O ano passado não correu mal, com as exportações de vinho a subirem. O início de 2023 também não foi mau, mas a verdade é que os números do primeiro trimestre são negativos, com quebras de 0,95% em valor e 3,28% em volume, com o Vinho do Porto a chegar mesmo a quebras de 10%.
Números que não são, ainda, alarmistas, mas que preocupam, sobretudo porque há alguns produtores que não estão a conseguir escoar os seus vinhos, outros que estão a terminar as vindimas e têm a anterior 'praticamente em casa'.
"O consumo mundial de vinho atingiu um pico durante a pandemia do Covid, assistindo-se atualmente a uma redução, que de resto já era esperada na fase de pós pandemia mas que está a ser acentuada pelo contexto geopolítico à escala mundial. O mercado está sem um rumo certo, e por isso os grandes países importadores estão a retrair-se nas suas encomendas, com os importadores a evitar acumular stocks, até porque com a inflação em alta e a alta das taxas de juro os custos de ter mercadoria em casa aumentaram significativamente", diz ao SAPO24 Francisco Toscano Rico, Presidente da Comissão Vitivinícola da Região de Lisboa (CVRLisboa), confirmando também os últimos números menos animadores.
"Olhando para o mercado como um todo, vemos que as exportações de Portugal, nos primeiros quatro meses do ano, estão com uma ligeira retração e que as vendas em volume no mercado nacional estão estagnadas ao nível de 2022, muito por causa da redução das vendas na grande distribuição, compensadas pelo crescimento na restauração que continua a sua retoma iniciada em 2022", disse, destacando, ainda assim, o bom papel dos Vinhos de Lisboa em 2023. "Estão em terreno positivo nos primeiros 6 meses do ano, a crescer cerca de 1,5% o que equivale a mais 500 mil garrafas colocadas no mercado quando comparado a 2022.".
Para fazer face a estes problemas, o Governo de António Costa negociou com Bruxelas algumas condições de apoio à destilação de crise, com um orçamento de 20 milhões de euros, cujas candidaturas foram submetidas entre o dia 6 e 26 de julho, e visa apoiar exclusivamente a destilação de vinhos tintos e rosados, com denominação de origem controlada (DO) ou com indicação geográfica protegida (IG).
"O mercado está sem um rumo certo, e por isso os grandes países importadores estão a retrair-se nas suas encomendas, com os importadores a evitar acumular stocks, até porque com a inflação em alta e a alta das taxas de juro os custos de ter mercadoria em casa aumentaram significativamente"Francisco Toscano Rico, Presidente da CVRLisboa
Esta medida tem valores diferenciados de apoio por tipo de vinho, cor e regiões vitivinícola; por exemplo varia entre os 44 cêntimos por litro dos IG e os 48 cêntimos dos DO de Trás-os-Montes e os 96 cêntimos para os IG e DO de Távora-Varosa. Os produtores do Douro receberão 90 cêntimos por litro, quer de IG quer de DO, no Alentejo receberão 55 cêntimos por litro de IG e 65 cêntimos pelos DO e em Lisboa o valor do apoio será de 52 cêntimos por litro, independentemente de ser IG ou DO.
Uma medida que a CVRLisboa elogia, "ajudará a estabilizar o mercado, reduzindo os stocks que se têm vindo a acumular", mas que não satisfez todos os produtores.
"Também nós estamos com dificuldade em escoar vinho, sobretudo a granel. Lançaram uma medida de crise da treta para se destilar os vinhos das adegas mas chegou a muito pouca gente", diz Ricardo Guimarães, da Adega da Arrocha.
Pelo mesmo diapasão afinou Pedro Gorás, um pequeno produtor do Alentejo. "Há demasiadas regras a cumprir para poder aceder a esse tipo de apoios, que, por norma, chega apenas aos médios e grandes produtores, que têm equipas a trabalharem para este tipo de soluções financeiras. O apoio é sempre bem vindo, mas tem de ser repensada a forma como é distribuído. A ser assim, é uma medida sem pés nem cabeça, não podem estar todos no mesmo barco", argumentou.
