A União Europeia é considerada o berço dos produtores de vinho e a redução do consumo deste produto está a afetar fortemente o setor, Portugal, claro, incluído.

Em Portugal o caso não é tão drástico como, por exemplo, em França e Espanha, dois dos principais produtores de vinho na UE, onde as vendas diminuíram 35% entre 2022 e 2023, segundo a Comissão Europeia.

Esta situação fez com que no início do mês a Comissão Europeia tenha disponibilizado 120 milhões de euros para a destruição de 4% da área de vinhas da França, a maior produtora de vinhos do mundo.

É verdade que em Portugal nunca se produziu tanto como na campanha passada, de 2023/2024. 754 milhões de litros, mais 10% que na anterior, sendo que o Douro foi a principal contribuinte deste aumento, com 156 milhões de litros, de acordo com o Instituto da Vinha e do Vinho.

Tendo em conta que mais de 300 milhões de litros são para exportação, e que há menor consumo além-fronteiras, não é de estranhar que em Portugal o vinho esteja a sair menos nas adegas, podendo chegar ao ponto de um armazenamento de algumas colheitas na ordem dos 20%.

"É necessário repensar o modelo de gestão das DOP/IGP da Região Demarcada do Douro, como a atribuição da DOP Porto, os rendimentos por hectare, a substituição da vinha em áreas marginais por outras culturas que não comprometam a inscrição do Alto Douro Vinhateiro na lista de património da UNESCO..."Gilberto Igrejas

Em conversa com o SAPO24, Gilberto Igrejas, presidente do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP) aborda esta crise e fala nas ilegalidades que a crise provoca.

"Pensamos que a diminuição do consumo mundial de vinho e das vendas provocou especulações generalizadas de ilegalidades. O comércio de vinho sem DOP (Denominação de Origem Protegida) e IGP (Indicação Geográfica Protegida) existe e é legal, e é provocado pela necessidade de manter os preços dos vinhos baixos ao público menos conhecedor. Contudo, é importante salientar que para os consumidores mais exigentes, aquele negócio não tem implicação significativa no comércio dos vinhos com DOP/IGP, em virtude de estes serem produtos certificados e, portanto, de melhor qualidade", salienta.

O líder do IVDP destaca também as propostas que o Instituto já promoveu, sem prejuízo para os produtores.

"O Conselho Interprofissional do Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto, I.P. tem vindo a apresentar um conjunto de propostas e a equacionar outras medidas possíveis, trabalhando também na diminuição da oferta, com garantias aos viticultores do aumento dos seus rendimentos", diz, enumerando depois algumas dessas propostas.

"É necessário repensar o modelo de gestão das DOP/IGP da Região Demarcada do Douro, como a atribuição da DOP Porto, os rendimentos por hectare, a substituição da vinha em áreas marginais por outras culturas que não comprometam a inscrição do Alto Douro Vinhateiro na lista de património da UNESCO, a possibilidade de utilização de aguardente obtida de vinhos da Região Demarcada do Douro (RDD) e/ou as revisões das taxas assegurando a sustentabilidade social, económica e ambiental. Também consideramos que a ausência de cativações desencadeará uma melhor eficácia nas ações de proteção e promoção e de toda a gestão e planificação da atividade do Instituto", salienta Gilberto Igrejas, que aposta também na promoção dos vinhos para um aumento do "rendimento dos produtores".

"O incremento de ações de promoção das DOP/IGP da RDD, num cenário plurianual integrado com um quadro de investimento robusto e expansionista, bem como a sua proteção internacional, reforçará o valor das DOP/IGP da RDD contribuindo para a sua afirmação no mercado e consequente incremento do rendimento dos produtores", diz.

A queda no consumo, novos hábitos e a China

Uma coisa é certa, os europeus estão a beber menos vinho. A Comissão Europeia fez contas e apurou que, por exemplo, em 2005 um europeu bebia em média 30 litros de vinho por ano, ao passo que estima também que em julho do próximo ano essa média desça para 20 litros, ou seja, uma redução de 33% em 20 anos.

"O facto de um mercado como a China desviar-se um pouco da Europa é mau para os produtores, mas cabe-lhes a eles e aos importadores de fazerem coisas diferentes, como inovarem na divulgação do produto"Andrew Potters

A queda no consumo também estará ligada aos mais jovens. Vários estudos sobre o assunto foram feitos em França e revelam que "menos de um terço dos apreciadores de vinho têm menos de 40 anos", evidenciando que há uma clara "desconexão entre as gerações mais jovens e o vinho".

De acordo com a Sowine, uma empresa de pesquisas gastronómicas, os consumidores com idades entre 26 e 35 anos representam o principal grupo de franceses que consomem pouco ou nenhum álcool. Esta opção estará ligada a uma tendência cada vez maior que reflete preocupações com saúde e bem-estar.

Mas não é só o mercado interno que preocupa, como também o externo. No ano passado houve uma quebra de 9%  em relação ao ano anterior. Em França, o maior produtor mundial, registou-se também uma quebra de 10% já em 2023, sobretudo devido à China, que cada vez compra menos vinho aos gauleses.

A aposta dos asiáticos passa agora por outros horizontes, nomeadamente a Austrália e os Estados Unidos, que exportam cada vez mais para a Ásia.

"São decisões que têm muita a ver também com a descoberta de outras coisas e também com o facto de as mais antigas não seguirem o caminho da inovação e do diferente. As pessoas, por vezes, deslumbram-se com coisas diferentes e vão atrás disso. Ou porque gostam, ou porque as aconselham. Se tudo na vida é assim, nos vinhos também. O facto de um mercado como a China desviar-se um pouco da Europa é mau para os produtores, mas cabe-lhes a eles e aos importadores fazerem coisas diferentes, como inovarem na divulgação do produto. Não tem muito a ver com a qualidade, uma quebra de mais de 10% num só ano nunca tem a ver com a qualidade, mas com o resto, o preço, a cara do vinho, a forma como é apresentado, etc", disse ao SAPO24 Andrew Potters da World Wine.

Qual o ensinamento desta crise?

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Dizem os especialistas que a crise do vinho na Europa não é mais do que um alerta para a indústria. Andre Potters afina pelo mesmo diapasão e diz que há uma necessidade clara "dos produtores se adaptarem às novas realidades do mercado".

"Se as pessoas mudam de hábitos e preferências, terão de ser os produtores a irem atrás dessas mudanças, de perceberem o que aconteceu e de voltarem a unir-se a esse grupo que agora se afastou. Os consumidores mais novos estão a adotar um novo estilo de vida, então é preciso ver o que lhes poderia agradar mais, não podem desistir e continuar a fazer o mesmo que faziam há dez anos. Tem de se apostar cada vez mais na qualidade e não fazer vinho apenas porque se faz assim há tantas décadas, temos de ir atrás de quem o consumia e poderá vir novamente a consumir", diz Potters, salientando que todo o mercado tem de ir atrás dos clientes que perderam.

"Não são apenas os produtores que perdem, mas sim toda a indústria e toda a economia de um país. Todos têm de trabalhar em conjunto, pois a esperança de reencontrar esses clientes não se perdeu, mas todos têm de ir atrás, todos mesmo. Mesmo os governos não podem deixar os produtores pendurados, o vinho é uma cultura e um país não pode perder a sua cultura. A história do vinho é milenar e o objetivo agora é que o setor volte a florescer nas gerações que vêm aí", salienta.