiências”
Os pagamentos contactless e os menus digitais vieram para ficar?
Na AHERESP, temos a preocupação de acompanhar propostas inovadoras ao nível digital. Isso foi totalmente acelerado nesta face. Temos um projeto, Hotelaria 4.0, cujo objetivo é fazer um levantamento e diagnóstico sobre o estado do digital no setor. Há muitas empresas que não deram esse salto. A digitalização não é para substituir as pessoas, pois a atividade turística é de pessoas para pessoas. A digitalização serve para criar eficiência, quer do ponto de vista da relação com o consumidor, que procura cada vez mais estas ferramentas, quer do ponto de vista da operação. Estas tendências vão continuar independentemente de a pandemia terminar e vamos ter de continuar a apostar para os empresários não perderem clientes.
A digitalização retira o contacto humano. Entramos e saímos de um hotel, pagamos tudo com cartão, fazemos check-in numa aplicação, levantamos o pequeno-almoço servido dentro de uma caixa, sem necessidade de interagir com alguém. Como será o diálogo entre a digitalização e ausência de contacto humano por ela potencia?
Não acredito que a digitalização vá substituir o lado humano na hotelaria ou na restauração. É evidente que teremos hotéis 100% digitais, tem um nicho e mercado próprio, mas não será a generalidade da oferta. O que o turista quer, cada vez mais, são as experiências. E essas temos quando contactamos uns com os outros e quando partilhamos momentos únicos recordados para o resto da vida. No projeto Hotelaria 4.0, como referi, usamos a digitalização em prol da eficiência da operação, não para substituir o lado humano.
A digitalização pode ser usada para atrair um novo tipo de turista que nasce a partir de 2021?
Quando falamos de mudanças de perfil do turista, estamos em crer que mais facilmente retomaremos as atividades em locais menos massificados, mais resguardados, menos urbanos e mais distantes das grandes cidades. Esses locais precisam de se reposicionar no mapa, dizer onde estão e que experiências podem proporcionar. Teremos que acelerar a digitalização no contacto com o cliente e também na operação. E não, do meu ponto de vista, na substituição efetiva das pessoas que são sempre necessárias.
“O famoso city break demorará mais tempo a recuperar”
Então a Dona Maria lá estará para receber as pessoas, explicar algo sobre a gastronomia, artesanato, a vida e os costumes da aldeia do Monsanto?
Temos é que criar condições para que se conheça a Dona Maria. Se não, ninguém vai lá. Essas aldeias têm de conseguir mostrar que existem. Darem-se a conhecer. E aí entra a digitalização e os seus mecanismos para alavancar esse tipo de produto. Acredito que as pessoas vão procurar locais mais resguardados, menos massificados. O turismo urbano certamente demorará mais tempo a reerguer-se.
O turismo não massificado terá, então, uma retoma mais rápida.
O famoso city break demorará mais tempo a recuperar. A maior atração estará neste tipo de turismo de experiências, mais associado à natureza, à sustentabilidade e afastado das grandes cidades. E já assistimos a esse fenómeno no verão, com dimensão curta porque não houve turistas internacionais, mas o turismo nacional procurou esses locais. Quando o turismo internacional voltar, creio que vai ser esse tipo de oferta a ter mais procura. Mas lá está, estes negócios necessitam de mostrar que existem, de se posicionar no mapa, de criar e promover o seu produto. E para isso é essencial usar cada vez mais a tecnologia, até porque a tendência será o turista usar essas ferramentas para escolher o sítio, reservar e interagir com o prestador de serviços.
Os city breaks podem demorar a recuperar, disse. E os circuitos, Lisboa, Fátima, Porto e Braga numa semana também vão ter de esperar?
Vão demorar mais tempo a recuperar também. Aliás, as perspectivas de recuperação são um pouco assustadoras. Este ano vamos assistir a algum progresso, mas são muitas as entidades que avisam que para chegar aos níveis de 2019, só em 2023 ou 2025. É assustador e por isso é que digo temos de trabalhar já para voltar ao pelotão da frente.
O regresso do “turismo de pulseira”, tudo incluído, está também adiado?
Não somos videntes. Tudo vai mudando de dia para dia. A incerteza é a certeza dos nossos dias. Já o era antes, agora é mais. Mas estamos crentes que esse tipo de turismo vai demorar mais tempo a recompor-se e a retomar. Deixe-me, no entanto, realçar, que não temos uma tão grande tradição desse formato. Existe, mas está localizado a sul.
Há locais em Portugal que são Património Mundial. Um ano de ausência de receitas turísticas pode estar em risco a preservação desse património?
Claro que sim. Falamos do turismo muito na vertente económica. Mas o turismo tem uma importante componente social, de agregação de territórios, de dinamização de culturas, experiências e tudo isto. A nossa confederação europeia de hotelaria e restauração tem alertado para a diminuição de valor desse ponto de vista. O turismo tem uma vertente muito social que nem sempre é colocada em cima da mesa. Mas do ponto da salvaguarda da conservação do património é essencial. E, obviamente, com menos turismo, temos menos capacidade de salvaguardar todas essas vertentes que o turismo potencia.
Depois de 2010 assistimos à explosão de Alojamentos Locais (AL). 10 anos depois, esse universo é impactado com uma crise. Muitos são negócios de índole familiar.
Tudo está na nossa capacidade de aguentar estas unidades no até lá.
O que é o “até lá”?
Digo antes: o quando é fator decisivo. Vamos ter de ter capacidade de aguentar estas unidades, vamos apoiá-las para que efetivamente possam oferecer os seus serviços quando tiverem procura. É a nossa grande preocupação. Já o temos dito: não estamos a ser eficazes nisso. E todos os dias temos empresas que fecham. E se calhar esse AL terá de se reconverter noutra coisa qualquer. E é isso que queremos evitar. É importante que o alojamento local esteja lá. Vai ser preciso.
