De acordo com a lei orgânica do Banco de Portugal, “os membros do Conselho de Administração [do Banco de Portugal] são inamovíveis” e só podem “ser exonerados dos seus cargos caso se verifique alguma das circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 14.º dos Estatutos do SEBC/BCE [Sistema Europeu de Bancos Centrais/Banco Central Europeu]”.
Esta legislação europeia refere que “um governador só pode ser demitido das suas funções se deixar de preencher os requisitos necessários ao exercício das mesmas ou se tiver cometido falta grave”.
Nesse caso, acrescenta a mesma lei, no prazo de dois meses, pode recorrer na decisão no Tribunal de Justiça Europeu.
Segundo a lei orgânica do Banco de Portugal, "o governador e os demais membros do Conselho de Administração são escolhidos de entre pessoas com comprovada idoneidade, capacidade e experiência de gestão, bem como domínio de conhecimento nas áreas bancária e monetária".
Nos últimos dia, o governador do Banco de Portugal tem estado envolto em polémica devido à sua intervenção na concessão de créditos problemáticos pela Caixa Geral de Depósitos (CGD) quando era administrador do banco público, entre 2004 e 2006.
O Bloco de Esquerda (BE) apresentou hoje um projeto de resolução no qual pede a avaliação da idoneidade do governador, considerando que “não pode estar acima de escrutínio”, e defendeu a sua exoneração do cargo.
Já o CDS-PP defendeu que Carlos Costa deve ser o primeiro a ser ouvido pela nova comissão parlamentar de inquérito à CGD, não excluindo um pedido de exoneração.
Na semana passada, a Sábado noticiou que Carlos Costa participou na aprovação de "créditos ruinosos a Berardo e Manuel Fino", depois de consultas a atas da CGD que referem que "esteve em pelo menos quatro reuniões do Conselho Alargado de Crédito nas quais foram aprovados empréstimos a devedores problemáticos".
Já o Jornal Económico noticiou que o governador "ficou de fora do exame [de idoneidade] que o próprio supervisor está a realizar aos antigos administradores da CGD, apesar de ter estado no banco público entre 2004 e 2006".
O governador fez, na sexta-feira passada, um esclarecimento a dizer que pediu para não participar nas decisões do banco central sobre a auditoria da EY à CGD precisamente por ter sido administrador, o que foi aceite pelo Conselho de Administração.
Referiu, contudo, que então era responsável pelas áreas de 'marketing' e internacional e que “não teve responsabilidades nas áreas de crédito, risco, acompanhamento de clientes ou de controlo e auditoria interna”.
No entanto, acrescentou estar “totalmente disponível” para prestar os esclarecimentos que o parlamento entenda necessários, “designadamente sobre os termos da sua participação nos órgãos colegiais que aprovaram as operações que são objeto da auditoria da EY à CGD”.
Já hoje, em novo esclarecimento, disse que o pedido de escusa foi “apresentado na ocasião da primeira deliberação tomada neste âmbito, em 06 de novembro de 2018, e nessa data aceite pelo Conselho de Administração”.
Há três semanas estalou uma nova polémica em torno da CGD devido à auditoria, encomendada pelo Governo em 2017, que revelou – para o período entre 2000 e 2015 – a concessão de créditos mal fundamentada, atribuição de bónus aos gestores com resultados negativos, interferência do Estado e aprovação de empréstimos com parecer desfavorável ou condicionado da direção de risco, com prejuízos significativos para o banco público.
É esta auditoria que está a ser analisada pelo Banco de Portugal, para avaliar se foram cometidas contraordenações que justifiquem processos e eventuais coimas.
Na semana passada, o deputado do PSD Duarte Pacheco pediu para saber se há outros administradores do Banco de Portugal que também pediram ou vão pedir para não participarem na análise à auditoria.
Uma das empresas cujos créditos causaram prejuízos à CGD é a La Seda, que teve como vice-presidente Fernando Freire de Sousa, marido da vice-governadora Elisa Ferreira.
A demissão de Carlos Costa como governador já tinha sido pedida pelo BE em 2016, a propósito dos casos BES/Novo Banco e Banif.
Em 15 de abril de 2016, o Governo acusou o Banco de Portugal de ter cometido uma “falha de informação grave” no Banif, através de declarações do secretário de Estado Adjunto e das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, ao jornal Público. O governante disse, então, que o banco central omitiu do Governo que pediu ao BCE para limitar o financiamento ao Banif, o que considerou “falha de informação grave”.
Nesse dia, no debate quinzenal, a líder do BE questionou o primeiro-ministro sobre quantas "falhas graves" precisava de ter o governador do Banco de Portugal para que se reconheça que "está cumprido o critério de falha grave que obriga à sua destituição".
Aos jornalistas, Costa rejeitou alinhar com a exigência de demissão, alegando que recusava antecipar conclusões da comissão parlamentar de inquérito que decorria sobre o Banif e considerando que devia haver normalidade no relacionamento institucional.
No mesmo dia, em entrevista à RTP, o ministro das Finanças, Mário Centeno, manteve a posição do seu secretário de Estado e afirmou que Carlos Costa cometeu uma “falha grave de transmissão de informação” na questão do Banif.
O Banco de Portugal divulgou um comunicado a dizer que as regras impedem que os bancos centrais divulguem aos executivos nacionais as decisões tomadas no Conselho de Governadores do BCE.
Em 2017, o BE voltou à carga, tendo considerado Catarina Martins que Carlos Costa "não tem condições" para se manter em funções, devido às "várias falhas graves" que tem demonstrado na supervisão da banca.
O governador do Banco de Portugal foi nomeado em 07 de junho de 2010 pelo governo socialista de José Sócrates e reconduzido em 2015 pelo executivo de Pedro Passos Coelho (PSD-CDS/PP).
Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto, Carlos Costa, de 69 anos, foi chefe de gabinete do comissário europeu João de Deus Pinheiro (1993 -1999), diretor-geral do Millenium BCP (2000- 2004), administrador da CGD e presidente do Banco Caixa Geral - Espanha (2004 e 2006) e vice-presidente do BEI - Banco Europeu de Investimento (2006-2010).
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