Este argumento, aliás, é também ele destacado pela CVRLisboa.
"Caso se venha a confirmar que a adesão à destilação venha a superar os 20 milhões de euros (verbas europeias) fixados pelo Governo, nesse pressuposto, para garantirmos uma maior eficiência e eficácia na gestão dos fundos públicos, o Ministério da Agricultura deverá discriminar positivamente as Regiões mais impactadas, ou seja, com maiores stocks acumulados e/ou com preços de venda mais baixos, o que permitiria com os mesmos euros destilar um maior volume de vinho", refere Francisco Toscano Rico.
Medidas à parte, os produtores parecem não encontrar apenas uma explicação para os stocks acumulados. "Já não sei se é apenas a oferta de vinhos espanhóis a baixos preços ou se é, na verdade, a diminuição do consumo de vinho no geral. Nós estamos a escoar o vinho engarrafado, mas está aquém daquilo que projetávamos para 2023", confessa Ricardo Guimarães, ao passo que Pedro Gorás tem outra análise.
"Os preços estão iguais há anos, ou seja, o preço de venda não tem subido, sobe-se consoante os valores da matéria prima, resumidamente, não é nada de especial. Os stocks têm acumulado desde há quase dois anos, as pessoas olham para as suas carteiras, há uma grave crise financeira, esse será o principal problema. A redução não é apenas em Portugal, as exportações estão a quebras, os principais distribuidores dizem que têm stocks a mais, é um problema sobretudo europeu", relata.
"[Governo] Lançaram uma medida de crise da treta para se destilar os vinhos das adegas mas chegou a muito pouca gente"Ricardo Guimarães, produtor da Adega da Arrocha
Pede-se mais "apoio" e "transparência" à restauração
Há relatos de alguns produtores, sobretudo no Alentejo, na zona da Vidigueira, com "pelo menos" duas colheitas em casa, nomeadamente "vinhos brancos", algo que não surpreende, como referido acima, outros colegas de profissão. De forma a ajudar ao 'escoamento' há quem defenda um maior apoio por parte da restauração.
"Os preços são elevados para as pessoas. Comprar uma garrafa num restaurante é bastante caro, para a realidade dos preços que as mesmas são vendidas para a restauração. Com muito stock, provavelmente o ideal seria a restauração baixar preços, de forma a estimular o consumo de vinho", diz Pedro Gorás, reconhecendo que dificilmente isso acontecerá. "Não acredito, sinceramente. É algo por que batalhamos há já muito tempo e praticamente nada tem sido feito. Há vinhos com margens absurdas, mas isso só muda se o Governo tomar medidas.".
A CVRLisboa também admite que as pessoas colocam um pé no travão na hora de consumir mais vinhos na restauração, mas reconhece também a importância do setor como alavanca do turismo.
"É importante deixar o mercado funcionar, foi um setor particularmente afetado com o confinamento durante a pandemia mas que tem vindo a recuperar desde o inicio de 2022. Na conjuntura atual, com as famílias a verem o seu rendimento disponível diminuir todos os dias, é natural que haja uma retração no consumo, seja por via de um menor consumo ou pela opção de vinhos mais baratos, mas o turismo em alta tem ajudado a compensar esta realidade das famílias portuguesas", referem, reconhecendo, na sua ótica, o grande problema com os vinhos na restauração.
"O grande tema dos vinhos na restauração nacional não se prende tanto com a política de preços, mas sim com a falta de transparência do que é efetivamente servido. Duas em cada três garrafas vendidas na restauração é de vinho não certificado, muitas vezes nem é vinho português, mas nada disso é passado para o consumidor e é aqui que urge agir na defesa dos interesses dos consumidores e na defesa da produção nacional. França, que como sabemos é o país produtor mais premium do mundo, já publicou legislação no sentido de obrigar à indicação da origem dos vinhos nas cartas dos restaurantes e isso é algo que Portugal deveria também transpor para o direito nacional. Inovar começa sempre por copiar os melhores", concluiu Francisco Toscano Rico
Comentários