Mas só permanece se for rentável?
Obviamente, só permanece se for rentável. E se tiver ajuda para se aguentar hibernado até lá.
A solução passa pela hibernação de todo um setor?
De todo. Não é isso que estou a dizer. Mas se não tem clientes, pergunto o que está a fazer aberto. Só tem custos. Logo, está fechado. E para estar fechado, em hibernação, necessita de ser apoiado. Se não, terá de se reconverter noutra coisa qualquer. O que não queremos. Recordo que a restauração está encerrada por decreto. O alojamento não, nunca esteve.
Falemos de restauração. Os buffets podem cair em desuso?
Se houver regras e se seguirmos tudo à risca, há condições de segurança para que se possam realizar. Mas como referia antes, não temos muita tradição do tudo incluído, não é a generalidade da nossa oferta. Mas eles mesmos vão-se reinventar. Levam chefs aos quartos e às moradias, criaram produtos que podem ser vendidos, como cestos de pic-nics com produtos regionais.
“Há uns anos, não tínhamos empresas a distribuir cocktails ao domicílio. Neste momento temos essas empresas. Tudo foi acelerado pelas contingências e pela necessidade das empresas encontrarem outras formas e novos canais de venda. Vão surgir muitos negócios com esse conceito [do take-away] já misturado”
O take-away, ao invés, veio para ficar?
Bom...o take-away é uma modalidade que espoletou agora, tem maior impacto porque as pessoas estão em teletrabalho. Era importante para alguns estabelecimentos, mas não para todos, e cresceu dadas as circunstâncias em que estamos.
Sei que é uma tendência a que aderiu recentemente.
Tenho procurado incentivar todos os amigos a fazê-lo porque é uma forma de ajudar a economia e os meus associados. Tenho aderido aos fins de semana. Mas não há nada como estar num espaço ao lado da família e amigos. Como não nos deixam, usamos as novas modalidades para ajudar o setor.
As cozinhas cloud - que fornecem restaurantes, take away e delivery - explodiram com a pandemia. A restauração urbana tem aqui uma saída? Pode aproveitar para uma redefinição arquitetónica do próprio restaurante. Um espaço para comer, um canal take away noutro local, sem ligação, será a tendência?
Antes da pandemia estas modalidades de serviços e plataformas [de delivery] eram aproveitadas para testar produto. Era uma modalidade de negócio residual, a não ser para as empresas que foram criadas de raiz para esse efeito. Mas agora vão surgir conceitos mistos, vão-se misturar essas tendências. Há uns anos, não tínhamos empresas a distribuir cocktails ao domicílio e neste momento temos essas empresas. Tudo foi acelerado pelas contingências e pela necessidade das empresas encontrarem outras formas e novos canais de venda. Vão surgir muitos negócios com esse conceito já misturado.
Em todas as crises, há negócios a fechar e abrem-se novas oportunidades. Nos hotéis, estamos a assistir a uma redefinição do house-keeping, quartos onde nascem pequenos ginásios, kitchenettes ... é a inovação ao serviço da indústria?
Já nos chegaram relatos de como empresários se estão a adaptar. É preciso ter a capacidade de investir e flexibilidade. Por isso, numa primeira fase temos de ajudar as empresas a resistir, como disse anteriormente, porque será necessário, depois, fazer esse investimento e ter essa audácia no sentido de ajustar ao que será a procura. E vamos ter uma procura imensa, vamos continuar a estar no topo das escolhas de quem gosta de viajar, mas temos que ter uma oferta ajustada a essa procura. E, como referi antes, não estamos sozinhos no mundo.
Representam os bares e discotecas. Como será esse setor nos tempos mais próximos? As festas com centenas de pessoas no mesmo espaço será uma memória distante?
É uma hibernação de um ano. Temos chamado muita atenção para estas unidades. Não há possibilidade de se aguentarem se o governo não reforçar apoios. O facto de estarem encerradas, não significa que não tenham despesa. As moratórias das rendas têm de ser pagas. No lay-off, há uma parte paga pela empresa. Há custos fixos a considerar, como os seguros dos trabalhadores. Não é de todo possível aguentar esta situação, mesmo com todas as poucas majorações para apoios, este setor tem de revisitar tudo isto.
“Se até à pandemia, a esplanada era vista como uma extensão para tomar um café ao ar livre, poderá ser entendida agora com um espaço muito interessante para a restauração”
Vamos começar a explorar mais a rua, o espaço aberto?
Temos reunido com autarquias para os sensibilizar a nos ajudarem a criar um espaço exterior confortável. Esse é o caminho a ser explorado, os consumidores sentir-se-ão mais seguros. Temos que criar condições para termos esplanadas confortáveis e visualmente interessantes, caso contrário não criamos atração. E necessitamos que as autarquias isentem as empresas do pagamento de taxas, esta estratégia tem de ser articulada com o poder autárquico.
Uma relação que nem sempre é pacifica?
Os estabelecimentos de restauração sempre tiveram problemas com os licenciamentos, as regras, regulamentos que diferem de câmara para câmara, e quando se passou essa autorização para a juntas de freguesia, ainda ficou pior, são licenças temporárias. E se até à pandemia, a esplanada era vista como uma extensão para tomar um café ao ar livre, terá de ser entendida agora com um espaço muito interessante para a restauração.
Para o fim. Quando tudo voltar ao normal, onde irá almoçar, que localidade escolherá para passar umas férias e quem levará?
(Sorrisos) Pediria para me ausentar durante um mês, que é o que estou a precisar, e fazer um périplo de norte a sul e ilhas, degustando a gastronomia e oferta hoteleira tão boa e tão diferente que temos.
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